Colaboração premiada será no futuro tempestade ou brisa?

Autor:  André de Souza Martins (*)

 

Ouvi de alguns advogados o raciocínio de que o instituto da colaboração premiada trouxe um viés mais moderno ao Direito Penal, pois o colaborador de olho em uma menor pena privativa de liberdade em regime diferenciado (leia-se prisão domiciliar com monitoramento eletrônico) aceita contar o que sabe que incrimine seus cúmplices e a devolver valores que subtraiu (o bolso como parte mais sensível do corpo humano) em troca de redução de pena e outras benesses, tais como proteção pessoal, se for o caso.

Ouvi também de alguns cidadãos, que não concordavam com a forma com que os colaboradores pagam as suas penas, pois acham um escárnio com a sociedade, o fato de haver alguns delatores presos em suas mansões, situadas em lugares turísticos como Itaipava ou Angra de Reis, provavelmente comendo caviar e brincando com os netos,

Mas tenho de confessar que ouço desde a delação de Paulo Roberto Costa o zumbido de uma mosca atrás de minha orelha, pelo fato de a imprensa ter noticiado que seus filhos teriam tentado destruir provas, mas que estavam a salvo de qualquer ação penal por conta da colaboração feita por seu pai.

E a mosca que já vinha zumbindo que isso é inconstitucional, passou a zumbir mais forte após a colaboração premiada de Sérgio Machado. Afinal a Constituição diz que todos são iguais perante a lei e se o titular da ação criminal verificar que a conduta praticada pelos filhos é criminosa não pode e não deve ele negociar a liberdade dos parentes com aquele que quer colaborar, sob pena de este passar a ser de fato o titular da ação penal que trata daqueles fatos apurados pela investigação.

O barulho da mosca aumentou seus decibéis quando soube que um dos filhos de Sérgio Machado seria o operador financeiro internacional da organização criminosa. Ora essa conduta não se assemelha aos os fatos atribuídos aos filhos de Paulo Roberto, que teriam sido praticados para favorecer o pai na sua batalha com a lei, valendo lembrar que o crime de favorecimento pessoal isenta de pena o filho que o pratica em benefício do pai. A pena do crime de favorecimento real é pequena e provavelmente seria substituída por algo como uma cesta básica, mas isto não quer dizer que quem o pratica não deva ter apurada a sua responsabilidade criminal.

Com a citação da delação de Sérgio Machado por Eduardo Cunha como uns dos ventos que pode fazer com que Renan Calheiros seja atingido por uma tempestade, o zumbido passou a ser um trovão ensurdecedor, que me fez procurar e ler o acordo feito pelo Ministério Público Federal e o mencionado colaborador.

O item I do termo de Acordo de Colaboração Premiada estipula a base jurídica do acordo que “funda-se no artigo 129, inciso I da Constituição da República, nos artigos 4º a 8º da Lei 12.850/2013, nos artigos 13 a 15 §5°, da Lei 9.807/99, no artigo 1º da Lei 9.613/98, nos artigos 4° a 8° da Lei da Lei 9.807/99,  no artigo 26 da Convenção de Palermo e no artigo 27 da Convenção de Mérida,” Verifiquei a referida base legal do acordo, e, como desconfiava, não encontrei nenhum dispositivo legal entre os mencionados que autorize a suspensão da punibilidade de filhos em razão de colaboração premiada feita por seu pai, sendo forçoso reconhecer que o Ministério Público suspendeu a punibilidade dos familiares sem base legal para tanto.

Ao ler a letra b do parágrafo 4º da cláusula 5º do acordo que estipula que  “O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL compromete-se a não oferecer denúncia nem de nenhum modo, ainda que por aditamento ou rerratificação, propor ação penal por fatos contidos no escopo deste acordo em desfavor de qualquer familiar do COLABORADOR” constatei que o Ministério Público negociou o que não podia negociar,  o que gera a sua nulidade,  a qual pode ser invocada por qualquer pessoa que seja atingida por esta colaboração.

Além do fato de que todos devem ser tratados igualmente perante a lei, não é possível admitir como constitucional que um criminoso confesso seja de fato o titular da ação penal em relação aos seus filhos quando lhe é oportuno entregar outros comparsas, atendendo ao desejo do Ministério Publico em perseguir criminalmente quem ele acha mais conveniente, para salvar seus entes queridos da responsabilidade penal. Do mesmo modo que a pena não pode passar da pessoa do delinquente, não pode nem o Ministério Público nem o delinquente escolher qual dos integrantes da organização criminosa que integra que irá sofrer a ação penal e a eventual condenação criminal.

O meliante livra os filhos do processo penal e o MP escolhe entre os criminosos aqueles que elegeu como os que merecem ser processados e condenados. Trata-se de uma imunidade penal para os fatos apurados e não há no Direito Público previsão legal para que o Ministério Público justifique a transação feita. Caso tivesse certamente o Parquet teria indicado o artigo da lei na base jurídica do acordo. Nos dispositivos legais que referi acima há menção apenas a redução de pena e perdão judicial, mas não há neles qualquer norma que autorize alguém a negociar com o titular da ação penal quanto à responsabilidade de outrem.

Com o passar do tempo esse vento quente e justiceiro pode não se tornar uma tempestade, pois se os ministros do Supremo Tribunal Federal forem bafejados pela brisa fria que emana da Constituição Federal certamente ela será tida como nula, porque todos são iguais perante a lei e qualquer prova obtida a partir desse acordo inconstitucional será questionada por quem seja por ela prejudicado.

 

 

 

André de Souza Martins é advogado no Rio de Janeiro.


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