Comentários sobre a Teoria do Direito do Trabalho Mínimo

Diante do mercado informal de labor, cada vez mais crescente, o Direito do Trabalho resta impotente, uma vez que sua teia de proteção legal não alcança àqueles trabalhadores

Marcelo Freire Sampaio Costa

O Professor universitário e advogado Mário Antônio Lobato Paiva, jovem jurista e estimado amigo, é o idealizador da proposição teórica que dá nome ao presente artigo.
Com efeito, sustenta o mesmo que o Direito do Trabalho vem atravessando sucessivas crises, dilemas e conflitos ao longo de sua história de vida, tais como a majoração do desemprego, o crescimento do chamado mercado informal e a revolução tecnológica, fenômenos, diga-se de passagem, ocorrentes não somente no Brasil, mas em todo mundo, que acabam por abalar a credibilidade do modelo tradicionaltutelar desse ramo do direito. Diante do mercado informal de labor, cada vez mais crescente, o Direito do Trabalho resta impotente, uma vez que sua teia de proteção legal não alcança àqueles trabalhadores.
Explica que a excessiva guarida que o Estado proporciona aos trabalhadores, isto é, um emaranhado de normas legais que propiciam uma série de direitos aos mesmos, estaria por engessar excessivamente o mercado de emprego em razão do alto custo que a classe empresarial teria que suportar ao assinar a carteira de trabalho de alguém. O resultado disso seriam duas consequências umbilicalmente atreladas: “o decréscimo dos níveis de emprego e o consequente estímulo ao desemprego”.(1)
Em razão desses fatos, defende o citado professor universitário que o Direito do Trabalho deveria estar mais aberto à economia e as adaptações conjunturais dela decorrentes, passando a ter, inclusive, um papel apenas secundário no controle dos conflitos sociais entre empregadores e trabalhadores, com intervenção estatal mínima. Isto significa que a legislação do trabalho seria efetivamente reduzida, passando a normatizar apenas os casos que realmente necessitassem de controle pelo Estado.
Após essa breve e resumidíssima tentativa de explicar a brilhante tese ora sob análise, passamos às idéias do professor da Faculdade de Direito de Buenos Aires, Miguel Ângelo Sardegna, expostas em seminário dirigido a docentes da Faculdade de Buenos Aires, onde tece algumas considerações, e críticas, sobre a mínima intervenção do Direito do Trabalho nas soluções dos conflitos laborais.
Nesse quadro, o professor Sardegna concorda com Mário Paiva no que tange as crises contemporâneas que abalam fortemente (e com alto potencial destrutivo) o standard tradicional do Direito do Trabalho, porém, descorda (ou “desconcorda” como diria aquele famoso cantor sertanejo…) que as referidas crises estão obliterando o Direito do Trabalho, ou pelo menos o padrão tradicional daquele direito, pois, na verdade, foi justamente nos períodos de crise econômica que o mesmo fortaleceu-se. Como exemplo, cita o marco histórico do final da primeira guerra mundial, onde, malgrado a existência de um momento econômico bastante turbulento, surgiram as primeiras leis fundamentais da disciplina do trabalho e o reconhecimento aos seus princípios; também deu-se a criação da Organização Internacional do Trabalho e a subscrição do Tratado de Versailles.
Mais à frente, já em outro momento de crise, agora derivada da segunda grande guerra, afirma que o Direito do Trabalho sai novamente fortalecido, “com a explosão estatutária e a sanção de inumeráveis normas garantidoras”, tais como a Declaração de Filadélfia, de 1944, a Declaração do Princípios Sociais, votadas em Chapultepec, em 1945, e a Carta Internacional de Garantias Sociais, de Bogotá/1948. Posteriormente, é a crise do petróleo da década setenta, a revolução tecnológica, o fenômeno da globalização e o desemprego estrutural que estão por abalar hodiernamente o modelo tradicionaltutelar desse ramo do direito.
Isto significa que o Direito do Trabalho, então, em momentos de crise, ao invés de enfraquecer, ganha força, conforme afirma Sardegna. Temos que concordar, neste aspecto, com o professor argentino.
Com efeito, a nossa intenção em trazer uma síntese de duas idéias distintas sobre a teoria em epígrafe do amigo paraense, é justamente ratificar um ponto que parece ser consenso para ambos, qual seja, o Direito do Trabalho, de fato, necessita passar por modificações estruturais de grande monta para que se mantenha vivo.
Não se pode olvidar às profundas (e rápidas) mudanças ocorridas na sociedade contemporânea. O modelo estrutural do Direito do Trabalho brasileiro foi concebido na década de trinta e quarenta da ditadura Vargas, e teve fortes influências – diria fortíssimas – do direito italiano (Carta Del Lavoro) no período fascista. O modelo sindical brasileiro foi todo concebido com base no italiano daquela época. Portanto, é irrefragável que o modelo legal e o fulcro excessivamente tutelar do Direito do Trabalho necessita de profundas reformulações, para que o mercado de trabalho, diante de tantos desafios como a internacionalização do comércio e a revolução cibernética, não se afaste definitivamente da proteção estatal, em outras palavras, para que a figura do empregado clássico não desaparece totalmente, restando apenas a classe dos informais.
Pequenos avanços já foram realizados; o mais importante deles foi a extinção da representação classista de empregados e empregadores na Justiça do Trabalho. Talvez em 1930 tal representação tivesse alguma utilidade. Hoje, não se admitia mais a existência de juízes leigos ao lado dos togados.
Como proposição, entendemos que o Direito do Trabalho para que acompanhe a nova realidade circundante deverá ser aquele que dá prevalência a regulação normativa formulada pelas próprias partes interessadas, isto é, entre a classe laboral, devidamente representada pelos sindicatos respectivos, e a classe empresarial, havendo sempre um padrão normativo mínimo firmado pelo Estado, da qual as partes não podem dispor, pois se tratam, neste caso, de normas imperativas.
Por fim, vale a pena transcrever trecho final do trabalho do professor Sardegna que diz o seguinte: “Assim, para que o regime guardião/tutelar do Direito do Trabalho sobreviva, deverá, necessariamente, readquirir uma identidade diferente, mais profunda e mais genuína que a atual, vinculada com o destino de uma sociedade que quer e deve realizar-se também, através do homem que trabalha por meio de sua atividade para seus semelhantes”.(2)

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