Autores: Cristiane Matsumoto Gago, Lucas Barbosa Oliveira e Beatriz Resende Weiss de Andrade (*)
No âmbito da Constituição Federal, o regime de previdência privada têm finalidade supletiva. Suas principais características são (i) o caráter complementar; (ii) a autonomia em relação ao Regime Geral da Previdência Social; (iii) a contratualidade; (iv) a facultatividade; (v) e a constituição obrigatória de garantias do benefício contratado. Nesse sentido a atividade de previdência privada é regida pelos princípios básicos da garantia dos benefícios contratados mediante a constituição de reservas e da acessibilidade de informações sobre a gestão do plano aos participantes.
Os planos de previdência complementar podem ser instituídos e executados por Entidades Abertas de Previdência Complementar ou por Entidade Fechadas de Previdência Complementar. A principal diferença entre eles está relacionada à forma de organização destas entidades: enquanto as entidades abertas organizam-se sob a forma de sociedade por ações, mais especificamente como sociedades anônimas, as entidades fechadas devem ser fundações ou sociedades civis.
Nos últimos tempos, as entidades de previdência complementar têm sido equiparadas às instituições financeiras pela lei, jurisprudência e doutrina, o que tem levado à aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre as entidades e seus associados.
Nesse sentido foi consolidada jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça quanto a aplicação das normas consumeristas às relações existentes entre as entidades de previdência privada e os seus participantes, vez que, nesse tipo de relação, poderia ser observada a vulnerabilidade econômica do participante em relação ao plano, tal qual a do consumidor.
Dessa forma, foi editada a súmula 321 do STJ que preconiza que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.”.
Tal súmula, no entanto, não se refere de forma específica a entidades abertas ou fechadas, o que fez com que viesse sendo aplicada indiscriminadamente para ambas. No entanto, entendimentos recentes desse mesmo Tribunal têm convergido no sentido de que o CDC não é aplicável às relações existentes com as Entidades Fechadas de Previdência Complementar, propondo inclusive a revisão dessa súmula.
O atual posicionamento do STJ parte do pressuposto de que não há como subsistir a equiparação das entidades abertas e das fechadas, haja vista serem entidades com elementos conceituais bastante distintos.
Isto porque, em linhas gerais, no caso das Entidades Abertas de Previdência Complementar, além de da administração dos planos de benefícios previdenciários, estas também têm como finalidade a obtenção de lucros, e qualquer pessoa física que queira pode ingressar e participar do plano. Suas atividades assemelham-se aos serviços securitários, e à estas entidades são inclusive aplicadas, subsidiariamente, as normas que regulam as sociedades seguradoras.
Por sua vez, as entidades fechadas não têm finalidade lucrativa e apenas podem a elas se filiar os empregados de uma determinada patrocinadora ou os associados a uma determinada entidade. Constituem-se como fundações ou sociedades cíveis cuja atividade fim é previdenciária. Logo, não há comercialização dos benefícios ao público em geral, bem como não há remuneração pela contraprestação dos serviços prestados — posto que sua atividade não é lucrativa —, o que impede que tais entidades sejam qualificadas como fornecedoras para fins de aplicação da legislação consumerista.
É dizer, a relação jurídica existente entre as Entidades Fechadas de Previdência Complementar e seus participantes é de caráter estatutário, regida por leis específicas e pelos regulamentos dos planos de custeio e de benefícios, de modo que, em caráter subsidiário, aplicam-se tão somente a legislação previdenciária e a civil.
Desse modo, não poderia ser aplicado o CDC às relações existentes entre os associados e as Entidades Fechadas de Previdência Complementar, o que lhes conferiria uma maior segurança, na medida em que não se afastaria a utilização da teoria objetiva de culpa. Além disso, em se afastando a aplicabilidade do CDC a esses casos, as relações entre entidades fechadas e seus associados passaria para o âmbito do direito civil, deixando de existir a premissa “em prol do consumidor”, passando-se para uma verdadeira relação contratual, que gera certas implicações e responsabilidades também ao associado no trato dessa relação.
Autores: Cristiane Matsumoto Gago é sócia da área previdenciária do Pinheiro Neto Advogados.
Lucas Barbosa Oliveira é associado da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.
Beatriz Resende Weiss de Andrade é associada da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.