Combate à pirataria deve ser prioridade também na Ancine

Autor:  Magno de Aguiar Maranhão Junior (*)

 

É cediço que o setor audiovisual vem sofrendo enormes prejuízos devido ao avanço da pirataria, principalmente no ambiente digital. A massificação da internet em banda larga proporcionou a popularização dos serviços de download e streaming de vídeos, abrindo caminho também para as atividades ilícitas correlatas.

Frise-se que no curto período de dezembro de 2015 a maio de 2016 foram, aproximadamente, 1,7 bilhão de acessos em sites ilegais. Se para muitos “o filme saiu barato”, para o país, o preço foi altíssimo. O Brasil deixou de arrecadar R$ 721 milhões em tributos, e a indústria do audiovisual teve um prejuízo de aproximadamente R$ 2 bilhões.

Esses números representam uma perda significativa de novos empregos para a população brasileira dentro do cenário de uma indústria que hoje gera aproximadamente 250 mil empregos diretos e indiretos no país, conforme relatado na Carta de Gramado.

Por isso, a pirataria deve ser levada a sério e devidamente debatida e elevada a um patamar de discussão de temas macroeconômicos, tributários e de geração de renda e emprego.

Nesse diapasão, diversos juízes federais, membros do Ministério Público Federal e de outros órgãos governamentais têm se reunido constantemente para discutir as mais diversas formas de combater a pirataria digital. Nesse mesmo sentido, o próprio Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) também tem se debruçado sobre a questão.

Portanto, com vistas a reforçar o combate à pirataria e atenta a esse cenário, a área técnica da Superintendência de Fiscalização da Agência Nacional do Cinema (Ancine) propôs a criação de uma coordenação específica para cuidar do assunto.

A iniciativa tem respaldo do Conselho Superior do Cinema, que recomenda a sua criação e preconiza uma atuação mais coordenada e ampla de modo a dar conta das diversas frentes desse combate, especialmente no que diz respeito à reprodução ilegal de conteúdos audiovisuais em plataformas de streaming de vídeo, difusão ilegal da programação de TV paga, conscientização do público e divulgação de fontes lícitas de fruição de conteúdos audiovisuais.

Há de se ressaltar, ainda, a importância de ter um locus específico dentro da agência para coordenar a divulgação de campanhas educativas nos mais diversos veículos, esclarecendo sobre as consequências da pirataria e dos seus desdobramentos acoplados às suas externalidades negativas. Isso sem olvidar a articulação junto aos diversos órgãos envolvidos no combate à pirataria, em particular, o Poder Legislativo, no andamento de projetos de lei sobre o tema. Além de dar apoio ao Poder Judiciário, às estruturas de segurança e no combate ao crime organizado.

Assim, fica claro que é fato pacífico e notório que a pirataria de conteúdos é uma ameaça real à indústria, mobilizando um imenso esforço financeiro e jurídico por parte das empresas. Esse alerta tem sido dado à Ancine e a diversos órgãos do governo em muitas ocasiões nos últimos dois anos.

Porém, na contramão de todo esse movimento político-regulatório e contrariando a posição da área técnica da agência, consoante artigo publicado no site TelaViva em 29 de março de 2018, a Ancine transmitiu uma péssima mensagem para o mercado ao rejeitar a criação de uma coordenação específica de combate à pirataria na Reunião da Diretoria Colegiada 680, em 6 de março.

A proposta pela criação da coordenação fora resultado de um amplo trabalho dos especialistas e demais membros do corpo técnico da agencia ao longo de meses de trabalho, acompanhamento de ações, estudos de publicações em articulação com diversas entidades no sentido de apresentar proposta condizente com a complexidade do tema.

Dessa maneira, a proposta de ação sugerida pelo corpo técnico da Superintendência de Fiscalização, apesar de ter sido devidamente encampada pelo diretor-presidente da agência, foi surpreendentemente rejeitada pelos outros membros da diretoria por dois votos a um, sob o argumento de que seria necessário o “aprofundamento das ações e procedimentos relativos ao Programa de Combate à Pirataria, bem como um maior detalhamento das atribuições e estrutura necessárias ao funcionamento da futura unidade”.

A decisão da Ancine causou surpresa e perplexidade entre os setores que defendem uma maior proatividade da agência no combate à pirataria, sobretudo detentores de direitos e as empresas de TV paga, que preparam uma representação a ser levada ao Conselho Superior de Cinema, que se reunirá novamente nesta quarta-feira (11/4), um dia antes da reunião da diretoria da Ancine.

É cediço que o combate à pirataria exige um esforço permanente do poder público e da sociedade civil voltado ao estabelecimento de parceria e à busca de soluções. Os desafios se renovam a cada instante, haja vista que a facilidade com que são difundidos os produtos piratas gerados de forma ilícita é sem precedentes.

Nesse diapasão, vêm sendo empregados esforços multinacionais para coibir a pirataria, com ações coordenadas pela World Intellectual Property Organization (Wipo), com sede em Genebra, que conta com 170 países-membros e promove a proteção da propriedade intelectual em todo o mundo, administrando diversos tratados e convenções internacionais sobre a matéria. A Wipo tem como atuação-chave a criação de normas e padrões de regulamentação, com eficácia e aplicação mundiais, mas sempre correlacionados com a legislação específica interna das nações-membros.

A esse respeito, não é demais destacar que o artigo 7º, inciso III da MP 2.228-01 aduz que é competência da Ancine “promover o combate à pirataria de obras audiovisuais”. Confira-se.

“Art. 7º A ANCINE terá as seguintes competências:

(…)

III – promover o combate à pirataria de obras audiovisuais”.

Além disso, tem como objetivo, elencado no artigo 6º, inciso XI da MP 2.228-01, “zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e estrangeiras”. Ausculte-se.

“Art. 6º A ANCINE terá por objetivos:

(…)

XI – zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e estrangeiras”.

Outrossim, cumpre esclarecer que, desde agosto de 2017, o Conselho Superior de Cinema havia aprovado uma resolução recomendando a criação de uma unidade de combate à pirataria e um grupo de trabalho. Doravante, em 2018, na mesma linha, o conselho aprovou ainda uma resolução sugerindo à Ancine a criação de uma câmara técnica sobre o tema que deve ser coordenada pelo líder dessa unidade proposta. Sendo assim, fica evidenciado que há respaldo jurídico, há demanda de mercado e, depois das resoluções do Conselho Superior de Cinema, diretrizes políticas estabelecidas para isso. Agora só falta a Ancine implementar as ações.

A esse respeito, há uma passagem na República, escrita por Platão (427-347 a.C), na qual está contido o famoso diálogo travado entre Sócrates e Glauco, denominado “Alegoria da Caverna” ou “Mito da Caverna”, que trata da questão da superação da inércia.

Nesse contexto da obra, a primeira etapa cumprida pelo ser humano que consegue se libertar das correntes onde havia uma opinião comum (doxa) e sair da caverna, que é ilustrada na obra de Platão justamente pela implementação de uma ação que corresponde à subida do prisioneiro desde o fundo da caverna até às imagens exteriores, superando a inércia, representada pela ignorância (agnosis).

Desse modo, o sujeito é ofuscado pela luz da fogueira. Sendo certo que essa luz representaria o conhecimento. Neste primeiro instante, o indivíduo não consegue distinguir muito bem o que está a ver, mas com persistência e olhar investigativo contempla as formas bem definidas dos objetos que geram as sombras do fundo da caverna. Então aí ele atinge o conhecimento (episteme).

 

 

 

Autor:  Magno de Aguiar Maranhão Junior é advogado, professor de Direito Público e Privado e especialista em regulação da Agência Nacional do Cinema (Ancine).


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