Por Nicolás S. L. Baldomá
O Conselho Nacional de Justiça aprovou por maioria de votos resolução que garante aos casais homoafetivos o direito ao casamento civil, bem como a conversão da união estável em casamento perante qualquer cartório brasileiro. Segundo os julgadores, a resolução tem como escopo dar efetividade à decisão proferida no âmbito da ADPF 132, julgada em maio de 2011, que reconheceu no direito brasileiro a legitimidade das uniões estáveis homoafetivas, sem qualquer distinção com a união estável heteroafetiva.
Pois bem. Se aquela decisão já levantava, por si só, discussões acerca do poder decisório da Corte Constitucional e eventuais limites da jurisdição constitucional em contraponto à atividade legislativa e à separação de poderes, a presente decisão parece-me um golpe terrível ao bom senso e ao uso da competência de cada órgão a fim de dar máxima efetividade aos Direitos Fundamentais. Não me refiro, aqui, ao direito material em si, ponto em relação ao qual concordo com os doutos integrantes do CNJ, mas sim à forma como a legítima preocupação com o reconhecimento do casamento homoafetivo foi tratada por este órgão integrante do Poder Judiciário.
Vejamos. A preocupação do autor da proposta, o excelentíssio ministro Joaquim Barbosa, é fazer valer o que fora decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 132, ou seja, para excluir do artigo 1.723 do Código Civil, “para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”, segundo o que consta do dispositivo da decisão, traduzido por sua ementa. Vale salientar, ainda, que o objeto daquela arguição foi, senão, a declaração de que “o regime jurídico da união estável deve se aplicar, também, às relações homoafetivas”, segundo o que requereu, naquela ocasião, o autor da ADPF 132.
Por outro lado, temos que cabe ao CNJ, segundo disciplina nos Constituição Federal em seu artigo 103-B, § 4º, o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, bem como o zelo pela legalidade dos atos administrativos “praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário”, ou seja, controlar administrativamente o Poder Judiciário e a legalidade dos atos deste Poder, donde se incluem os Cartórios.
Ao que se demonstra límpido, o CNJ não possui qualquer poder legislativo ou normativo devendo fazer valer, senão o fiel cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro, incluindo a conformidade com a interpretação já dada e pacificada por suas instâncias superiores, o STF como guardiã da interpretação acerca dos dispositivos constitucionais e o STJ em relação aos infraconstitucionais.
Além do objeto da ADPF 132 e seu efeito vinculante, a resolução aprovada neste dia 14/05 levou em consideração para obrigar aos cartórios que celebrem casamentos homoafetivos e realizem a conversão da união estável em casamento, que “o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 1.183.378/RS, decidiu inexistir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo”.
O efeito que se extrai desta decisão é, senão, que o CNJ, exorbitando os legítimos poderes a ele concedidos pelo legislador, criou uma espécie de efeito vinculante à decisão proferida no Recurso Especial 1.183.378/RS, de modo a impor aos cartórios o dever de celebrar casamentos sem que haja qualquer imperativo da norma ou jurisdicional de efeito vinculante no ordenamento jurídico brasileiro.
O embate que temos aqui não é se o casamento homoafetivo deve ou não ser admitido pelo ordenamento pátrio, mas sim a forma como isso deve se dar dentro de princípios constitucionais indispensáveis para a realização e efetivação do Estado Democrático de Direito, dentre os quais destaco a separação de poderes e a própria legalidade, que me parece ter sido violada de forma vil, embora com boas intenções.
É crescente nacional e internacionalmente a preocupação com os efeitos potencialmente danosos da hipertrofia do Poder Judiciário no uso de sua competência para dar máxima eficácia aos Direitos Humanos, principalmente quando se assomam efeitos potencialmente danosos à democracia e ao surgimento de um judiciário tirânico.
A resolução do CNJ é apenas mais um sintoma de que algo não anda bem quanto à separação de poderes da República, onde cada vez mais se tem a sensação de que os fins justificam quaisquer meios. Esta pode ser uma boa decisão, aos olhos dos direitos fundamentais, mas que outras decisões não podem surgir em um sistema onde alguns poucos têm o poder absoluto de dizer o que é e o que não é, sem a observância de qualquer regra de divisão de competências?”
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Nicolás S. L. Baldomá é advogado no escritório Déda & Melo Advocacia e Assessoria e pós-graduando em Processo Civil pela PUC-Rio.