Por Guilherme de Mattos Abrantes
É sabido que a Lei Pelé garante aos clubes de futebol – na realidade, às entidades de prática desportiva em geral – a proteção dos seus nomes e símbolos. No entanto, existe uma questão não abordada pela Lei Pelé, mas que vai de encontro ao que determina a Lei da Propriedade Industrial a respeito das marcas e dos direitos a elas concernentes: a proteção dos nomes e dos símbolos está restrita às atividades sociais do clube, ou seja, atividades desportivas. Interessante, mas como isso afeta os clubes? Simples: sem marcas registradas não há possibilidade de licenciamento, o que pode colocar em risco todos os contratos de licenciamento de produtos celebrados pelos clubes.
A Lei Pelé diz apenas que “a denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, (…), são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente”.
Quem lê a Lei Pelé, então, fica tranqüilo, pois parece que a proteção dos nomes e das marcas dos clubes está plenamente garantida, e mais, por tempo indeterminado. Logo, os clubes poderiam licenciar as suas marcas, correto? Errado.
Existem dois fatores dessa equação que não são previstos na Lei Pelé – e acabam sendo esquecidos pela maioria dos clubes de futebol no Brasil –, mas apenas na Lei da Propriedade Industrial: um deles é o fato de que as marcas de uma entidade (desportiva ou não) somente podem identificar as atividades que ela exerce licitamente. Por exemplo: é inconcebível que um hospital seja proprietário de uma marca de parafusos e vice-versa. Portanto, se é certo que a Lei Pelé garante a proteção aos nomes e símbolos dos clubes mesmo sem registro, é ainda mais certo que essa proteção recai somente sobre as atividades desportivas dos clubes.
E aí entra o segundo fator da equação: atualmente muito da receita dos clubes é proveniente do licenciamento de inúmeros produtos, que não correspondem às atividades sociais do clube. Explicando melhor, grande parte da receita dos clubes não é originada pelos seus sócios nem por “escolinhas” desportivas, mas pelos royalties oriundos dos contratos de licenciamento dos mais diversos produtos, notadamente de roupas e acessórios. Acontece que a Lei da Propriedade Industrial estabelece que somente “o titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso da marca”.
Portanto, a conclusão a que se chega é que a Lei Pelé garante a proteção automática das marcas dos clubes, mas não garante a possibilidade de licenciamento delas. O que garante essa possibilidade é o registro das marcas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
Analisando o banco de dados online do INPI, verifica-se que alguns clubes já atentaram para essas circunstâncias e tomaram as medidas necessárias para que as suas marcas estejam devidamente registradas. No entanto, a maioria dos clubes ainda conta com uma proteção limitadíssima das suas marcas, para não dizer equivocada, o que pode certamente impactar em todos os contratos de licenciamento feitos pelos clubes, pois o objeto dos contratos – a efetiva autorização para o uso das marcas dos clubes – está seriamente comprometido.
Apenas a título de curiosidade, o Manchester United e o Barcelona, que sequer são clubes brasileiros, possuem, respectivamente, 20 e 23 registros ou pedidos de registro de marcas em andamento no INPI (é, aqui no Brasil mesmo), e contam com uma proteção bastante adequada aos seus respectivos programas de licenciamento, enquanto a maioria dos clubes de futebol nacionais ainda está engatinhando nessa área.
Diante dessa situação, não é de se estranhar que praticamente nenhum contrato de licenciamento envolvendo os clubes brasileiros de futebol esteja averbado pelo INPI. Outro ponto – negativo – interessante é que até agora parece que os licenciados ainda não tiveram ciência dos benefícios de ter os contratos averbados pelo INPI, dentre os quais estão a possibilidade de usar tais contratos contra terceiros (em eventuais disputas comerciais) e ainda possíveis deduções dos royalties pagos do imposto de renda.
Seja como for, aqui vai um aviso aos clubes de futebol: registrem as suas marcas. O custo dessa medida é insignificante se comparado ao tamanho das receitas auferidas com o licenciamento das marcas, e mais ainda se comparado ao tamanho do problema que haverá se os contratos de licenciamento forem questionados no futuro.