ASSUNTO : Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPD-EN) – opção pelo Refis.
PARECER nº 2.367/2000, da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência, ao qual foi dado efeito normativo pelo então Ministro Waldeck Ornelas.
EMENTA: HOMOLOGAÇÃO DA OPÇÃO PELO REFIS. MORATÓRIA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONCESSÃO DE CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITOS COM EFEITOS DE CERTIDÃO NEGATIVA (CPD-EN). POSSIBILIDADE. ART. 206, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN)
1 – Verificada a opção pelo Refis, com a devida homologação, fica suspensa a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, I, do CTN.
2 – A moratória, assim deferida, possibilita ao contribuinte solicitar a CPD-EN, vez que o art. 47, §8º, da Lei 8.212, de 1991, não derrogou o art. 206, do CTN.
Trata-se de consulta acerca da possibilidade de expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPD-EN) para as o contribuinte em débito com a Previdência, mas optantes do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), Lei 9.964, de 2000.
2. As principais considerações contra a possibilidade de emissão são as seguintes: a) A lei 8.212/91 é expressa em proibir a emissão de CND sem o oferecimento de garantia. b) a CPD-EN é substancialmente uma CND, sendo vedada a emissão tanto de uma como de outra, c) a Lei de custeio é especial em relação à Lei do Refis e ao CTN, d) o arrolamento não garante efetivamente o crédito previdenciário,
3. É o relatório.
4. O principal argumento contra a possibilidade de emissão da CPD-EN tem por base a norma inscrita no art. 47, § 8º, da Lei 8.212, de 1991, in verbis:
Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito – CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (Redação dada ao “caput” pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995)
I – da empresa:
a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele;
b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;
c) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem móvel de valor superior a Cr$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros) incorporado ao ativo permanente da empresa;
d) no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada; (Redação dada à alínea pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997)
(…)
§ 8º. No caso de parcelamento, a Certidão Negativa de Débito – CND somente será emitida mediante a apresentação de garantia, ressalvada a hipótese prevista na alínea a do inciso I deste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995)
(grifei)
5. Emerge claramente da leitura do artigo supratranscrito que não há possibilidade de emissão de CND se o débito parcelado não estiver garantido.
6. Sem embargo, a par da figura jurídica da CND, o Código Tributário Nacional (CTN) prevê outra certidão, esta positiva, dando-lhe os mesmos efeitos da certidão negativa, desde que os débitos nela constante sejam vincendos, estejam garantidos por penhora ou tenham a sua exigibilidade suspensa. Eis o comando legal:
Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
7. Daí que, o art. 47, § 8º, da Lei 8.212, de 1991 não exclui a aplicação do art. 206, do CTN, vez que regulamentam situações distintas. Na CND há certificação da inexistência de débito perante o ente tributante. Já na CPD-EN, existe débito, mas garantido ou inexigível.
8. Em verdade, nota-se certa impropriedade na redação do § 8º, do art. 47, da Lei 8.212, de 1991, já que, se existe débito garantido, cabível a emissão de CPD-EN e não CND. Certidão, no léxico, é o documento onde se atesta atos e fatos conhecidos, é, pois, o espelho de uma realidade. Assim, é incoerente certificar a inocorrência de débito, via CND, quando constatado sua existência, apesar de garantido.
9. Malgrado a digressão, o certo é que o § 8º, em comento, proibiu exclusivamente a emissão de CND, no caso de parcelamento sem garantia, não assim a concessão de CPD-EN prevista no CTN, nos casos ali especificados.
10. Certo, também, que, ao intérprete é vedado efetuar uma exegese extensiva ou por analogia para incluir na redação do dispositivo a Certidão Positiva, já que norma que restringe direitos deve ser interpretada restritivamente.
11. Daí que, entre os casos que admitem a emissão de CPD-EN avulta, aqui, a suspensão da exigibilidade do crédito pelo seu parcelamento. Com efeito, o art. 151, I, do CTN estabelece a moratória como hipótese desta suspensão
12. Sabe-se que a moratória consiste na prorrogação do prazo dentro do qual o crédito tributário é exigível, importando, em realidade, numa postergação do seu vencimento, como sói acontecer nos parcelamentos de débitos fiscais.
13. Ora, conforme art. 2º, da Lei 9.964, de 2000, o ingresso no Refis defere à pessoa jurídica optante um regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais ali referidos.
14. Assim, havendo opção da empresa pelo Refis e homologação, expressa ou tácita (art. 13, § único, do Dec.3.431/00) do Órgão Gestor, reputa-se, pois, concedida a moratória. Consequentemente, os respectivos créditos tributários estarão com sua exigibilidade suspensa.
15. Esta conclusão é confirmada, a contrario sensu, pela redação do art. 5º, § 1º, da Lei 9.964, de 2000, que confere à exclusão do Refis o efeito de tornar imediatamente exigível o crédito confessado:
Art. 5o A pessoa jurídica optante pelo Refis será dele excluída nas seguintes hipóteses, mediante ato do Comitê Gestor:
(…)
§ 1o A exclusão da pessoa jurídica do Refis implicará exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução da garantia prestada, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores
(grifei)
16. Presente, pois, a suspensão da exigibilidade, incide o art. 206 do CTN, sendo direito do contribuinte a obtenção de uma certidão que constate esta realidade, ou seja, que o crédito existe, é devido, mas não pode ser exigido. Esta certidão, por expressa disposição legal, tem os mesmos efeitos da Certidão Negativa.
17. Esta, aliás, a jurisprudência pacífica do E. Superior Tribunal de Justiça consubstanciada nos seguintes pronunciamentos da Primeira e Segunda Turmas:
Ementa
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARCELAMENTO. CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITOS DE CERTIDÃO NEGATIVA. ART. 47, § 8º, DA LEI Nº 8.212, DE 1991, NA REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.032, DE 1995.
A certidão negativa de débito não pode ser emitida se existente o crédito tributário, pouco importando que este seja inexigível; todavia, se a exigibilidade do crédito tributário está suspensa por força de parcelamento, o contribuinte tem direito a uma certidão positiva com os mesmos efeitos da certidão negativa (CTN, art. 206), nada tendo sido alterado, no particular, pelo artigo 47, § 8º, da Lei nº 8.212, de 1991, na redação que lhe deu a Lei nº 9.032, de 1995.
Recurso especial conhecido e provido.
(RESP 196026/RS, DJ:25/09/2000, Rel. Min. ARI PARGENDLER – SEGUNDA TURMA)
Ementa
TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. INSS. LEI 8.212, DE 1991. CTN, ART. 206. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO MEDIANTE GARANTIA. DESNECESSIDADE.
1 – Não é de se confundir o instituto da certidão negativa de débito inscrita no CTN e aquela da Lei 8.212/91, tal como modificado pela Lei 9.032/95, visto possuir esta a capacidade de encartular o pagamento do débito por meio de garantia, e aquela, mediante moratória, simplesmente de atestar a regularidade no adimplemento das parcelas.
2 – Os princípios estabelecidos no CTN quanto à CND são válidos à orientação interpretativa daquela da Lei 8.212, de 1991, pelo que entender esta como excludente daquela é incorrer em inaceitável contrariedade.
3 – Assim como a CND, tal como estabelecida no CTN, não derroga a da Lei 8.212/91, esta não deve comportar compreensão que suprima os fundamentos daquela.
4 – Agravo regimental improvido.
(AGA 203425/SC; DJ:29/03/1999, Rel. Min. JOSÉ DELGADO – PRIMEIRA TURMA)
18. Finalmente, vale transcrever aresto da Primeira Seção do STJ, que, uniformizando a matéria, determinou a expedição de CND, nos termos do art. 206, do CTN, quando o débito previdenciário objeto de parcelamento:
Ementa
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. REMUNERAÇÃO A AUTÔNOMOS E ADMINISTRADORES. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PARCELADO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. A contribuição social “pró-labore”, por ter sido julgada inconstitucional pelo STF (ADIn 1102-94/DF) no tocante às expressões “empresários” e “autônomos”, contidas na Lei 8.212/91, art. 22, I, permite a repetição de indébito das quantias pagas indevidamente.
2. Inexistência de crédito tributário definitivamente constituído que impeça o fornecimento da Certidão Negativa de Débito – CND – requerida, mormente quando o débito encontra-se com o parcelamento em dia.
3. O entendimento que prevalece na doutrina e na jurisprudência, após alongada discussão sobre a matéria, é o de que o seu efeito é simplesmente declaratório. Essa posição determinou o assentamento doutrinário e jurisprudencial na linha de que só surge o direito ao crédito tributário após o lançamento definitivo, isto é, o formado por decisão administrativa trânsita em julgado e não impugnada pela via judicial.
4. Analisando-se a sistemática do CTN, tem-se o seguinte raciocínio: parcelamento como obtido pela embargante é modalidade de moratória (art. 152 e segs.); a moratória suspende a exigibilidade do crédito tributário; a certidão de que conste a suspensão do crédito tributário equipara-se ‘ou tem os mesmos efeitos’, à CND (art. 206, c/c o art. 205) culminando na inarredável conclusão, que se aplica ao caso em apreço, de que quem obteve parcelamento de seus débitos tem direito à obtenção de certidão, nos termos do art. 206, do CTN.
5. Portanto, tem-se por possível a obtenção de CND enquanto perdurem os efeitos da decisão de autoridade judicial que permitiu a compensação.
6. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas do STJ.
7. Embargos de Divergência providos.
(ERESP 137388/RS, DJ:23/11/1998, Re. Min. JOSÉ DELGADO – PRIMEIRA SEÇÃO)
19. No que toca à questão da garantia, o art. 3º, § 4º, da Lei do Refis – em atenção à ratio legis insculpida no art. 47, § 8º, Lei 8.212, de 1991 – de preservação e realização do crédito tributário – condicionou o deferimento do parcelamento à prestação de garantia ou arrolamento dos bens da devedora, ipsis litteris:
Art. 3o (…)
§ 3o A opção implica manutenção automática dos gravames decorrentes de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas nas ações de execução fiscal.
§ 4o Ressalvado o disposto no § 3o, a homologação da opção pelo Refis é condicionada à prestação de garantia ou, a critério da pessoa jurídica, ao arrolamento dos bens integrantes do seu patrimônio, na forma do art. 64 da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997
20. Poder-se-ia argumentar que o arrolamento de bens não se subsume ao conceito de “garantia” prevista no art. 47, §8º, da Lei 8212, de 1991, tanto que § 4º acima transcrito menciona-os separadamente, autorizando exegese que repute-os ontologicamente diferentes, impeditiva da concessão de CND.
21. Todavia, não parece ser este o entendimento mais acertado. A “garantia” não há de ser necessariamente a real, abrangendo, também, toda e qualquer exigência ou medida legal com finalidade de reduzir a possibilidade de perda do direito ao recebimento do crédito tributário. E o arrolamento, à evidência, é abarcada por este conceito.
22. Além do que, a opção pelas formas de preservação do crédito previdenciário é legítima prerrogativa do legislador, que escolheu o arrolamento como suficiente para a proteção daquele. Portanto, temos que o arrolamento de bens na forma especificada é uma espécie de garantia, tendo sido legitimamente escolhido pelo legislador como eficiente forma de proteção do crédito previdenciário. atendendo, pois, o disposto no art. 47, § 8º, da Lei 8.212, de 1991.
23. Afasta-se, também, a argumentação de ser o art. 47, §8º, da Lei 8.212, de 1991 norma posterior e especial em relação ao art. 206 do CTN. Isto porque, conforme a lei de Introdução ao Código Civil, a norma geral que contenha disposições a par da norma especial não é revogada por esta última:
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
(grifamos)
24. Surge claro, então, que o art. 47, §8º, da Lei 8.212, de 1991, malgrado ser norma especial no que tange à CND, não revogou o CTN na parte em que este dispõe sobre CPD-EN.
25. Podemos, então, tirar as seguintes conclusões: a) a Lei do Refis prevê uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito previdenciário, acrescentando o arrolamento, ao lado da garantia, como bastante e suficiente à proteção deste crédito, b) não é possível a concessão de CND sem o oferecimento de garantia, a teor do art. 47, §8º, da Lei 8.212, de 1991, c) porém, este mesmo artigo não proíbe a expedição de CPD-EN, prevista no art. 206, do CTN, d) o art. 206 é norma geral que prevê hipótese a par da prevista pela norma especial do art. 47, §8º, portanto, ambas convivem sem derrogações.
Ante o exposto, entendemos que o contribuinte que teve sua opção pelo Refis devidamente homologada, pagando regularmente as parcelas do débito consolidado, tem direito à obtenção de Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa, nos termos do art. 206 do Código Tributário Nacional.
WARNEY PAULO NERY ARAUJO, que data da redação deste Parecer era Procurador do INSS e Chefe da 2ª Divisão de Assuntos Jurídicos, foi Auditor-Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás, e atualmente é Juiz de Direito do Estado de Goiás.