Marcelo Santiago
acadêmico de Direito na UNICAP (Recife)
A teoria da coação ou da coercitividade é a doutrina que entende que Direito e coação não podem estar desacompanhados, norma e coação seriam ingredientes inseparáveis de todo fenômeno jurídico.
Na realidade, não há como confundir coação e força, sendo a coação, como efetivamente é, a força disciplinada, exercida nos limites legitimados pela tutela necessária de bens da convivência.
Sanção e coação são duas noções distintas que estão uma para a outra, de certa forma, como o gênero está para a espécie. São múltiplas as sanções, ou seja, as medidas tendentes a assegurar a execução das regras de direito, desde a declaração da nulidade de um contrato ao protesto de uma letra de câmbio; desde o ressarcimento de perdas e danos sob forma de equivalente indenização até ao afastamento de funções públicas ou privadas; desde a limitação de direitos até à outorga de vantagens destinadas a facilitar o cumprimento de preceitos. Ora, tais medidas, que podem ser preventivas, repressivas ou premiais, como o diz a Teoria Geral do Direito, podem contar ou não com a obediência e a execução espontânea dos obrigados. Quando não há obediência dos obrigados, o Poder Público, a serviço do Direito, prossegue em suas exigências, substitui-se ao indivíduo recalcitrante (teimoso) ou materialmente impossibilitado de cumprir o devido, obriga-o pela força a praticar certos atos, apreende-lhe bens ou priva-o de sua liberdade. Eis ai a coação de que trata o jurista: é a sanção física, ou melhor, a sanção enquanto se concretiza pelo recurso à força que lhe empresta um órgão, nos limites e de conformidade com os fins do Direito.
Ação e coação são dois termos que se repelem. Há coação quando a conduta de alguém não resulta espontaneamente de uma escolha decorrente do valor intrínseco do objeto escolhido. A coação configura-se objetivamente no ato de pôr-se a alternativa de uma escolha, com a exclusão de outras escolhas possíveis. “O termo coação só deve ser juridicamente empregado no sentido de uma ação que modifica forçadamente uma situação de fato”(Pekelis); “É o modo de concretizar-se da sanção”(Cesarini Sforza).
Não resta dúvida que não são motivos estritamente jurídicos que levam os homens a agir de conformidade com o Direito. A concepção de um “homo juridicus”, cujas volições e interesses se circunscrevessem ao âmbito do Direito, seria uma ficção. Basta pensar que o ser mais subordinado aos ditames ou às exigências do Direito, aquele que deve pautar todo o seu comportamento segundo imposições coercitivas, é o preso, o homem privado da liberdade, segregado do convívio social.
Na realidade, são valores religiosos, morais, estéticos, econômicos…que nos conduzem, deles e por eles brotando a obediência ao Direito. Como diz Del Vecchio, “o Direito é, por sua natureza, fisicamente violável”.
Podemos fazer uma distinção entre a teoria da coercitividade e a da coercibilidade. Segundo os adeptos da primeira teoria, o Direito seria dotado sempre e invariavelmente de um elemento coercitivo, sem o qual não haveria Direito; para os da segunda, a coação seria elemento externo do Direito, o qual se distinguiria apenas pela possibilidade de interferência da força.
Em suma, se a experiência nos mostra que há casos em que a coação não logra efetivamente restabelecer o equilíbrio jurídico partido, por impossibilidade empírica ou por ineficácia; se a pena, como observou agudamente Simmel, quase nunca consegue atingir o “eu” naquela esfera psíquica onde a infração teve sua gênese; se o Direito não deixa de ser Direito onde e quando impunemente violado, e, mais ainda, se a coação a todo instante invocada não fosse antes a morte do que a vida do Direito, uma conclusão única se impõe: é a tendência ao recurso da coação que pode ser considerada essencial à ordem jurídica. Não é de sua essência a inexorável passagem do virtual para o atual, pelo menos enquanto nos situarmos de um ponto de vista lógico ou deontológico.
O Direito é, pois, coercível. A rigor, logicamente coercível, por haver possibilidade ou compatibilidade de execução forçada e não juridicamente coercível, como se expressa Del Vecchio.
BIBLIOGRAFIA
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, passim.