por José Alberto Dietrich
O atual modelo de centralização dos recursos públicos nas mãos do governo federal foi idealizado e implantado pelo governo militar, após a chamada revolução de 1964. Hélio Beltrão, então ministro do Planejamento, dizia que “…quem não tem dinheiro não tem poder”, o que significa, a contrário senso, que para ter realmente o poder não basta a força militar, mas há que se ter o controle do dinheiro público.
Essa era a regra e tinha foros de estratégia militar, porque era indesejável ter que conviver com prefeitos ou governadores independentes, que não precisassem do governo federal. Ao contrário, vê-los de pires nas mãos era a melhor maneira de controlar o poder de norte a sul. E como a Constituição Federal precisava de apenas uma assinatura, assim foi feito (aliás, uma correção: a Emenda constitucional de 1969 teve na verdade três assinaturas — dos três ministros militares que formavam a Junta Militar que governou o país após o afastamento, por doença, do general Costa e Silva).
No entanto, mesmo depois dos fortes ventos democráticos que sopraram em todo o País, depois das Diretas Já e da convocação da Assembléia Nacional Constituinte que resultou na promulgação da chamada Constituição Cidadã de 1988, tudo continua igual, porque ao Congresso também interessa essa romaria de prefeitos e governadores por Brasília, que proporciona quase 600 empregos nas áreas de corretagem e intermediação.
Segundo dados recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), de todos os impostos pagos pela sociedade brasileira no ano de 2003 (R$ 546,9 bilhões), os municípios ficaram com a insignificante parcela de 4,2%. Essa divisão está na contramão da lógica hoje adotada nos países democráticos.
A participação dos municípios chega às raias do ridículo se levarmos em conta que é o prefeito e são os vereadores que melhor conhecem os anseios da população, e que assim melhor aplicariam o dinheiro público, sob fiscalização mais direta e mais eficiente da própria sociedade. Não podem ser os burocratas de Brasília que devem dizer ao prefeito o que é prioritário para o seu município, o que fazem diariamente ao aprovar ou não aprovar projetos que lhes são apresentados.
Desse bolo tributário total do exercício fiscal de 2003 o governo federal ficou com 70,36% e os estados com 25,44%, segundo ainda o IBPT.
Essa centralização do governo federal diminui a estatura institucional dos nossos parlamentares, que não conseguem se livrar da imensa platéia que depende de verbas federais. Há quem diga que eles não querem se livrar dessa platéia, mas essa corretagem custa muito caro aos cofres públicos. Houve época que se dizia que mandar dinheiro para o nordeste era como transportar gelo em carroceria aberta – ia derretendo pelo caminho.
Ao invés de desempenharem o verdadeiro papel reservado institucionalmente a deputados e senadores, o que vemos são homens com milhares e até milhões de votos fazendo o papel de corretores, de intermediadores na busca por verbas federais, circulando pelos ministérios acompanhados por caravanas de prefeitos e vereadores de ternos e gravatas multiformes e multicoloridas.
E, óbvio, o governo também gosta disso, pois é a melhor maneira de formar e manter suas bases e suas tropas de choque. Compor a base é privilégio dos mais discretos, que dispõem de um moderado poder liberatório de verbas. Mas compor a tropa de choque não é para qualquer um. É o auge. Seu integrante tem que ser assumido, combativo, e deve defender o governo contra qualquer investida daqueles que pretendam “desestabilizá-lo” ou “comprometer a governabilidade”, jargões também cunhados e usados “ad nauseam” na época do regime militar.
O deputado carioca Roberto Jéferson é pós-graduado na matéria: era o chefe da tropa de choque do governo Collor e agora foi cooptado pelo governo Lula, em razão de suas qualidades curriculares. É um dos parlamentares que desfilam com maior desenvoltura pelo Palácio do Planalto. Jéferson e Sarney são daqueles assumidos e por enquanto só não assinam cheques. O currículo do integrante da tropa de choque deve comprovar experiência em barrar CPI’s, requisito básico para ser admitido ao seleto grupo. Outro requisito exigido é o de saber assinar requerimentos e depois, se necessário, “retirar a assinatura”, um neologismo desconhecido no mundo jurídico, mas que funciona bem no Congresso Nacional (do Brasil).
E o sistema é tão eficaz que até o PT – quem diria ? – está gostando e usufruindo dessa “estratégia militar”, filha da tão combatida revolução de 64, a ponto de dominar, hoje, quase 80% do Congresso Nacional.
Já é hora de eliminar esse pedágio federal e seria bom que os prefeitos defendessem com mais entusiasmo o fim desse centralismo típico de ditaduras.
Basta uma reforma constitucional dividindo atribuições e conseqüentemente redividindo o bolo tributário. Não é tarefa difícil. Os Estados e Municípios estão preparados para isso. Suas estruturas administrativas são suficientes para gerir maiores recursos e assim haveria significativa economia com a desativação de grande parte da obesa, fragmentada e inepta estrutura federal. Tive a oportunidade de exercer o cargo de secretário de Administração de um município com já mais de 300 mil habitantes (Cascavel-PR), com arrecadação mensal em torno de R$ 15 milhões, acumulado com as funções de ordenador de despesas e presidente da Comissão de Licitações. E posso afirmar que não haveria muita diferença entre administrar o atual orçamento, ou o dobro dele, ou até mais do que o dobro. Seriam necessários pequenos ajustes administrativos e com certeza o dinheiro seria muito mais zelosamente aplicado, sobretudo estando nas mãos de prefeitos honestos. Seria uma decisão sobretudo democrática, porque permitiria o surgimento espontâneo de novas lideranças, na medida em que aplicassem correta e honestamente os recursos públicos, de acordo com a real vontade da população. Com os atuais critérios o que existe é terreno fértil para o surgimento de pseudo-líderes, verdadeiros príncipes da administração federal, donos do segredo do cofre, o que permite o surgimento de lideranças hidropônicas, sem raízes de verdade.
É chegada a hora de rever essa divisão tributária, que, de quebra, além de dar maior transparência e eficácia na aplicação do dinheiro público, faria com que os deputados e senadores retomassem suas verdadeiras funções no Congresso Nacional, para as quais foram eleitos, abandonando as tarefas de corretagem e intermediação de verbas públicas que foram geradas e nunca deveriam ter saído dos municípios.
José Alberto Dietrich é advogado em Cascavel-PR.