Cidadãos devem questionar legitimidade de tributos no país

Vinícius Ochoa Piazzeta *

O Direito é uma ciência social que se ocupa de relações intersubjetivas, inexatas. Assim, o Direito Tributário, como ramo do Direito, é uma ciência da sociedade. Seu objeto específico são as relações sociais denotativas de riqueza. Da incidência de uma norma tributária sobre uma relação social decorrerá, infalivelmente, o dever de destinar determinada porção da riqueza gerada novamente à sociedade, para o bem maior da coletividade. E a cada nova incidência o processo se repete, destituindo os cidadãos de seu patrimônio.

Sem dúvida, a relação tributária é extremamente gravosa. Ao se taxar em determinado montante os fatos sociais eleitos pelo legislador, torna-se deficitário, na exata e mesma medida, o trabalho imprescindível para a obtenção da riqueza a ser tributada. Se esta retira parte do fruto auferido pelo trabalho do cidadão, trabalho este que exige parte substanciosa de seu escasso tempo, de sua preciosa vida.

Não por menos que isto foi que, em outubro de 1988, na última grande reestruturação de nosso sistema jurídico, os constituintes decidiram estabelecer, através da inclusão de normas a serem observadas pelo Estado, captador da receita destinada à sociedade e obtida com a arrecadação de impostos, as excepcionais hipóteses e as determinadas formas de instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos.

A Constituição é, portanto, em grandiosa escala, a defensora da higidez da relação jurídico-tributária tida entre o contribuinte e o Estado. Assim o são igualmente o Código Tributário Nacional, ainda que em menor escala, bem como alguns outros diplomas legislativos. Constata-se, então, um paradoxo. Mudaram tanto, desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, as exigências sociais de cunho tributário, de parte do Estado e dos cidadãos, que as normas de então não mais se aplicam hoje? A sociedade passou a aceitar condutas estatais que visam retirar-lhe parcela da sua vida em desrespeito à norma constitucional da legalidade?

Da capacidade contributiva? Da isonomia? Da anterioridade, para ficarmos com os exemplos mais atuais?

Por decorrência do desmedido crescimento do orçamento estatal é que os cidadãos se viram obrigados a pagar um imposto adicional para a saúde, a arcar com um tributo adicional para garantir a dívida do fundo de garantia, a suportar o aumento do ICMS para a segurança pública, a receber seus créditos perante o Estado em dez anos, a se contentar com o arbitramento de uma inflação fictícia e artificial. Tudo isso sem a devida contraprestação.

Felizmente, algumas vozes têm se erguido para defender a ética e a higidez na relação jurídico-tributária. Graças à iniciativa da sociedade que, descontente com o desrespeito de seus direitos nessas relações aciona o Poder Judiciário, guardião dos valores expressos em nosso sistema tributário.

E o som destas vozes já se fez ouvir, tanto que alguns desrespeitos já foram corrigidos, como atestam exemplificativamente as decisões do Supremo Tribunal Federal de afastar tributo carioca que exigia taxa judiciária excessiva, sem correspondência com o serviço prestado. Bem como a assentada de que “o poder de taxar não pode chegar à medida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e indústria e com o direito de propriedade”.

Mas, muito mais há para ser feito. Imperioso é, portanto, que cada vez mais os cidadãos passem a cultivar a característica das democracias mais antigas de questionar a legitimidade dos tributos vigentes. Vale dizer que é indispensável os cidadãos buscarem fazer valer as normas jurídicas estabelecidas para a tributação, quer pelo voto quer pela impugnação judicial, para que se evite o desvio de poder tributário e o confisco de suas posses, de sua vida.

Revista Consultor Jurídico.

Vinícius Ochoa Piazzeta é advogado, da Pactum Consultoria

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