Caso Terri nos ensina sobre importância da independência entre poderes

por Pedro Trigo

O mundo ocidental acompanha com atenção os acontecimentos que se sucedem no caso Terri Schiavo. Trata-se do leading case da matéria, cujo provável desfecho sinaliza para a quebra do paradigma dogmático, que historicamente manteve na esfera da ilicitude, a eutanásia.

A contenda originada da divergência de entendimentos entre o marido e os pais de Terri, mantém mobilizada a sociedade americana e independentemente do desfecho do caso, os acontecimentos verificados até o momento já se revelam fonte de importantes lições.

Além da Igreja e outros setores da sociedade civil que espelham a pluralidade de pensamento característica da democracia, também o Poder Executivo, através do governador da Flórida, e do próprio presidente da nação, em nenhum momento deixaram de manifestar explicitamente a sua posição sobre o controvertido tema.

Na mesma linha, o Legislativo americano, através de sua maioria Republicana, não se furtou a externar a sua contrariedade à pretensão do marido de Terri, de ver desligados os equipamentos que a mantém viva.

Mais do que isso, tanto o Executivo como o Legislativo vem patrocinando, através de declarações públicas, a causa daqueles que são contrários ao desligamento dos equipamentos, chegando mesmo a promover alterações legislativas visando ampliar as possibilidades de revisão da decisão judicial que autorizou o desligamento.

Todos sabem que o modelo da democracia americana não é perfeito, e tem sido objeto de reiterados questionamentos ao longo da história, contudo, uma vez mais nos dá ele, exemplo de coerência, que nos impõe a reflexão.

A par da extrema relevância do tema relativo à eutanásia, que a todos tem provocado, merece destaque a altivez com que o Estado Americano tem reforçado o seu compromisso com os ideais de Montesquieu, ratificando o respeito mútuo entre os seus poderes constitutivos.

Embora tenham externado a sua posição pessoal sobre o tema, as ações afirmativas promovidas pelo Executivo e Legislativo limitaram-se ao âmbito da sua respectiva competência, visando, pela relevância do tema, assegurar ao Poder Judiciário, a possibilidade de maior número de revisões das suas próprias decisões.

Não menos altivo, o Judiciário americano não tem demonstrado sinais de que se tenha intimidado pela pressão pública das declarações do presidente ou do governador, indiferente às implicações políticas da decisão que vem confirmando.

Trata-se de mais uma grande lição que, infelizmente, o sofrimento de Terri nos tem proporcionado, alertando para a importância da preservação da autonomia entre os poderes.

Talvez pela sua jovialidade, por vezes, diante de determinadas situações, tem se inclinado a nossa democracia brasileira pela supressão, ainda que parcial, da autonomia entre os poderes. Embora esta supressão se opere no plano da informalidade e não explicitamente, não nos deve passar despercebida.

O que aqui se tem visto, é que qualquer disputa judicial tem sido motivo de atuação política dos membros de outros poderes sobre os membros do Judiciário. Os argumentos são ainda menos jurídicos que aqueles que tem embalado a controvérsia sobre a eutanásia.

Assim, a “manutenção do equilíbrio fiscal” ou a “redução de desigualdades pela discriminação positiva”, não justificam nem podem justificar ações de conteúdo político sobre os membros do Poder Judiciário a fim de que decidam desta ou daquela maneira, segundo a conveniência dos outros poderes, sem que com isso se esteja mutilando a autonomia entre eles.

Por fim, convém lembrar a Carta Magna Brasileira, segundo a qual o Judiciário é um poder constituído autônomo, a quem compete dirimir com imparcialidade os conflitos, fazendo justiça através da aplicação da lei.

Salve a democracia, viva Montesquieu e que Deus lhe abençoe Terri!

Revista Consultor Jurídico, 27 de Março de 2005

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