Com tributação indevida, Receita Federal freia investidor-anjo

Autor: Frederico Menezes Breyner (*) 

 

A Instrução Normativa 1.719, da Receita Federal, publicada dia 21 de julho de 2017, “regulamentou” a tributação da remuneração do investidor-anjo pelo imposto sobre a renda, figura criada pela LC 155/2016 ao introduzir o artigo 61-A na LC 123/2006, que institui o Simples Nacional.

Em breve análise, referida introdução se deu num contexto de crescimento das chamadas startups, que são empresas geralmente em estágio embrionário (e por isso em busca de investimentos) dedicadas a criar e formatar um modelo de negócios inovador que altera o curso econômico de determinado mercado (caráter disruptivo), vocacionado à repetição e ao crescimento em escala (e por isso com alta agregação de valor).

A pretexto de regular o tema, a Instrução Normativa é uma inoportuna medida recheada de ilegalidades e inconstitucionalidades.

O artigo 5º da IN RFB 1.719/2017 determinou a tributação da remuneração auferida periodicamente pelo investidor-anjo pelo aporte de capital, submetendo-a ao imposto sobre a renda por alíquotas regressivas em função do tempo do contrato de participação que o fundamenta (22,5% para 180 dias; 20% de 181 a 360 dias; 17,5% de 361 a 720 dias e 15% após 720 dias).

Começamos por expor brevemente a remuneração do investidor-anjo pelo aporte de capital investido e a demonstrar a ilegalidade e inconstitucionalidade da IN RFB 1.719/2017.

Segundo o artigo 61-A, §4º, III da LC 123/2006, o investidor-anjo será remunerado pelo aporte de capital, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos. Já o §6º do artigo 61-A regula essa remuneração, ao estabelecer que ela será devida ao final de cada período, correspondente aos resultados obtidos, não superior a 50% dos lucros da ME ou EPP.

Pois bem, adotando-se no contrato de participação uma remuneração correspondente aos resultados obtidos consistente em percentual dos lucros da sociedade até o limite de 50%, essa remuneração equivale aos dividendos recebidos por acionistas de sociedades anônimas. Isso porque, em ambos os casos, podemos identificar que o beneficiário do pagamento:

a)  realizou um investimento na sociedade, adquirindo ações (caso do acionista de uma sociedade anônima) ou aportando capital (caso do investidor-anjo de uma ME e EPP);

b) assume o risco de não ser remunerado pelo capital investido caso a sociedade não apure lucros a serem distribuídos.

Nota-se que o investidor-anjo assume um risco ainda maior que alguns acionistas, pois estes podem ter direito a voto, ou seja, podem influenciar as condutas da sociedade, ao passo que aquele não tem essa prerrogativa (artigo 61-A, §4º, I da LC 123/2006).

Logo, não nos parece haver margem para dúvidas: o investidor-anjo recebe dividendos, que constituem a parte do lucro distribuída em remuneração ao capital investido na sociedade, seja ele por meio do capital social (integralização, compra de quotas ou de ações), seja ele pela nova figura do aporte de capital criada pela LC 147/2014.

O caso, portanto, é de aplicação do artigo 10 da Lei 9.249/99, que afasta a retenção e estabelece a isenção do imposto sobre a renda dos valores na pessoa do beneficiário da distribuição de lucros.

Importante ressaltar que o STJ (REsp 884.999/BA, 2ª Turma, rel. ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 16/09/2008) negou a aplicação dessa isenção sobre lucros distribuídos aos administradores de sociedades pelos seguintes fundamentos: a) sua base de distribuição não é o lucro líquido (arts. 193 a 205 da Lei 6.404/74 – LSA), mas sim o lucro antes do imposto (artigo 190 da LSA); b) não consistia essa distribuição em remuneração de capital investido e c) poderia ser usada como tática elisiva da tributação pela substituição da remuneração dos administradores pela distribuição de lucros.

Nenhuma dessas justificativas se apresenta no caso do investidor-anjo que: a) terá sua distribuição baseada no resultado da sociedade, ou seja, seu lucro líquido; b) é remuneração pelo aporte de capital, ou seja, pelo capital investido e c) inexiste outra alternativa de remuneração do investidor-anjo enquanto ele se mantenha nessa qualidade, ou seja, não há lugar para práticas elisivas.

Portanto, além de se enquadrar no artigo 10 da Lei 9.249/99, o caso se ajusta perfeitamente nos argumentos elaborados pelo STJ que justificam a aplicação ou não do referido dispositivo.

A outra conclusão não se chega que não pela ilegalidade da IN RFB 1.179/2017, pois determina a incidência do imposto sobre a renda sobre fato previsto como isento da tributação.

A conclusão não nos parece refutável pelo apego a detalhes formais, como por exemplo, a distinção entre a figura do sócio e do investidor-anjo em termos de participação societária, instrumento de investimento, direito a voto e etc. Quem argumentar que tais diferenças são relevantes para a aplicação do artigo 10 da Lei 9.249/99 (e não o são, pois o dispositivo sequer os menciona), além de ter que ir contra a literalidade do dispositivo e das circunstâncias que ensejam sua aplicação (conforme entendimento do STJ), encontrará empecilho no princípio da igualdade tributária (artigo 150, II da Constituição).

É certo que o investidor-anjo não é igual ao sócio ou acionista. Como visto, temos distinções no que se refere à sua participação na gestão e nas decisões das sociedades, bem como na integração do seu capital junto ao capital social e as consequências daí derivadas.

Contudo, a Constituição não exige que as situações sejam iguais para que tenhamos o mesmo tratamento tributário, até porque, se assim fosse, a questão se resolveria no princípio da legalidade, pois duas situações iguais sempre se encaixariam na mesma hipótese legal, e bastaria a correta e uniforme aplicação da lei para que a igualdade fosse satisfeita.

A Constituição exige que as situações sejam “equivalentes”, o que não significa identidade total. E, como visto acima, a situação do sócio que recebe dividendos e do investidor-anjo que recebe a remuneração pelo aporte são substancialmente equivalentes: tem base no lucro da sociedade, decorrem da assunção do risco no investimento e o remuneram.

Em verdade, a IN RFB 1.719/2017 equipara situações “não equivalentes”. Isso porque tanto as alíquotas regressivas quanto o tempo de permanência do investimento necessários para sua redução nela estabelecidos são idênticos aos previstos para os rendimentos auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável previstos no artigo 1º da Lei 11.033/2004.

Não há equivalência substancial entre investir em “atividades de inovação e os investimentos produtivos” e investir no mercado financeiro mediante aplicações financeiras. A inovação por si só não pode ser equiparada a mercados financeiros dotados de um histórico de desempenho, e o investimento produtivo é bem distinto do investimento financeiro, aquele atrelado ao desempenho real da economia, este altamente influenciado por expectativas, ainda que ao final não tais expectativas venham a ser desmentidas pela realidade.

A IN RFB 1.719/2017 vem na contramão da introdução da figura do investidor-anjo na LC 123/2006, pois este objetiva incentivar os investimentos na inovação e produção, enquanto aquela pretende colocar freios nesses investimentos ao diminuir o retorno desses investimentos por meio de indevida tributação.

 

 

 

 

Autor: Frederico Menezes Breyner  é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Mestre e doutorando em Direito Tributário (UFMG). Professor da Faculdade de Direito Milton Campos.


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