Autora: Alessandra Borelli (*)
Para o Poder Judiciário a internet não constitui um campo novo de atuação, pois é, sobretudo, um diferente meio para realização de crimes igualmente praticados no mundo real.
Tendo como porta de entrada as vulnerabilidades ou a falsa sensação de anonimato, crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), extorsão, ameaças, pornografia infantil, racismo e muitos outros vêm aumentando a cada minuto na internet. Com a aplicação das legislações penal e civil vigentes, o Judiciário vem coibindo fortemente a sensação de impunidade que persiste em reinar neste ambiente.
Rumo a reflexão sobre os impactos da conectividade no ambiente familiar e escolar, comecemos reconhecendo que nunca se ouviu tanto falar em liberdade de expressão e acesso irrestrito a informações. No entanto, muito triste tem sido constatar que quando não as são vítimas, muitos dos crimes contra honra vêm sendo praticados por crianças e adolescentes através da internet.
Não criar regras para o uso responsável desta poderosa ferramenta, não conversar sobre os riscos a que estão sujeitos quando utilizada de forma inadequada e, principalmente, deixar de explicar claramente a importância e necessidade de se ater a idade mínima exigida para determinados acessos, podem levar pais a responder, inclusive, pelo crime de negligência.
Seja por negligência ou desinformação, os pais que não atribuem ao ambiente virtual o mesmo valor e necessidade de cuidado que o faz no ambiente físico não somente deixam seus filhos vulneráveis a sérios problemas, como também, assumem o risco de serem interpelados judicialmente a ter que indenizar um terceiro por dano causado, uma vez que, de acordo com o artigo 932 do Código Civil, os pais são responsáveis pela reparação civil decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores.
É claro que dispor de ferramentas tecnológicas que incentivem os alunos e aprimorarem os meios de aprendizagem é muito importante, assim como, no caso do ambiente escolar, a capacitação de professores e alunos para o seu uso adequado. O grande desafio hoje está em como direcionar o uso das TICs para o bem, ou seja, como orientar filhos e educandos a explorar todos os benefícios que este avanço fantástico propicia, compreendendo seus peculiaridades e delicadezas, e, principalmente, auxiliar crianças a adolescentes a sensibilidade para discernir um mal que possa estar falsamente “revestido de bem”. O tema é de tanta importância que deu origem à palestra ministrada por mim, dia 18 de maio, na Bett Brasil Educar, maior congresso sobre educação da América Latina, sobre o uso da internet e suas implicações legais no contexto educacional
Os estabelecimentos de ensino, por exemplo, são também responsáveis por contribuir na formação do indivíduo. Com efeito, o artigo 2° da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) ratificou o previsto no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao atribuir à Educação o compromisso de preparar os educandos para o exercício da cidadania.
Aprimorando este entendimento, o inciso IV do artigo 932 do Código Civil, prevê que são também responsáveis pela reparação civil, dentre outros, estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo que para fins de educação, pelos seus educandos.
Assim, é preciso admitir que, em tempos de internet, a responsabilidade das instituições de ensino extrapola o que ocorre nos seus domínios. Há de considerar que a escola inicia um importante ciclo da vida em sociedade da criança, é na escola que a criança começa a compreender que apesar de importante sua opinião, não é a única, e gradativamente, que seu direito termina onde começa o do outro. Assim, não se pode dizer que a responsabilidade da escola se restringe a integridade física de seus alunos, mas sim, e, principalmente, por sua integridade moral, já que os danos incidentes sobre esta influenciam substancialmente no processo de aprendizagem.
Logo, instituições que adotam o cuidado de tratar do assunto desde o contrato de prestação de serviços firmado com os pais, que atualizam seus regulamentos internos com regras de conduta para o uso da tecnologia, promovem campanhas de conscientização e, principalmente, que praticam a prevenção em sua rotina regular, seja por meio de palestras, workshops ou outras atividades dirigidas ou inseridas nas matérias regulares, certamente, terão seus riscos de responsabilização potencialmente mitigados, além de reduzida a possibilidade de ter seus alunos envolvidos em incidentes digitais. Neste contexto, é válido lembrar que, uma vez prévia e expressamente comunicado, é lícito o monitoramento da escola em seus ambientes físicos e digitais.
Quanto a eles, filhos e alunos menores de 18 anos são penalmente inimputáveis (embora passíveis de medidas sócio educativas) e para que civilmente pais e educadores não sofram prejuízos, a palavra de ordem é prevenir, orientando e estabelecendo regras claras de disciplina.
Na escola se inicia o mais intenso processo de socialização do indivíduo e se muitos adultos lamentam ter aprendido a usar adequadamente as NTICs a duras penas. A habilidade que possuem com a tecnologia é inversamente proporcional a maturidade e capacidade de compreensão acerca dos riscos e responsabilidades que norteiam o comportamento digital e a que ficam sujeitos. Para sua segurança, da família, seu presente e futuro, jovens necessitam de orientações direcionadas e contínuas sobre educação digital, assim como seus pais que subsidiam seus filhos com aparatos tecnológicos de última geração e acessos de conexão sem estabelecer as regras mínimas de conduta para a utilização. É preciso discutir sobre os direitos e oportunidades que nos estão sendo oferecidos sim (que são muitos), além de debater os respectivos deveres, riscos e responsabilidades.
Não por acaso, o artigo 26 da lei 12965/14 (Marco Civil da Internet) estabeleceu como dever constitucional do Estado a inclusão da capacitação, integrada a outras práticas educacionais, para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico. É preciso compreender que tais medidas não constituem ônus mas bônus, pois podem contribuir muito para a redução de incidentes digitais nestes ambientes ou fora deles, envolvendo seus discentes e docentes.
E, por derradeiro, não poderia deixar de tecer um singelo comentário a relevante e recentemente sancionada Lei 13.185, que criou o Programa de Prevenção à Intimidação Sistemática, mais conhecido como (cyber)bullying. Esta lei elenca expressamente muitos dos comportamentos que caracterizam a prática e estabelece, de forma objetiva, quais as providências que se espera por parte das escolas, clubes e agremiações recreativas para o efetivo sucesso do Programa. Não somente em razão dela, mas de outras que igualmente atribui a todos a responsabilidade por manter a salvo crianças e adolescentes de toda forma de negligência, crueldade e opressão, a falta de enquadramento à lei pode ser interpretada como omissão, fato gerador da devida responsabilização civil.
Autora: Alessandra Borelli é advogada e autora da coleção Educação para a Cidadania Digit@l (FTD Educação/OPEE) e diretora executiva da Nethics.