Casos recentes na CVM mostram indícios de insider trading cambial na JBS

Autor: Bernardo Araujo Mitre (*)

 

Avaliando as mais recentes condenações de insider trading (uso indevido de informação privilegiada), proferidas pelo colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 4 de julho (ações de emissão da Aracruz Celulose S.A.) [1], e, no dia 13 de junho (multa de R$ 21 milhões imposta a Eike Batista) [2]; torna-se oportuno complementar o artigo: “Usar informação privilegiada para negociar moeda estrangeira é crime financeiro”, escrito pelo professor Benedito Villela e publicado em 21 de maio na revista eletrônica ConJur [3].

De acordo com a Polícia Federal, em ação cooperada com a CVM na operação Tendão de Aquiles, deflagrada em 9 de junho, estão sendo apurados dois eventos [4]:

a) a venda de ações de emissão da JBS S.A. na Bolsa de Valores, por sua controladora, a empresa FB Participações S.A., no final do mês de abril, em período concomitante ao programa de recompra de ações da companhia, reiniciado em fevereiro de 2017, e;

b) as compras de contratos futuros de dólar na bolsa de futuros, e de contratos a termo de dólar no mercado de balcão organizado, entre o final de abril e meados de maio de 2017.

Todas as referidas transações aconteceram pouco tempo antes da divulgação formalizada em 18 de maio, sobre a celebração do acordo de colaboração premiada firmado pela JBS com o Ministério Público Federal e homologado pelo Supremo Tribunal Federal [5].

A divulgação ocorreu após as notícias veiculadas no dia anterior acerca do vazamento da mencionada delação. Como resultado, a CVM instaurou diversos procedimentos administrativos envolvendo a companhia [6].

Em 19 de maio, a JBS fez um comunicado ao mercado declarando que: ”A JBS tem como política e prática a utilização de instrumentos de proteção financeira visando, exclusivamente, minimizar os riscos cambiais e de commodities associados à sua dívida e recebíveis em dólar, tendo em vista a natureza das suas operações”.

No mesmo comunicado, a companhia alegou que, em função da sua exposição ao dólar americano e do potencial impacto das oscilações na cotação dessa moeda, caso isso não fosse efetivado, ela incorreria em um prejuízo superior a R$ 1 bilhão [7].

Apesar da sobredita estratégia de hedge (proteção) cambial ser compatível com o Formulário de Referência (2017), versão: 4 [8], e, com as últimas Demonstrações Financeiras Trimestrais disponibilizadas pela JBS [09], cabe observar que à época dos terminantes negócios, não houve nenhum aviso de fato relevante a respeito das tratativas que antecederam a assinatura do notório acordo de colaboração premiada entre a companhia e o MPF (art. 2º da Instrução CVM 358/2002).

Desse modo, existem indícios de que foram produzidas vantagens proibidas no mercado de capitais que influenciaram significativamente na apreciação dos valores mobiliários transacionados pela JBS, gerando um elevadíssimo lucro à companhia em detrimento pecuniário para inúmeros investidores.

Por consequência, há ensejo de violação ao dever de lealdade dos controladores da JBS (art. 155, § 1º, da Lei 6.404/1976), caracterizando o uso indevido de informação privilegiada (insider trading) nos expedientes realizados pela companhia, conforme a inteligência do art. 13, caput, da Instrução CVM 358/2002, e, do art. 27-D da Lei 6.385/1976.

Considerando que a JBS adquiriu os contratos futuros de dólar na bolsa de futuros e os contratos a termo de dólar no mercado de balcão organizado, no universo do mercado de derivativos, se faz necessário explicar que a legislação brasileira não exatifica o que são operações com derivativos, ao contrário do ordenamento jurídico norte americano que dispõe da Dodd–Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act (H.R. 4173), Section610, (a), (3) [10].

A fim de esclarecer o conceito de instrumento ou produto derivativo no mercado de capitais, devemos examinar o verbete apresentado pela dicionarização especializada: “(1) Contrato ou título conversível cujo valor depende, integral ou parcialmente, do valor de outro instrumento financeiro.” [11].

O mercado de derivativos é basicamente divido em quatro espécies, destacadas e resumidas abaixo [12] [13].

i) Mercado a termo – as partes relacionadas no contrato a termo se comprometem a comprar ou vender certa quantidade de um bem (mercadoria ou ativo financeiro), em bolsa [14] e/ou no mercado de balcão organizado [15], para a liquidação em prazo determinado, a um preço fixado, atrelado à cotação do bem comercializado no mercado à vista, e, à taxa de juros esperada para o período combinado.

ii) Mercado futuro – o comprador ou vendedor do contrato futuro, negociado exclusivamente em bolsa, se compromete a comprar ou vender certa quantidade de um bem (mercadoria ou ativo financeiro) por um importe estipulado para a liquidação em data futura. Esses compromissos são ajustados diariamente às expectativas do mercado referentes ao preço futuro de um determinado bem, consoante às cláusulas assentadas.

iii) Mercado de opções – local em que se posiciona o direito de comprar ou de vender um bem (mercadoria ou ativo financeiro) por uma quantia fixa numa data futura, em bolsa e/ou no mercado de balcão organizado, mediante o pagamento de um prêmio ao vendedor pelo adquirente, correspondente ao direito de opção (possibilidade) para comprar ou vender o respectivo bem em uma data futura por um preço previamente acertado.

iv) Mercado de swap – onde se realiza a permuta de rentabilidade (fluxos financeiros) entre dois bens diferentes entre si (mercadorias ou ativos financeiros), em bolsa e/ou no mercado de balcão organizado, tendo como base a expectativa comparativa de ganho entre os bens comutados, para a liquidação no vencimento convencionado.

Conclui-se que as aludidas atividades sucedidas no mercado de derivativos se enquadram no rol de valores mobiliários elencados no art. 2° da Lei 6.385/1976, incisos VII – “os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;”, e, VIII – “outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e”, sujeitos à tipificação do crime de insider trading (art. 27-D da Lei 6.385/1976).

 

 

 

Autor: Bernardo Araujo Mitre é advogado.


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