Cidadania e trabalho pro bono

Cidadania e trabalho pro bono

Antonio Corrêa Meyer

Uma das bases do Estado Democrático de Direito é o acesso igualitário à Justiça. Este direito é expresso na Constituição Brasileira que estabelece, inclusive, que cabe ao Estado fornecer os serviços de um advogado àqueles que não têm condições de arcar com os custos de sua representação, seja em ações cíveis, criminais ou trabalhistas.

O advogado é peça chave neste processo uma vez que a carta magna, em seu artigo 133, também determina que o advogado é “indispensável a administração da Justiça”.

Para concretizar estes preceitos constitucionais, os governos estaduais criaram as defensorias públicas, órgãos responsáveis por atender a demanda da população carente.

No Estado de São Paulo, por exemplo, esse público é atendido por meio de um convênio de assistência judiciária entre a Procuradoria-Geral do Estado e a Secção estadual da OAB, que indica advogados para atuarem nesses casos. Este sistema atendeu no ano passado cerca de 1 milhão de pessoas.

Embora o esforço governamental tenha que ser reconhecido, uma grande parcela da população ainda não tem acesso ao poder judiciário e a alguns direitos fundamentais. Os advogados —e, por extensão, suas sociedades— têm um papel importante neste contexto.

Nenhuma profissão está tão estrategicamente posicionada em assuntos relacionado à Justiça, tendo a formação, os meios e as oportunidades de influir positivamente na sociedade. Desta forma, além de exercer sua profissão com ética e competência, outra ferramenta de transformação social que o advogado dispõe é o trabalho pro bono, ou seja, sem remuneração.

O termo deriva de uma expressão latina que se refere a atos feitos “pelo bem público”. Por essa razão, os serviços jurídicos pro bono são os feitos sem remuneração para beneficiar pessoas e grupos desprivilegiados ou as organizações que os ajudam.

Além disso, a atuação voluntária também pode beneficiar instituições cívicas, culturais ou educacionais que de outra maneira não poderiam obter representação. Os serviços podem ser prestados em qualquer área, desde questões trabalhistas, tributárias e cíveis, até pendências criminais.

Embora o serviço pro bono não possua uma regulamentação específica no Brasil —O Conselho Federal da OAB ainda está elaborando um provimento sobre o tema— são várias as referências ao caráter público e social da advocacia e ao dever do profissional de atuar em prol da promoção da justiça e da redução das desigualdades.

Logo no segundo parágrafo do estatuto (artigo primeiro) é dito que “o advogado presta serviço público e exerce função social”. O Código de Ética corrobora esta visão, relacionando como um dos deveres do profissional “pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade”.

Ademais, o código apregoa que “o advogado deve ter consciência de que o direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos”.

Logo, é dever da classe, tanto do ponto de vista profissional como cívico, dedicar uma parcela de seu tempo ao trabalho pro bono, especialmente para quem cursou faculdades públicas.

Além disso, este tipo de serviço ajuda a lapidar novos talentos, melhorar o ambiente de trabalho, recrutar e reter mão de obra qualificada e contribuir para a manutenção da confiança do público na integridade do sistema judiciário e da prática da advocacia. Como defender nosso ofício, sem que ele esteja ao alcance de uma parte significativa da população?

Neste campo, no entanto, palavras não são suficientes. É necessário o compromisso formal dos profissionais e dos escritórios. Isto já está acontecendo por meio de uma série de iniciativas internacionais como o evento “Declaração Pro Bono para as Américas”, realizado em São Paulo em março.

Afora a troca de experiências na área, no encontro ocorreu a apresentação da minuta da Declaração Pro Bono para as Américas, cujo principal ponto é o estabelecimento de que todo o advogado deve dedicar pelo menos 25 horas (ou três dias) por ano a serviços pro bono. Esta proposta foi elaborada por representantes de diversos países, tendo como base principalmente a experiência dos Estados Unidos, cuja legislação não prevê nenhum tipo de assistência judicial aos mais necessitados.

A declaração é um passo importante, mas é fundamental que os advogados efetivamente se comprometam a atuar de forma desinteressada, no interesse da cidadania.

A cultura pro bono deve também ser disseminada nos escritórios. Isso, no entanto, não ocorre de forma espontânea. As bancas devem sistematizar este tipo de trabalho e incentivar seus colaboradores a participar. Podem contribuir para este processo a criação de comitês voltados ao assunto —com a participação de sócios seniores—, o estabelecimento de parcerias com ONGs e instituições de ensino e a divulgação interna de informações sobre os serviços pro bono.

A sociedade e as mais diversas organizações vêm adotando um conceito cada vez mais amplo e pró-ativo de cidadania. A advocacia, como defensora legal dos direitos constitucionais, deve participar deste processo, principalmente contribuindo para o acesso da população mais carente aos seus legítimos direitos.

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Antonio Corrêa Meyer, presidente do Cesa (Centro de Estudos da Sociedade dos Advogados) e sócio fundador do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados

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