"Cobrança de PIS e Cofins sobre importações é inconstitucional."

Por Adriana Stamato de Figueiredo
Em 29 de janeiro de 2004, foi publicada a Medida Provisória n° 164 (“MP n° 164/04”), que instituiu a cobrança da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre a importação de bens e serviços (“PIS/PASEP-Importação e Cofins-Importação”).

Referida Medida Provisória foi editada na esteira da recém-promulgada Emenda Constitucional n° 42, de 30 de Dezembro de 2003, que permitiu a criação das citadas contribuições sobre a importação, inovando, assim, a disciplina jurídica do PIS/PASEP e da Cofins que, até então, incidiam sobre a receita (faturamento total) e não sobre as despesas dos contribuintes.

De acordo com a ‘síntese’ da Medida Provisória, apresentada pela própria Secretaria da Receita Federal em seu site, o seu objetivo é o de promover a isonomia entre os produtos e serviços importados e os nacionais, os quais são sujeitos à tributação. Porém, como veremos a seguir, a MP n° 164/04 deve gerar graves distorções e comprometer sensivelmente a carga fiscal de determinados contribuintes, sendo passível de questionamento judicial por conta das inconstitucionalidades nela contidas.

1. – Principais pontos da MP n° 164/04

Em linhas gerais, pode-se dizer que tais contribuições incidirão à alíquota de 7,6% para a Cofins e 1,65% para o PIS, sobre a importação de serviços provenientes do exterior, prestados por pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior e de bens estrangeiros, ou bens nacionais ou nacionalizados exportados que retornem ao país.

O fato gerador das contribuições será a entrada dos referidos bens no território nacional, ou o pagamento, crédito, entrega, emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação por serviço prestado.

A base de cálculo será, no caso da importação de bens, o valor que servir ou serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do montante desse imposto, do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) devido e do valor das próprias contribuições. No caso de importação de serviços, as contribuições devem ser calculadas sobre o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) e do valor das próprias contribuições.

Há exceções previstas na MP 164/04, que se aplicam tanto em relação às alíquotas quanto à base de cálculo, no caso de importação de gás liquefeito de petróleo, querosene de aviação, medicamentos, produtos de higiene e cosméticos, dentre outros produtos.

3. Aspectos controvertidos

Antes de examinar as inconstitucionalidades da MP n° 164/04 convém apontar alguns aspectos que são bastante controvertidos.

3.1 Resultado do serviço

Conforme examinado, o PIS/PASEP e a Cofins passarão, a partir de 1° de maio de 2004, a incidir sobre os serviços provenientes do exterior, prestados por pessoa física ou pessoa jurídica residente ou domiciliada no exterior, quando forem (i) executados no país ou (ii) executados no exterior, cujo resultado se verifique no país.

Em relação à primeira hipótese, parece não haver dúvidas de que o serviço executado no Brasil, ainda que por empresa estrangeira, possa ser objeto de tributação. Entretanto, em relação aos serviços executados no exterior, a tributação é cercada de polêmica, cuja discussão, apesar de não ser o objeto do presente estudo, é digna de nota. Importa, agora, apenas examinar o que será considerado resultado para que seja possível determinar quando um serviço executado no exterior será tributado pelo PIS/PASEP e Cofins, nos termos da MP n° 164/04.

A referida MP não trouxe qualquer esclarecimento a respeito, o que certamente poderá trazer dificuldades na aplicação prática, em vista de determinadas situações fáticas nas quais é trabalhoso identificar onde e quando se verifica o resultado do serviço.

Vale referir que a discussão é semelhante à que existente atualmente em relação ao Imposto sobre Serviços, o qual, a partir da edição da Lei Complementar n° 116/03, passou também a incidir sobre a importação de serviços.

3.2 Base de Cálculo e cálculo por dentro

São muitas (e muito pertinentes) as críticas de que as bases são complexas e mais abrangentes do que as relativas ao produto nacional. Com efeito, o ‘natural’ seria que a base de cálculo do PIS/PASEP-importação e da Cofins-importação na entrada de bens estrangeiros fosse o valor aduaneiro. Entretanto, a MP n° 164/04 determina que as contribuições incidam sobre uma base de cálculo mais alargada, que inclui os demais impostos incidentes na importação, além das próprias contribuições. Isso pode vir a ser contestado judicialmente, por violação aos acordos internacionais firmados pelo Brasil que vedam que o produto importado seja tratado de forma diferente daquela aplicável ao produto nacional.

Ademais, o fato de as contribuições estarem incluídas em suas próprias bases de cálculo irá refletir em aumento da alíquota nominal das contribuições, que, somadas, acrescentarão 10,28% (dez inteiros e vinte e oito centésimos percentuais) sobre o valor que lhes tiver servido de base.

Tal inclusão na base de cálculo apresenta traços de inconstitucionalidade, já que a contribuição irá incidir sobre a própria contribuição, desvirtuando, assim, o fato gerador do tributo. Entretanto, essa sistemática de cálculo é similar à do ICMS que, a despeito de todas as críticas, é considerada constitucional pelos Tribunais brasileiros.

Convém ainda comentar que as novas disposições irão, inclusive, refletir na base de cálculo do ICMS, uma vez que a legislação estadual prevê a inclusão do valor das contribuições para fins de cálculo do ICMS na importação. Assim, haverá uma situação no mínimo inóspita, pois enquanto a lei do ICMS determina que o valor das contribuições seja incluído na base de cálculo do imposto, a MP n° 164/04 prevê que o valor do ICMS esteja compreendido na base de cálculo das referidas contribuições.

Ou seja, para se calcular o valor do ICMS é necessário saber, previamente, o valor das contribuições e vice-versa, o que demonstra a falta de clareza das regras da nova MP. Mais do que isso, a referida regra simplesmente inviabiliza que seja feito o cálculo tanto do ICMS, quanto do PIS e Cofins incidentes na importação. Por esse motivo, é esperado que até a vigência das novas incidências haja novas mudanças que corrijam essa grave distorção.

3.3 Novos contribuintes

Pela disciplina anterior, somente eram contribuintes do PIS/PASEP e da Cofins as pessoas jurídicas. Entretanto, a MP n° 164/04 incluiu dentre os contribuintes do PIS/PASEP e COFINS/importação as pessoas físicas que (i) promoverem a entrada de bens estrangeiros no território nacional, (ii) contratarem serviços de residente ou domiciliado no exterior, forem (iii) beneficiárias do serviço, caso o contratante seja também residente ou domiciliado no exterior, ou (iv) destinatárias de remessa postal internacional, indicadas pelo respectivo remetente.

3.4 Definição de bens e produtos

A Medida Provisória em comento foi instituída com fundamento nos arts. 149, parágrafo 2°, inciso II, e art. 195, inciso IV, da Constituição Federal, com as seguintes redações:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto no artigo 146, III, e artigo 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

I – omissis…

II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(…) omissis

IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”. (os destaques são nossos)

Da leitura dos dispositivos acima, nota-se haver uma distinção entre a redação do artigo 149, que remete à importação de ‘produtos estrangeiros ou serviços’ do artigo 195, que trata da contribuição social do importador de ‘bens ou serviços do exterior’. Já a MP n° 164/04 dispõe sobre a importação de ‘bens estrangeiros’.

Tecnicamente, há distinções entre os conceitos de produtos e bens, o que poderia, eventualmente, ensejar discussões na esfera judicial.

4. Inconstitucionalidades

A exemplo do ocorrido com a MP n° 135/03, a MP n° 164/04 apresenta alguns vícios de inconstitucionalidade que são passíveis de discussão judicial.

Um deles diz respeito à violação do disposto no art. 246 da Constituição Federal, que veda a adoção de Medida Provisória para regulamentar artigo da constituição cuja redação tenha sido alterada por emenda promulgada a partir de 1995.

É exatamente isso o que ocorre no caso em tela, pois, como visto, a MP n° 164/04 criou as referidas contribuições sociais ao PIS-PASEP-Importação e Cofins-importação com fundamento nos art. 149, §2°, II e 195, IV, que foram alterados pela recente Emenda Constitucional n° 42, de 30 de dezembro de 2003 (EC 42/03).

Além disso, sob o ponto de vista formal, as contribuições em comento constituem novos tributos, os quais, por força do disposto no art. 146 da Constituição Federal, somente podem ser instituídos por Lei Complementar e jamais por Medida Provisória.

Por fim, as novas incidências afrontam o princípio da isonomia, na medida em que há uma série de contribuintes obrigados ao pagamento do PIS/PASEP e Cofins na importação, embora não possam tomar o crédito sobre tais contribuições por estarem excluídos da sistemática de apuração não-cumulativa, estabelecida pelas Leis n° 10.637/03 e n° 10.833/03. É o caso, por exemplo, das empresas submetidas à tributação pelo lucro presumido, além de instituições financeiras, hospitais e empresas de telecomunicações, dentre outras.

5. Conclusão

Em síntese, pode-se concluir que a recém-publicada MP n° 164/04, editada a pretexto de estabelecer tratamento isonômico entre os bens e serviços importados e os nacionais, contém impropriedades que devem ser sanadas antes da entrada em vigor das novas contribuições.

Além disso, há determinados aspectos da referida MP que podem ensejar discussão judicial, especialmente em vista do eminente aumento de carga tributária que será imposto àqueles contribuintes que não estão sujeitos ao pagamento do PIS e Cofins pelo sistema não-cumulativo e que, portanto, não poderão aproveitar como crédito os valores relativos às contribuições pagos na importação de bens e serviços.

Adriana Stamato de Figueiredo é advogada associada da Stuber -Advogados Associados e especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária de São Paulo.

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