Caso Serginho é alerta para médicos e dirigentes esportivos

por Celso Oliveira

Nos últimos anos tivemos uma série de óbitos no mundo esportivo [1]. No dia 27/8/77 Michel Soulier do Namur da Bélgica levou uma bolada no peito no jogo contra o Anderlecht e teve colapso cardíaco. Morreu no hospital. Em 1980 Omar Sahnoun morreu durante treino de seu time, o Bordeaux. Ele tinha 25 anos e sofreu um enfarte. O Lateral-direito Carlos Alberto Barbosa, aos 26 anos, morreu durante jogo Sport x XV de Jaú, em Recife, dia 4/3/82. Também teve enfarte fulminante no gramado. Aos 29 anos, o argentino Trossero morreu de enfarte no vestiário, após vitória de seu time, o River Plate, sobre o Rosário Central, em 83. De enfarte, aos 19 anos Barry Welsh, no dia 1 de novembro de 1987, morreu quando jogava pelo Ivybridge contra o Rangers, pela segunda divisão do Campeonato Inglês.

Em junho de 2003, durante partida da Copa das Confederações na França contra a Colômbia, o camaronês Marc Vivien Foe que atuava no Manchester City da Inglaterra, faleceu em campo. O diagnóstico dos médicos na época foi parada cardíaca. Em janeiro deste ano, em partida válida pelo Campeonato Português contra o Vitória de Guimarães, o atacante húngaro Miklos Feher, do Benfica, caiu no gramado e faleceu pouco depois. Uma parada cardiorrespiratória provocou a morte do atleta. O jogador húngaro Miklos Feher, de 24 anos, atuava pelo Benfica (POR) caiu no gramado no dia 25/01/2004, contra o Vitória de Guimarães e morreu vítima de parada cardíaca.

Recentemente, o zagueiro Serginho, do São Caetano, não resistiu à parada cardiorrespiratória que sofreu durante um jogo de futebol pelo Campeonato Brasileiro, e morreu.

Óbito pelo uso de hormônios esteróides anabolizantes

O uso dos hormônios esteróides anabolizantes data da década de 40 e teve início no levantamento de peso. Estudos recentes nos Estados Unidos estimam que mais de 1 milhão de atletas fizeram uso de anabolizantes e ainda hoje mais de 300 mil atletas fazem uso deste tipo de droga. A estimativa mundial é que mais de 3 milhões de atletas façam uso de anabolizantes.

Os anabolizantes são drogas compostas de hormônio masculino testosterona usadas por alguns atletas para aumentar a força em função da modalidade esportiva praticada, tais como as corridas rasas, os saltos o halterofilismo e o levantamento de peso. Se por um lado os esteróides podem melhorar o rendimento de um atleta em até 32%, por outro lado, o seu uso excessivo pode levar a problemas de esterilidade, dependência física e psíquica e até mesmo à morte. Essas drogas aumentam a pressão arterial, interferem no funcionamento dos rins e podem causar câncer no fígado.

Medicina preventiva

A literatura internacional relata que antes dos 35 anos as causas de morte mais freqüentes são cardíacas em 80% a 90% dos casos, porém as causas foram certas cardiopatias genéticas, congênitas e infecciosas por viroses. Atletas sejam amadores ou profissionais podem ser portadores de problemas cardiovasculares e a prevenção do risco de complicações depende do exame clínico chamado de avaliação pré-participação, única maneira de evitar ou diminuir as tragédias.

Deveríamos exigir uma a promulgação de uma lei, como na Itália e o Japão onde todos os atletas amadores ou profissionais participantes de competições oficiais devem se submeter à exames clínicos pré-participação.

Teoria da responsabilidade civil

Anteriormente fizemos uma análise singela dos principais problemas envolvendo a morte no futebol, do uso de drogas e de hormônios esteróides anabolizantes e uma medicina preventiva para evitar os casos de óbito no esporte. Agora, devemos analisar o instituto da responsabilidade civil, principalmente envolvendo o mundo esportivo.

A Bíblia veio em determinar, inicialmente que “cada um respondesse pelos seus atos” (Deuteronômio, 24, 16), constituindo em seguida, a lei do talião uma limitação da responsabilidade, pois restringia a reparação ao valor do dano causado, como se verifica na Lei das Doze Tábuas, que vigorou na primeira fase do direito romano.

Assim sendo, prevalecia a lei do mais forte através da “justiça com as próprias mãos”, posteriormente denominada como vingança privada. De acordo com Alvino Lima [2], citado por Carlos Roberto Gonçalves [3] “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, de reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal”.

Os alicerces da responsabilidade por violação da lei se encontram no direito romano na Lex Aquilia. O Código Civil Francês de 1804 veio influenciar decisivamente o instituto de responsabilidade civil no sentido de dar uma maior relevância ao princípio da culpa que se consolida como pilar básico e estruturante daquele instituto. Só bem mais tarde a responsabilidade pelo risco teve alguma aceitação, embora fosse sempre circunscrita a áreas restritas e bem definidas. Contudo, a evolução da vida contemporânea veio demonstrar que a responsabilidade civil fundada na culpa não consegue dar resposta a um sem número de problemas que se colocam ao indivíduo e, por maioria de razão, a toda a coletividade

O problema da responsabilidade surge intrinsecamente a toda manifestação da atividade humana por se tratar aquela de um fato social ou como fez Savatier [4] como a obrigação que pode incumbir a uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outrem por fato próprio, ou pelo fato das pessoas ou das coisas que dela dependam.

O mais importante dos contratos do direito romano era a stipulatio. A palavra responsabilidade tem a sua origem na raiz latina spondeo, a qual era utilizada para se ligar o devedor à obrigação decorrente de contrato verbal do direito antigo romano ou ainda na raiz latina do verbo respondere que foi desenvolvido pelo Direito Romano, traduzindo–se, na relação em que um agente, por ação ou omissão sua, causa um dano à outra pessoa, surgindo assim, a obrigação de reparar o mal que deu causa. [5]

Devemos interpretar Washington de Barros Monteiro [6] onde o “ato jurídico é ato de vontade, que produz efeitos de direito; ato ilícito é também ato de vontade, mas que produz efeitos jurídicos independentemente da vontade do agente. O ato jurídico, segundo o Código Civil, é ato lícito, fundado em direito, enquanto o ato ilícito constitui delito, civil ou criminal, e, pois, violação à lei”.

Marton [7] define a responsabilidade como “a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observância do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas”. Por fim, Giorgio Giorgi conceitua a responsabilidade civil como a “obrigação de reparar mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que o fato ilícito causou a outrem” [8].

Na égide dos ensinamentos do mestre José de Aguiar Dias onde atribui à responsabilidade o caráter de conseqüência de um comportamento; se este for conforme a lei, não gera obrigação para o autor, se contrário, acarretará sanção ao agente: “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse seu dever ou obrigação. Atua-se na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque supérfluo, em indagar da responsabilidade daí decorrente. Sem dúvida, continua o agente responsável pelo procedimento. Mas a verificação desse fato não lhe acarreta obrigação nenhuma, isto é, nenhum dever, traduzido em sanção ou reposição, como substitutivo do dever de obrigação prévia, precisamente porque a cumpriu”. [9]

Na visão internacional de Luis Pascual Estevill “El instituto de la responsabilidad, como si de la expresión del libre tráfico jurídico se tratara, necesita de una regulación acorde con la realidad social del tiempo en que ha de ser aplicada, para con la finalidad de que nunca padezca el interés general, o el interés de otro, o el gran interés que el Derecho empeña en proteger las situaciones desajustadas.

Pretender salvaguardar direitos de crédito que puedan dimanar de la contratación moderna, amparada por los métodos científicos, tecnológicos, y en sistemas de servicios sofisticados, por la mediación de los recursos jurídicos de antaño, sin imaginar una interpretación del Derecho codificado al servicio de los tiempos de ahora, cual haría el sabio sistema romano, es tanto como ignorar que el Derecho postula soluciones a la luz de la razón práctica, dando a cada uno lo que le corresponde en el momento oportuno.”[10]

A responsabilidade civil representa uma obrigação de reparar danos e pode ser entendida de duas formas, conforme ensina o professor Fernando Noronha: através de uma acepção ampla (tradicional) ou de uma acepção restrita e mais técnica. “Numa acepção bem ampla, ela consiste na obrigação de reparar quaisquer danos antijuridicamente causados a outrem, isto é, resultantes da violação de direitos alheios, de forma não permitida pelo ordenamento”.

Assim sendo, numa visão mais ampla, a responsabilidade civil abrange tanto a obrigação de reparar danos decorrentes de inadimplemento, de má execução ou de atraso no cumprimento de obrigações negociais como a resultante de violação de outros direitos alheios, sejam eles absolutos ou meros direitos de crédito. Por outro lado, conceitua o professor Fernando Noronha onde a responsabilidade civil: “é a obrigação de reparar danos antijurídicos que sejam resultantes da violação do dever geral de neminem laedere. Ela tem a finalidade de tutelar o interesse de cada pessoa na preservação da sua esfera jurídica, através da reparação dos danos causados por outrem”.

Responsabilidade civil no Direito Internacional

A consagrada obrigação de indenizar na Responsabilidade Civil encontra-se disposta no Código Federal das Obrigações da Suíça (art. 54), no Código da Alemanha (829), no Código Franco Italiano das Obrigações (art.76), no Código Civil do México (art. 1.911), do Código Civil do Peru (art. 1.140), do Código Civil da Venezuela (art. 1.187), do Código de Portugal (art. 2.377), do Código da China (Código Civil de 1930; art. 187), do Código das Obrigações da Polônia (art. 134), do Código do Líbano (art. 122), do Código da Espanha (art. 32), do Código da Áustria (art. 310) e no Código Civil Italiano de 1942 (art. 2.047). Assim, devemos fazer uma sucinta análise do Instituto da Responsabilidade Civil no Direito Francês, Italiano, Alemão, Português, Argentino, Mexicano e Uruguaio.

O Código Civil Francês criou a presunção irrefutável de culpa. A teoria clássica da responsabilidade extracontratual, sob o fundamento da culpa, consagrada e difundida por Domat e Pothier, foi fonte inspiradora do Código Civil francês, “a grande lei da sociabilidade humana”. Os tribunais civis declaram expressamente sua competência para conhecer de todos os casos de responsabilidade civil previstos no artigo 1.382 e seguintes do Código Napoleão, sejam quais forem as pessoas dos quais estes emanem e, desde que, não tenham sido atribuídos a jurisdições excepcionais por leis especiais: “Attendu qu’il s’agit au procès des articles 1382, 1383 et 1384 du Code Civil. Attendu que ces articles sont applicables dans tous cas où il y a dommage causé par le fait de l’homme. Attendu que les agents de l’Etat et l’Etat lui–même, representé par les différentes branches de l’administration publique, sont passibles des condamnations auxquelles peut donner lieu l’application des articles sous–énoncés, lorsqu’ils se trouvent dans les cas y prévus. Attendu que les tribunaux judiciaires sont seuls compétents pour décider s’il y a lieu à l’application desdits articles qui ont pour objet de protéger la personne, la proprieté et la fortune des citoyens contre les délits et quasi délits; que les tribunaux ordinaires ont en effet la plénitude de juridiction et ne doivent en conséquence se dessaisir de la connaissance d’une affaire qu’alors qu’il leur est justifié d’une disposition de loi exceptionelle qui attribue à toute autre juridiction que la leur la demande portée devant eux [11]”.

No Código Civil italiano de 1865, o princípio dominante é de que todo fato doloso ou culposo, que ocasione a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o perpetrou a ressarcir o dano (artigo 2.043), abrindo uma exceção no caso de legítima defesa (artigo 2.044). Seguindo a trilha traçada pelo Código Napoleão, também previa a reparação dos danos em termos amplos: “artigo 1151 — Qualum que fatto dell’uomo che arrecadanno ad altri, obbliga quello per colpa del quase à avvenuto a risarcire il danno (Que de fato feito do homem que o arrecada a outro, ele obriga esse para a culpa acontecida do quase ao ressarcimento dos danos)”[12]

Entrando em vigor em 1º de janeiro de 1900, o Código Civil Alemão foi influenciado pelo Direito Romano e pelas instituições jurídicas alemãs que abdicavam quase que totalmente o casuísmo jurídico e privilegiavam o tecnicismo e o rigor dogmático, que se apresentam coadunados com a prática. O Código Civil Alemão proclama o princípio da responsabilidade civil por culpa (artigo 823).

No direito inglês os tribunais fundavam as suas decisões no âmbito restrito do contrato (privity of contract) tendo a Câmara dos Lordes, com a evolução do mercado, estipulado o dever genérico de diligência (duty of care). Com o caso Donoghue v. Stevenson (1932), este quadro foi substancialmente alterado, apresentando particulares reflexos em matéria de prova, já que até aí o ônus da prova da culpa recaía sobre o lesado [13]. No Reino Unido a diretiva comunitária foi transposta para o ordenamento jurídico interno pelo Consumer Protection Act de 1987 o que provocou o decisivo reconhecimento da responsabilidade objetiva, ou seja, da responsabilidade isenta de culpa no ordenamento jurídico anglo-saxônico. Contudo, como se compreende a entrada em vigor daqueles dispositivos legais não revogou na totalidade o direito vigente até então. [14]

Responsabilidade civil no Direito brasileiro

O nosso direito pré-codificado, por sua vez, pode ser estudado em três fases distintas, no tocante à responsabilidade civil, conforme ensina o professor Caio Mário da Silva Pereira [15]. A primeira, onde as Ordenações do Reino baseavam-se no direito romano, por força da chamada Lei da Boa Razão (Lei de 18 de agosto de 1769), a qual prescrevia que, na falta de previsão legal, aplicar-se-ia subsidiariamente o direito romano, não por autoridade própria deste, mas por serem muitas as suas disposições fundadas na boa razão.

A segunda fase tem início com o Código Criminal de 1830, o qual esboça a idéia de ressarcimento, no instituto da “satisfação”. A terceira fase inicia-se com Teixeira de Freitas, que se opunha à idéia de responsabilidade civil geminada à criminal.

Sustentava que a adequação da legislação civil aos casos de responsabilidade por danos causados por delitos. Cogitou também da responsabilidade do delinqüente, a qual deveria ter sua indenização pleiteada através de ação cível, da solidariedade dos co-delinqüentes e da responsabilidade indireta, além de tratar de diversos outros aspectos tais como a reparação e a liquidação do dano.

Até então, a responsabilidade civil estava atrelada à responsabilidade penal, havendo menção, no Código Criminal de 1830, ao dever de satisfação, ou seja, de ressarcimento pelo ofensor à vítima, em razão do dano causado. Nada mais natural, para nós, esta separação. Entretanto, não era este o pensamento predominante à época. O elemento definidor da esfera de responsabilidade é, basicamente, o tipo de interesse atingido.

O Código Civil de 1916, como foi dito, adotou a teoria “subjetiva”, colocando o dolo e a culpa como fundamentos para a existência da obrigação de reparar o dano produzido a outrem. Esta é a regra. Existem, porém, casos em que a responsabilidade objetiva é admitida, como, por exemplo, os já citados artigos 1.528 e 1.529 do antigo Código Civil, além de outros como é o caso do artigo 1.527 dos artigos. 1.530 e 1.531. Nos dizeres de Caio Mario da Silva Pereira [16] temos que: “O direito civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade civil, em direito privado, repousa na culpa. Isto não obstante, em alguns setores, impera a teoria do risco. Assim é que a legislação sobre acidentes no trabalho é nitidamente objetiva; a que regula os transportes em geral (estradas de ferro, aeronáutica) invoca-a; mais recentemente a responsabilidade civil dos bancos marcha para a teoria do risco; responsabilidade por fato de coisas”.

Por outro lado, em 1966, o Supremo Tribunal Federal admitiu, pela primeira vez, a reparação do dano moral, embora a jurisprudência tenha continuado hesitante até 1988, quando, por força de texto constitucional expresso, a reparabilidade do dano moral tornou-se incontestável (CF, art. 5°, V e X). A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabeleceu, no seu art. 37, § 6°, que: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Finalmente, o Código Civil Brasileiro de 2002, conquanto repetindo, em grande parte, ipsis litteris, alguns dispositivos do código de 1916, e corrigindo a redação de outros, consagrou a responsabilidade civil objetiva no parágrafo único do art. 927 e previu, no art. 186, a reparação do dano exclusivamente moral. No entanto, melhor é considerar como pressupostos da responsabilidade civil aqueles extraídos do art. 186 do Código Civil (Lei 10.406/02), que dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Esse ato ilícito citado no artigo 186 do Código Civil vem tipificado adiante no caput do artigo 927 e parágrafo único, pregando o dever de indenizar àquele que o pratica causando dano a outrem.

Responsabilidade civil do médico [17]

Aspectos mais importantes da atividade médica a doutrina tradicional civilista há tempos vem solidificando. Pode-se dizer, inicialmente, que a relação jurídica médico-paciente assenta-se num contrato. A peculiar natureza contratual, entretanto, não conduz o médico à obrigação, especificamente, de curar o seu cliente. O mestre Silvio Rodrigues [18] preleciona que “a vantagem de colocar a responsabilidade do médico no campo do contrato é limitada, pois, em rigor, o fato de o esculápio não conseguir curar o doente não significa que inadimpliu a avença”.

A responsabilidade do médico, com relação ao seu paciente, é contratual, mas, tendo em vista a família deste, a natureza de sua responsabilidade será extracontratual, destarte, todo descumprimento contratual é constitutivo de uma culpa delitual tendo em vista terceiros. É a lição de Durry: ‘Une faute contractuelle est, en même temps une faute délictuelle à L’égard des tiers’ (Uma falha contratual é, ao mesmo tempo uma falha delitiva em relação a terceiros). A jurisprudência firmada sobre responsabilidade médica tem seu início na França, no primeiro quartel do século passado.

Contrariando inúmeros pareceres da Academia Francesa de Medicina, ela posicionada favoravelmente à não-responsabilização dos médicos por erros profissionais, a não ser quando houvesse intencionalidade no dano ou intenções criminosas. Lograram os Tribunais daquele país firmar uma jurisprudência ao longo dos anos, na qual tem sido enfatizado que o médico, como profissional está sujeito às sanções da lei, e que, ao aplicá-las devem ser os Tribunais prudentes, a fim de não se configurarem injustiças [19].

Em que pese à estrutura especialíssima inerente à medicina, a toda evidência que também os seus professores são alcançados pelo braço longo do legislador se causam, por atos no exercício de sua profissão, ainda que sem dolo, danos ou prejuízos a um bem jurídico protegido.

Estas narrativas elucidam o que se denomina “responsabilidade médica”, situação jurídica que, de acordo com o Código Civil, gira tanto na órbita contratual como na extracontratual estabelecida entre médico e paciente. No qual o profissional assume uma obrigação que pode ser uma obrigação de resultado ou não, compromissando-se a tratar do cliente com zelo, atenção e diligências adequados, e a adverti-lo ou esclarecê-lo dos riscos do tratamento.

Assim, como preleciona o mestre Carlos Gonçalves ”não se exige que a culpa do médico seja grave, para responsabilizá-lo. Para tanto basta a culpa levíssima, desde que haja o dano. Esta severidade é ainda maior no tocante aos médicos especialistas: ao médico que diz ter conhecimento e habilidade especiais para o tratamento de um órgão ou doença ou ferimentos específicos, é exigido desempenhar seu dever para com o paciente, empregando, como tal como tal especialista, não meramente o grau normal de habilidade possuído pelos praticantes em geral, mas aquele grau especial de habilidade e cuidado que os médicos de igual posição, que dedicam especial estudo e atenção ao tratamento de tal órgão, doença ou ferimento, normalmente possuem, considerando-se o estágio do conhecimento cientifico aquele tempo. “Reconhecendo–se um típico contrato nesta relação estabelecida entre médico e cliente, mas não se podendo impor àquele a cura deste, resta para o médico a denominada “obrigação de meio”.

Isso significa que, a despeito de não se obrigar a curar o paciente, ele (o médico) tem o dever de prestar seus serviços de maneira adequada, com imaculada dedicação de seus esforços e conhecimentos no tratamento da enfermidade, atuando com o indispensável zelo e, conforme as circunstâncias, utilizando-se dos recursos científicos postos à sua disposição.

No século passado, o ato médico resumia-se na relação entre a confiança do paciente e a consciência do médico. O médico era visto como profissional cujo título garantia a onisciência, isto é, médico da família, amigo e conselheiro figura de uma relação social que não admitia dúvidas sobre a qualidade de seus serviços. Atualmente “as circunstâncias estão mudando”, conforme entendimento de Ruy Rosado de Aguiar. As relações sociais se expandiram, distanciando o médico do seu paciente. Até a denominação dos sujeitos da relação mudou, passando o paciente a ser chamado de usuário e o médico, de prestador de serviços, tudo analisado sob o ponto de vista de uma sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados.

A matéria de responsabilidade civil é muito vasta e abrangente, principalmente, quando se refere à responsabilidade civil do médico. Como preleciona Rui Stoco: “o médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão, exigível de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica, dever esse consubstanciado em um Código de Ética, ao qual deve respeito e obrigação”.

Portanto, essa exigência e cuidado devem ser estabelecidos segundo o atual estágio da ciência e as regras consagradas pela prática médica. Aliás, a legislação a respeito é pobre e escassa, pois regem a matéria, basicamente, a Lei 3.268, de 30.09.1957, dispondo apenas sobre os Conselhos de Medicina, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19.07.1958, e o Código de Ética Médica (Resolução 1.246, de 08.01.1988, do Conselho Federal de Medicina).

Logo, o médico, antes de tudo, deve proceder de acordo com o que ordena o Código de Ética Médica, devendo agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão, para que assim, não seja responsabilizado por algum de seus atos. O que se deve ter em mente é que seja o médico contratado para prestar serviços ao paciente, recebendo honorários pelo seu trabalho, ou atue como profissional voluntário, realizando seu trabalho gratuitamente, nos dois casos prevalecerá o dever de reparar o dano à vítima, caso esse venha a ocorrer, pois, mesmo o médico voluntário deve obedecer às normas do Código de Ética Profissional, lembrando-se sempre do seu juramento, qual seja: “Aplicarei os regimes, para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja. A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza à destruição. Também não darei a uma mulher um pessário abortivo. Conservarei puras a minha vida e a minha arte… Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu a minha vida e a minha arte com boa reputação entre os homens e para sempre; se dele me afastar ou infringir, suceda-me o contrário”. [20]

Revista Consultor Jurídico, 9 de Dezembro de 2004

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