Cidadão vira caça de políticos até o dia das eleições

Antônio Francisco Pereira*

Todos conhecem o ditado: Um dia é da caça, outro é do caçador. Estamos em plena temporada de caça, que vai pelo menos até o dia 6 de outubro. E a caça somos nós, eleitores. Farejados, perseguidos e sitiados em cada esquina, em cada poste, em cada metro quadrado das vias públicas. Ninguém escapa. Nem dentro de casa, nossa toca. Asilo outrora inviolável.

Lá também estão eles – os caçadores – adulando sua presa com palavras de ouro. Ou engalfinhados em debates televisivos. Arranhando-se. Tudo bem. É a democracia. Notável herança dos gregos, que chega ao terceiro milênio.

O que proponho, então, nestas breves linhas, é que você caro eleitor, caríssima eleitora, seja uma caça consciente. Não se deixe apanhar pelo canto da sereia. “Sob a pele das palavras há cifras e códigos”, escreveu o poeta mineiro.

Você ainda tem alguns dias para separar o joio do trigo. Ah, não encontrou o candidato ideal? Vote no melhor. Naquele que beijava criança maltrapilha antes de ser candidato. Naquele que sempre lhe devolveu o bom-dia e a boa-noite nos elevadores. Naquele que nunca quis comprar seu voto. Ele existe. Pode ser “avis rara”, mas existe.

E lembre-se. No dia 6 – fim da temporada – você é rei. Vossa Excelência é você. Não subestime o seu voto, como se ele fosse um grão de areia no deserto. Ele, somado ao meu, ao do vizinho, ao do pobre e ao do rico, desaguará, como os rios, num oceano de cidadania. Portanto, amigo eleitor, faça do dia 6 não um simples feriado, mas um dia santo.

Nesse dia – nesse único dia – os caçadores despregarão os olhos do Deus-Mercado para fixá-los na Deusa-Urna. E a deusa o espera, enamorada. Não a decepcione, então.

Vista sua roupa domingueira, perfume-se, beije seus filhos (ou seus pais) com redobrado carinho e dirija-se para lá, para o templo. Mas não se apresse. Antegoze o momento. Se houver fila na seção eleitoral não se irrite. Não é fila de banco. Ninguém vai tomar seu dinheiro.

Aliás, se fosse você, eu não votaria de imediato, como quem cumpre uma obrigação conjugal. A urna é sua amante. Aquela que você só encontra de quatro em quatro anos. Corteje-a. Toque-a com dedos de veludo. Teclas se farão pétalas e ela se abrirá ao seu toque.

E aí, quando finalmente você lhe entregar seu voto, faça-o com fé, amor e confiança. A fé com que o enfermo reza pela sua cura. O amor com que a noiva se despoja de sua virgindade. E a confiança com que a criancinha indefesa dá a mão ao pai. Vai ser assim que eu votarei no dia 6.

Se você fizer o mesmo – e sua família e seus amigos e seus vizinhos – evitaremos um fenômeno que normalmente ocorre depois das eleições. A caça vira caçador. Caçador de emprego, de saúde, de segurança, dos direitos mais elementares. Que só lhe serão prometidos, de novo, passados outros quatro anos. Estamos combinados, então. Dia 6. Até lá.

Revista Consultor Jurídico

Antônio Francisco Pereira é juiz federal aposentado, assessor do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ilmar Galvão e membro da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete – MG

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