Autores: Marco Aurélio de Carvalho e Pedro Junqueira P. B. Sandrin (*)
O processo civil é uma caixa de ferramentas existente para possibilitar a entrega justa, eficiente e ágil de tutela jurisdicional ao titular de um direito negado. Neste diapasão, dentre os princípios fundamentais do processo civil estão a instrumentalidade, o contraditório e ampla defesa, a celeridade e economia processuais.
Muito tem se discutido sobre a adequação da produção antecipada de provas prevista no artigo 381 e seguintes do Código de Processo Civil para a exibição de documentos.
Embora existentes muitas análises e interpretações legais feitas sobre o tema, todas muito bem fundamentadas, inclusive com reiterados julgados [i] a favor da conversão de ações de obrigação de fazer para exibição de documentos em antecipação de provas (por exemplo), da prática jurídica surge uma outra questão, ainda não enfrentada.
Esta questão se resume às consequências jurídicas da não exibição de documento que a parte era obrigada por lei a exibir, quando os fatos a serem comprovados através destes documentos serem imponíveis a terceiros.
Há diversos casos concretos onde o autor pretende obter documento de um particular, ou de um órgão público, para com tal documento comprovar um fato contra terceiro.
O CPC prevê para tanto a ferramenta satisfativa da produção antecipada de provas, que não possui mais caráter cautelar obrigatório, naqueles casos previstos nos incisos do artigo 381. Nos casos em estudo, entendemos mais adequados os incisos II e III.
Evitando nos estendermos muito nos aspectos gerais e amplamente conhecidos e estudados da produção antecipada de provas, temos que definitivamente este procedimento é o meio mais eficaz para a obtenção do documento ou para a declaração de não exibição, pois prevê a impossibilidade de o réu recorrer, exceto quando o juiz lhe indeferir a prova contraposta, e reduz consideravelmente a duração do processo em relação à exibição do documento, “cortando” todo um processo de conhecimento voltado somente a este fim. Ainda no caso de recurso do réu, este recurso será o Agravo de Instrumento (artigo 1.015, inciso VI) e não terá efeito suspensivo, fato que reforça a agilidade do procedimento.
Pois bem, o problema surge quando o réu for obrigado por lei a exibir o documento, mas não o fizer. Neste caso, a recusa é inadmissível (artigo 399, inciso I) e se não for possível ao autor provar que o réu possui o documento e também seja impossível a busca e apreensão, o juiz proferirá sentença de não exibição.
Qual seriam os efeitos desta sentença de não exibição perante terceiros? Contra o próprio réu da antecipação de provas a questão é simples. Aplicar-se-ia, em nova ação de conhecimento, o artigo 400, presumindo-se como verdadeiros os fatos que o autor pretendia provar.
O ajuizamento de nova ação é necessário por força do disposto no parágrafo 2º do artigo 382, que impede o juiz de se pronunciar sobre as consequências jurídicas da exibição ou falta desta.
Em relação ao problema posto, lembramos que o parágrafo 1º do artigo 382 determina a citação dos interessados pela produção da prova, quando houve caráter litigioso na demanda.
Com base nisto, julgamos seguro afirmar que o terceiro terá participado da produção da prova, podendo amplamente contestar prova e a relação jurídica imputada a ele e ainda requerer contraprova, de modo que a presunção de veracidade será capaz de atingi-lo em nova ação, também com base no artigo 400, uma vez respeitados os princípios do contraditório e ampla defesa. Quanto a isto, importante será assegurar ao réu e ao interessado prazo razoável para contestar, não inferior ao prazo geral de 15 dias, muito embora seja possível em tese a aplicação do prazo de cinco dias do artigo 398.
Há ainda outra questão pouco estudada e que tem grande relevância prática: seria possível fazer pedido de perdas e danos, na segunda ação, quando o juiz da antecipação de provas proferir sentença de não exibição?
Aqui também entendemos ser possível elaborar tal pedido. A exibição de documentos tem inegável natureza de obrigação de entregar coisa, disciplinada pelos artigos 498, 499 e 500, que, por sua vez, são completamente compatíveis com o pedido de exibição de documentos. A partir da sentença de não exibição, seria perfeitamente possível ao autor ajuizar nova ação, munido de uma decisão judicial transitada em julgado, onde é reconhecido o direito ao documento, cabendo ao autor somente requerer, perante o juiz da nova causa e contra o terceiro, a presunção de veracidade dos fatos (resultado prático equivalente) ou a conversão em perdas e danos.
Salientamos que desde a produção antecipada de provas, por determinação legal do artigo 382, o autor descreveu especificamente os fatos que pretendia provar e a necessidade de antecipação da prova, de modo que o terceiro participou satisfatoriamente da declaração sobre esta relação jurídica. Neste cenário, somente caberia ao réu da segunda ação impugnar os valores envolvidos, encurtando sobremaneira o processo. Importante lembrar ainda que o terceiro teria direito de regresso assegurado contra o réu originário da antecipação de provas, não havendo qualquer prejuízo a este pela negligência de outrem.
Lado outro, o autor teria desde início uma sentença declaratória passível de embasar os mais variados pedidos de tutela provisória, que somente não poderia ser executada porque as consequências jurídicas desta são limitadas pelo parágrafo 2º do artigo 382, tirando-lhe a liquidez.
Vemos então que integração do terceiro à antecipação de provas, com ampla defesa, contraditório e prova contraposta, respeita o devido processo constitucional. A perfeita adequação do conteúdo dos pedidos ao procedimento de antecipação de provas somado a um novo processo de conhecimento enaltece a instrumentalidade do processo. A brevidade e efetividade atingidas através da utilização destas duas ferramentas garante celeridade e economia processuais. Constata-se, portanto, perfeita consonância e harmonia com o devido processo constitucional. Isto sem contar a possibilidade de composição amigável e a desvinculação da competência do juízo da prova e da ação principal, também muito vantajosos às partes e ao sistema processual.
O quadro que se mostra é a solução de uma questão prática complexa pelas ferramentas disponibilizadas pelo Código de Processo Civil atual, elaborado com a finalidade de fazer cumprir os princípios norteadores do processo civil constitucional.
Em conclusão, entendemos que a cobrança de perdas e danos contra terceiro do processo de antecipação de provas é perfeitamente cabível, desde que realizada em ação de conhecimento posterior.
Autores: Marco Aurélio de Carvalho é sócio-fundador do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados, graduado em Direito pela PUC-SP e especialista em Direito Público.
Pedro Junqueira P. B. Sandrin é advogado colaborador do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário.