Comissões parlamentares de inquérito

Introdução

Originário do direito constitucional inglês, que a tradição consuetudinária levou a incorporar no direito constitucional americano – e adotado pelos países que assimilaram o sistema romano-germânico do Civil Law – o poder de investigar qualquer fato da vida pública do País pertence à atividade parlamentar sem que, para isso, haja qualquer previsibilidade expressa em norma escrita.

Este poder de investigação, incipientemente foi previsto inicialmente, em nosso direito constitucional, pela Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, persistindo até a dos nossos dias. Naquela, o conhecimento (e a investigação) de delitos individuais, cometidos pelos membros da Família Imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado e senadores, e dos delitos dos deputados durante o período da Legislatura, era da competência exclusiva do Senado, outorgada pelo art. 47, I, da Carta Imperial, assim como, conhecer da responsabilidade dos secretários e conselheiros de Estado (idem, inciso II.). Essa Carta também assegurava a todo cidadão apresentar, por escrito, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infração da Constituição, com pedido de responsabilidade dos infratores junto à autoridade competente (Art. 179, XXX).

Somente com a Constituição de 1934 é que se veio dar conteúdo positivo ao poder investigador do Parlamento brasileiro com a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito sobre fato determinado, mediante requisição de uma terça parte de seus membros, para a investigação de denúncias por eles formuladas. Daí para cá, esse poder de investigação ficou ausente na Carta outorgada de 1937, voltando o assunto a ser abordado expressamente pelas Constituições de 1946, 1967 (e sua EC nº 1/69) e pela Carta de 88.

Fundamento e abrangência do poder investigador das CPI’s

A pergunta que sempre fazem os constitucionalistas acerca da fundamentação do poder de investigação dos Parlamentos é a de saber se esse poder decorre incidentalmente da função legislativa ou se ele está implicitamente nela contido.

Tendo como uma de suas funções básicas, ou institucional, o poder de legislar, cabe ao Parlamento saber quais os interesses nacionais ou locais em que a Casa Legislativa poderá atuar, decidindo ou legislando, após diligenciar acerca daquele interesse. Alguns doutrinadores acham que o poder de investigar e de fiscalizar é inerente ao poder de legislar, sem os quais não poderá ser exercida a função legislativa, estando sob o crivo investigador todos os assuntos incluídos na competência legislativa ou fiscalizadora do legislativo.

JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO (1), preleciona que “No exercício de suas funções institucionais, o Poder Legislativo vê-se aparelhado do poder de investigar, através do qual realiza forma de controle que visa a apurar os fatos de importância para o funcionamento das instituições políticas democráticas.

A investigação parlamentar, – prossegue o mestre mineiro – em qualquer de seus níveis, federal, estadual e municipal, estabelece mecanismos de controle sobre pessoas, instituições, empresas ou órgãos. A fiscalização do Poder Executivo é inerente à própria existência das instituições parlamentares. A investigação, que tem como sujeito ativo o Poder Legislativo, ocorre sob os aspectos político-administrativo, financeiro e orçamentário”.

Citando VANOSSI (2), o autor acima referenciado discorre sobre algumas conclusões não discutidas na prática parlamentar, tais como:

“1 – A faculdade de investigação corresponde ao órgão legislativo, tanto no sistema presidencialista, como no parlamentarista. Seus alcances assentam-se na magnitude das funções constitucionais que são deferidas ao órgão legislativo.

2 – Essa faculdade pertence ao corpo legislativo, nos sistemas unicamerais e nos sistemas bicamerais. Constitui atribuição própria de cada uma das Câmaras, de tal modo que nos sistemas bicamerais pode ser exercida por cada uma das Câmaras, independentemente.

3 – Ela se exerce dentro e não fora do princípio da separação de poderes. Apesar de a investigação supor aspecto inquisitivo, de tipo instrutório ou sumário, que às vezes acompanha o exercício de certas faculdades repressivas, todas estas medidas não a afastam das linhas divisórias traçadas pelo princípio da separação dos poderes.

4 – Trata-se de um meio, não de um remédio. Não é um fim em si mesma, é meio para alcançar o melhor exercício das funções constitucionais. Não se confunde com ação direta, mas é o meio preparatório e condizente à produção de normas ou medidas que permitem retificar um estado de coisas ou criar nova situação. O remédio virá como conseqüência da informação obtida através da investigação. Primeiro investigar, depois atuar.

5 – Pode recair sobre organismos e funcionários públicos, como também sobre atividades dos particulares. Em todas essas situações, deve tratar de matérias concernentes ou vinculadas com o exercício das funções constitucionalmente correspondentes ao Congresso ou a cada uma das Câmaras. Quando a investigação recai sobre atos de organismos ou funcionários públicos, a vinculação ou conexão de matéria com a área de competência legislativa ou de controle diz respeito ao Congresso, que tem de guardar as grandes demarcações que a Constituição traça: divisão horizontal e divisão vertical do poder. O Congresso não pode investigar os fundamentos de uma sentença judicial (Andreozzi, Faculdades Implícitas de Investigación Legislativa y Privilégios Parlamentarios, 1943).

6 – Quando a investigação recai sobre atividades desenvolvidas por particulares, a doutrina constitucional empenha-se em pôr limites e cautelas ao poder de investigar, com base nos direitos e garantias das pessoas.”

O Poder Legislativo tem por finalidade jurídico-institucional o exercício de três funções estatais básicas, quais sejam: a função representativa, a função legislativa e a função fiscalizadora, sendo que, destas, duas encontram-se interligadas, auxiliando-se mutuamente, que são: a função legislativa e a função fiscalizadora.

A abrangência do congressional power of investigation – ou do poder investigador das CPI’s – limita-se aos assuntos da competência do Poder Legislativo sobre atos sujeitos à sua fiscalização e legislação, praticados no âmbito de sua circunscrição, ante o princípio dos freios e contrapesos que norteia o Estado Democrático de Direito.

Não sendo fim em si mesmo – tendo apenas um caráter excepcional – o poder de investigação das CPI’s serve apenas de instrumento para atuação do Poder Legislativo, com o fim de subsidiar uma das suas finalidades institucionais – a legislativa – com o exato conhecimento do fato (ou fatos) objeto(s) de sua investigação ou fiscalização.

Dentro da circunscrição de sua atuação, as CPI’s agem como se fossem o próprio Poder Legislativo do qual faz parte, sendo os seus atos passíveis de controle jurisdicional do Poder Judiciário respectivo (STF ou TJE), ante o princípio da limitação dos Poderes que embasa o sistema constitucional brasileiro, sendo política e juridicamente limitado para que não haja a dominação de um Poder sobre o outro (checks and contrabalances).

Assim, o poder de investigação da CPI é delimitado pelo poder de atuação da Casa Legislativa à qual pertence, não podendo ter maiores poderes do que os da Casa criadora, não sendo, portanto, ilimitado, encontrando no âmbito da Constituição a sua limitação, do mesmo modo que a sua Casa criadora encontra no âmbito constitucional o limite de sua atuação.

Dentro dessa competência específica de fiscalização podemos citar, exemplificativamente, a nível federal, dentro da competência exclusiva do Congresso Nacional, a de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (CF., art. 49, V), a de fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta (inciso X) e o de zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes (inc. XI). Dentre as competências do Senado Federal (representação política dos Estados-membros), a de processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade, dentre outras.

Assim, no exercício de sua missão político-fiscalizadora dos atos praticados pela máquina estatal, a fim de que esta não venha a ferir nenhum daqueles princípios estabelecidos no art. 37 caput da Carta Fundamental, o Poder Legislativo tende a ser o fiel da balança da res publica, devendo, para isso, manter-se incólume aos ataques da opinião pública e de outros Poderes, no exercício de suas funções institucionais.

Qualquer desvio em sentido contrário ao que até aqui dissemos configura abuso de poder da CPI, deflagrador do controle jurisdicional, conforme entendimento monocrático esposado pelo Ministro CELSO DE MELLO no MS nº 23.452-1-RJ (DJ de 8-6-99) impetrado contra o Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, do qual trouxemos alguns excertos para melhor entendimento da matéria:

“O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de impedir que o exercício abusivo das prerrogativas estatais pudesse conduzir a práticas que transgredissem o regime das liberdades públicas e que sufocassem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se ao Poder Judiciário a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais.

(…)

Dentro desse contexto, impende registrar que os atos das Comissões Parlamentares de Inquérito são passíveis de controle jurisdicional, sempre que, de seu eventual exercício abusivo, derivarem injustas lesões ao regime das liberdades públicas e à integridade dos direitos e garantias individuais.

Desse modo, as ofensas ao status libertatis, ou a direitos outros titularizados por pessoas ou entidades que sofram as conseqüências prejudiciais da ação eventualmente arbitrária de uma CPI, tornam-se suscetíveis de reparação por efeito de decisões emanadas do Poder Judiciário.

É preciso não perder de perspectiva que, no regime constitucional que consagra o Estado democrático de direito, as decisões políticas emanadas de qualquer das Casas do Congresso Nacional, na medida em que delas derivem conseqüências de ordem jurídica, estão sujeitas ao controle jurisdicional, desde que tomadas com inobservância da Constituição.

Quando estiver em questão a necessidade de impor o respeito à ordem constitucional estabelecida, a invocação do princípio da separação de poderes não terá a virtude de exonerar qualquer das Casas do Congresso Nacional do dever de observar o que prescreve a Lei Fundamental da República.

(…)

Atenta a esse princípio básico, a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação da natureza política do ato emanado das Casas legislativas pudesse constituir – naquelas hipóteses de lesão atual ou potencial ao direito de terceiros – um ilegítimo manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários.

Não obstante a inquestionável importância político-institucional de controle legislativo – e das inerentes funções de investigação que são atribuídas ao órgão parlamentar –, o desenvolvimento do inquérito instaurado por qualquer das Casas que compõem o Congresso Nacional rege-se por normas, que, visando a coibir eventuais excessos, impõem insuperáveis limitações jurídico-constitucionais ao exercício das prerrogativas congressuais de pesquisa dos fatos.

Não se deve desconhecer que a CPI – qualquer que seja o fato determinado que tenha justificado a sua instauração – não pode exceder, sob pena de incidir em abuso de poder, os parâmetros que delimitam, em nosso ordenamento positivo, a extensão dos seus poderes investigatórios.

(…)

A necessária submissão de qualquer CPI ao regramento normativo delineado em nosso sistema jurídico – é importante salientar – foi proclamada, em unânime votação, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, ao conceder o writ de habeas corpus, advertiu que esse órgão de investigação parlamentar não dispõe – mesmo em face do que prescreve o artigo 58, § 3º, da Constituição – de poder, para, fora da situações de flagrância, decretar a prisão de qualquer pessoa (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).

Sendo o inquérito parlamentar, essencialmente, “um procedimento jurídico-constitucional” (José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria Geral das Comissões Parlamentares – Comissões Parlamentares de Inquérito, p. 162, 1988, Forense), torna-se evidente que os poderes de que dispõe uma CPI acham-se necessariamente condicionados e regidos pelo princípio da legalidade dos meios por ela utilizados na ampla investigação dos fatos sujeitos à apuração congressual.

Isso significa que as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e pelas leis da República.

O reconhecimento de que os poderes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito são essencialmente limitados decorre da própria natureza de nosso sistema constitucional, pois, no regime de governo consagrado pela Constituição brasileira, nenhum órgão do Estado acha-se investido de prerrogativas político-jurídicas absolutas.

(…)

O direito de investigar – que o ordenamento constitucional brasileiro atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (CF, artigo 58, § 3º) –, tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais significativo de sua concretização.

A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (art. 58, § 3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes.

(…)

Torna-se importante assinalar, neste ponto, que, mesmo naqueles casos em que se revelar possível o exercício, por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, dos mesmos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, ainda assim a prática dessas prerrogativas estará necessariamente sujeita aos mesmos condicionamentos, às mesmas limitações e aos mesmos princípios que regem o desempenho, pelos juízes, da competência institucional que lhes foi conferida pelo ordenamento positivo.

Isso significa, por exemplo, que qualquer medida restritiva de direitos, além de excepcional, dependerá, para reputar-se válida e legítima, da necessária motivação, pois, sem esta, tal ato – à semelhança do que ocorre com as decisões judiciais (CF, artigo 93, IX) – reputar-se-á írrito e destituído de eficácia jurídica (RTJ 140/541, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).

Em uma palavra: As Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados judiciais, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes”.

Muito embora o poder investigador dos Parlamentos seja amplo, mas tenha, paradoxalmente, os seus limites legais postos constitucionalmente, essa prerrogativa investigadora não deve afetar o princípio da divisão dos Poderes da República, assim como essa investigação não deve ser exercida com excesso pelas atribuições delegadas constitucionalmente ao Poder Legislativo, como já visto.

Pelo princípio da separação dos Poderes não se admite que sejam objeto de investigação assuntos que digam respeito às funções institucionais da tríade estatal, tais como, e.g., informações privilegiadas ou tidas como confidenciais pelo Chefe do Poder Executivo, ou assuntos que necessitem da prestação jurisdicional do Poder Judiciário, ou assuntos interna corporis do próprio Poder Legislativo, aqui entendidos aqueles de feições estritamente políticas.

No direito constitucional brasileiro, a fundamentação jurídico-constitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito, a nível federal, encontra-se albergada no art. 58, § 3° , da CF/88, quando impõe ao Congresso Nacional e suas Casas Legislativas (Senado e Câmara dos Deputados) a criação de comissões permanentes e temporárias a serem constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos regimentos internos, ou no ato de que resultar a sua criação, com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional, podendo ser criadas, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para apuração de fato determinado e por prazo certo.

Essa disposição constitucional foi justificada por EHRHARDT SOARES no Relatório apresentado ao X Congresso Internacional de Direito Comparado, realizado em 1978, na cidade de Budapeste, sob o título As Comissões Parlamentares Permanentes. Países Não-Socialistas, e publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no volume LVI, p. 156, em 1980, conforme noticia o autor mineiro, Prof. BARACHO (3), com o seguinte teor:

“Compreende-se que, ao longo do tempo, o plenário tenha transigido em cometer a grupos de deputados o encargo de preparar as soluções fora do bulício da grande sala, poupando-se uma boa parte dos debates; ou que tenha repousado na competência técnica dalguns a decisão preliminar das questões. Ponto é que com isso não se comprometa aquilo que deve ficar, de acordo com a tradição, reservado ao plenário; ou que não se vá contribuir para a capitulação da instituição parlamentar perante outras fórmulas jurídico-constitucionais ou perante forças políticas ou econômicas jogando fora do quadro estadual.

Deste modo, os Parlamentos modernos não são pensáveis sem as Comissões Parlamentares.” (4)

Entretanto, como aduz o mestre mineiro, a celeridade do processo legislativo e o seu aperfeiçoamento técnico são feitos graças às comissões técnicas que podem se apresentar como um microcosmo do plenário.

Normalmente, essas comissões parlamentares deveriam ser constituídas por parlamentares relacionados intelectualmente com os assuntos que lhes forem pertinentes, ou que devam nelas serem tratados. Entretanto, essa intenção está longe de ser cumprida nos Parlamentos, ante os interesses político-partidários dos blocos parlamentares de coalizão para sustentação da maioria governista, aqui entendida aquela que sufragou o Chefe do Poder Executivo nas eleições antecedentes à legislatura, ou vice-versa, aquela que foi constituída no Parlamento sob a influência da máquina estatal.

O asseguramento da representação proporcional dos partidos políticos ou blocos parlamentares que participam da Casa Legislativa na constituição das comissões parlamentares, é uma norma programática de retórica (ou utópica), na medida em que a maioria dificilmente dará oportunidade à minoria para que participe das discussões jurídico-políticas colegiadas, reservando-se, quase sempre, a decisões políticas desenvolvidas em plenário, onde, novamente, a maioria esmagadora certamente vencerá.

A ressalva posta na expressão “tanto quanto possível” incrustada nesse comando normativo constitucional, retira dos partidos minoritários, não raras vezes, o exercício do direito de participação colegiada nas comissões parlamentares.

Imunes a essa manobra política encontram-se as Comissões Parlamentares de Inquérito, porque são constituídas mediante requerimento de um terço (minoria) dos membros que integram a Casa Legislativa, daí por que dizemos que as CPI’s constituem-se como um dos direitos das minorias parlamentares nos Estados Democráticos de Direito.

Essa prerrogativa de atuação parlamentar foi incorporada ao nosso direito constitucional legislado a partir da Carta de 1934, à semelhança do que previa a Carta weimeriana de 1934, em seu art. 36.

O comando legislativo constitucional expresso no § 3º, do art. 58, da nossa Carta Política Federal não deixa que as demais Constituições dos Estados-membros – ou legislações infraconstitucionais – desbordem para um quorum maior, exigível para a constituição desse colegiado investigatório, podendo, se quiser, prever até um quorum bem menor, porém nunca superior a um terço dos membros que compõem a respectiva Casa Legislativa.

O princípio que foi valorizado pelo constituinte originário na constituição das Comissões Parlamentares de Inquérito foi o de assegurar às minorias o direito de fiscalizar, e compor com a maioria, a Administração Pública em seu diversos segmentos, ante o pluralismo político insculpido entre os princípios fundamentais que conformam a nossa República e o seu Estado Democrático de Direito (CF.: art. 1º , caput, e seu inciso V).

A missão do Poder Legislativo, por força das disposições constitucionais e da Teoria do Estado Democrático, está ligada à sua responsabilidade política de vigilância sobre os fatores que contribuem para que a máquina do Estado não seja objeto de negligência, desonestidade, incompetência, desmandos e prepotência. Enfatiza BARACHO (5).

É justamente na categoria das comissões parlamentares temporárias que se enquadram as Comissões Parlamentares de Inquérito, dado o caráter de temporalidade curta prevista legalmente, requisito formal esse que impede seja a investigação vaga e destituída de objetivo legislativo e que venha a expor à execração pública, por tempo indeterminado, indivíduos e instituições.

Assim, os parlamentares integrantes das Comissões de Inquérito passam a ser juízes de instrução criminal (se for o caso), podendo adotar todas as providências exigidas no correr da instrução e/ou investigação que, normalmente deveriam ser efetuadas pelo impulso oficial previsto no art. 262, do CPC, ou art. 5º, do CPP.

Nessa variável de ordem tecno-jurídica o Poder Legislativo, através de uma Comissão Temporária, instaura um juízo político e temporal de instrução para – como se fossem os membros desse colegiado autoridades judiciais –, procederem à investigação necessária à instrução processual a ser perseguida judicialmente pelo Ministério Público, se for o caso, como dita a Constituição.

Destarte, no desenvolvimento desse mister os membros das CPI’s podem adotar todas as providências necessárias que normalmente viriam a ser tomadas na via processual ordinária pelos membros do Poder Judiciário.

Essa matriz é de aplicabilidade obrigatória para os demais entes federativos, assim como a legislação infraconstitucional que faz o regramento procedimental desse instituto político-legislativo (Lei Nacional 1.579, de 18 de março de 1952, amplamente recepcionada pela nossa atual Carta Política) e a legislação processual civil e penal, como subsidiadoras do regramento balizador dos procedimentos a serem adotados no decorrer dos trabalhos das CPI’s.

Ainda é BARACHO (6) quem nos dá notícia de que VANOSSI, ressaltando a afirmativa de LEON DUGUIT (7), “(…) destaca que a Comissão de Investigação Parlamentar pode realizar todos os atos que levam ao esclarecimento do modo como funcionam os serviços públicos. Porém não devem executar atos que, normal ou legalmente, sejam da competência de funcionários administrativos ou judiciais.”

Recentemente, o Senado Federal constituiu uma CPI para investigar possíveis desmandos administrativos e funcionais no Poder Judiciário. Essa Comissão levantou polêmica nacional acerca de sua validade e constitucionalidade. Alguns alegaram que era inconstitucional por ferir a independência dos Poderes constituídos da Nação e de que, estando o Poder Legislativo investido nas funções de Poder investigador de fatos que poderiam ser submetidos ao crivo do Judiciário, aquele – como Poder auxiliar de investigação judicial – não teria competência constitucional para investigar o Poder principal, em matéria de exclusiva competência deste.

O mestre mineiro, OLIVEIRA BARACHO (8), disserta que: “Diversas considerações teóricas surgem no exame do problema da faculdade investigativa do Congresso, quando seu exercício recai sobre questões que estão sendo simultânea ou paralelamente investigadas e julgadas por órgãos do Poder Judiciário. A atuação do Judiciário em nada impede o exercício das funções congressionais. São coisas distintas que têm âmbitos separados e fins diversos. A investigação parlamentar responde ao propósito de acumular informações necessárias ao Congresso ou às Câmaras, para que possam agir com acerto e eficácia no exercício de suas competências constitucionais. A investigação parlamentar não leva a uma condenação ou a um pena, salvo em caso de juízo político e sem prejuízo do processo penal posterior.”

E arremata: Não se confunde “juízo” com “investigação”, isto é, o ato de julgar com o ato de indagar.”(grifos do autor, p. 9).

Aspectos procedimentais

Dentro dos limites postos constitucionalmente à atuação das CPI’s e, conseqüentemente, das Casas Legislativas suas criadoras, encontramos uns de aspecto formal e outros de aspecto material.

Para que esse poder investigador das Casas Legislativas brasileiras torne-se amplo – porém não irrestrito – mas tenha eficácia e legitimidade, será necessária a observância de alguns aspectos procedimentais para a sua realização. Assim, são exigidos, constitucionalmente, alguns requisitos formais, temporais e substanciais que tornam essa investigação restrita ao âmbito da produção legislativa e do poder de fiscalização do Legislativo sobre os demais Poderes integrantes do Estado.

Para que seja criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito serão necessários os seguintes requisitos: requerimento de um terço dos membros componentes da respectiva Casa Legislativa que vai investigar o fato (requisito formal); que haja fato determinado (requisito substancial); que tenha prazo certo para o seu funcionamento (requisito temporal); e que suas conclusões sejam encaminhadas ao Ministério Público, se for o caso.

Do requerimento

O número de assinaturas previsto constitucionalmente para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é fácil de ser materialmente obtido, sendo aconselhável que sempre seja ultrapassado esse quorum mínimo para a sua constituição, para o caso de algum (ou alguns) membro(s) da Casa Legislativa vir(em) a desistir de manter a(s) sua(s) assinatura(s) a comissão deixe de ser criada.

Se o quorum mínimo não for alcançado para a constituição da CPI, ou seja, se não subscreverem o requerimento o número mínimo necessário à sua constituição, este requerimento, se assim entender o autor (ou autores), poderá ser submetido à deliberação do Plenário, que decidirá a respeito da sua aprovação, i.é., da constituição ou não da CPI.

A materialização das Comissões Parlamentares de Inquérito é procedida pelo respectivo presidente da Casa Legislativa que as constituírem, cabendo a esse magistrado do Poder Legislativo a obrigação de fiscalizar a observância desse requisito, antes de determinar a lavratura do ato constitutivo da CPI.

Ainda é na lição de NELSON SAMPAIO que nos arrimamos para fazer essa afirmativa. Diz o renomado mestre:

“Nem por isso se pode afirmar que o presidente é um autômato, se tivermos em mente que lhe cabe verificar se o objeto do inquérito é fato determinado dentro da competência da Câmara que preside. Se faltar esse requisito material do inquérito, o presidente pode – ou, melhor, DEVE – indeferir a constituição da Comissão investigatória.”

Trata-se de uma censura prévia que o Poder Legislativo deve fazer acerca dos seus atos, para que fique preservada a sua imagem de representante popular e séria fiscalizadora dos negócios públicos.

Não satisfeito algum requisito procedimental, i.é., não observado os parâmetros constitucionais postos como balisamento para a constituição de comissão parlamentar de inquérito, o presidente da Casa Legislativa respectiva deverá devolver ao primeiro subscritor do requerimento – e, possivelmente o principal interessado em apurar o fato determinado – para que ele observe as exigências constitucionais para a criação da comissão.

Obedecidos os requisitos mínimos necessários para a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito, o presidente da Casa Legislativa respectiva mandará o requerimento à publicação (que poderá ser no Avulso ou no Diário Oficial de divulgação dos atos legislativos) e tomará todas as providências para o funcionamento da CPI.

Os membros das comissões serão designados pelo Presidente da Casa Legislativa respectiva, depois da indicação por escrito dos respectivos líderes partidários, assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação na respectiva Casa Legislativa. Este comando, em nosso direito constitucional legislado, tem como norma subsidiadora o art. 58, § 1º da CF e o art. 78, do RI, do Senado Federal, que serve de parâmetro para as demais normas regimentais das Casas Legislativas do País.

No caso de haver recusa por parte do titular da presidência, tomarão essas providências os vice-presidentes respectivos, na ordem de sucessão, ou os membros da Mesa Diretora que os substituírem, na forma regimental, à semelhança dos procedimentos a serem tomados na publicação de projetos de leis que vão à sanção do Chefe do Poder Executivo, por ser um direito assegurado à minoria.

Caso nenhuma dessas autoridades queira providenciar a constituição da CPI, caberá a qualquer um dos subscritores interessados ingressar, junto ao Poder Judiciário, com mandado de segurança, solicitando a providência jurisdicional necessária ao cumprimento do que estabelece a Constituição e legislação correlata ao assunto.

Do fato determinado

Algumas vezes, o fato determinado vem delineado objetivamente na justificativa do requerimento de constituição da CPI; outras vezes não, ficando indefinido, com amplitude que elide o espírito norteador desse instituto parlamentar.

O fato determinado tem que ser, desde logo, especificado, delineado no requerimento de sua constituição, com parâmetros concretos que objetivem a ação investigadora da Comissão, nada obstando que sejam múltiplos os fatos a serem apurados por uma mesma Comissão, mas que tenham correlação entre si. Se os fatos objetos de inquérito forem diversos, a CPI dirá, em separado, sobre cada um, podendo fazê-lo antes mesmo de estar concluída a investigação dos demais.

JOÃO DE OLIVEIRA FILHO (9) acentua que: “São investigáveis todos os fatos que possam ser objeto de legislação, de deliberação, de controle, de fiscalização por parte de quaisquer órgãos do Poder Legislativo federal, estadual ou municipal.”

A respeito deste requisito trazemos à colação lição do Prof. NELSON DE SOUZA SAMPAIO (10), que preleciona:

“O segundo requisito constitucional expresso para a criação da comissão investigadora é que o inquérito verse sobre fato ou fatos determinados. Fatos vagos ou imprecisos, que não se sabem onde nem quando se passaram, são meras conjeturas que não podem constituir objeto de investigação. Mas não basta que se aponte um fato determinado para que se justifique o pedido de inquérito. Está implícita a exigência de que se trata de fato que se prenda à atividade legislativa, fiscalizadora ou de esclarecimento público de câmara que vai proceder ao inquérito. Não se pode pedir uma investigação parlamentar sobre a falência de uma firma que não tenha negócios com o poder público, como não se pode pedi-la para descobrir as causas do desquite de determinado casal. Mas é legítimo requerê-la para perquirir o fato determinado (de ordem estatística) do número crescente de falências na praça ou o progressivo índice de desagregação da família.

Uma câmara não pode formar comissão para sindicar os negócios da exclusiva competência da outra. De igual sorte, o Congresso não pode abrir inquérito sobre os serviços administrativos estaduais ou sobre a organização do funcionamento municipal.”

Do prazo certo

Muito embora a incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termine com a sessão legislativa, i. é., no ano em que tiver sido criada (Lei nº 1.579, de 1952, art. 5º, § 2º), nada obsta que, por deliberação da respectiva Casa Legislativa, este prazo seja prorrogado dentro da legislatura em curso, pelo tempo necessário à conclusão de seus trabalhos.

Por sessão legislativa entende-se o período de reuniões da Casa Legislativa durante o ano, dividindo-se essa sessão legislativa em dois períodos legislativos que, normalmente, são intercalados por um recesso parlamentar no mês de julho e outro que começa no mês de dezembro e se prolonga, normalmente, até o final de janeiro; e por legislatura entende-se os quatro anos de mandato dos membros eleitos para os Poderes Legislativos dos Estados-membros ou dos municípios que os integram, assim como dos membros da Câmara dos Deputados.

As CPI’s senatoriais, dada a natureza ‘permanente’ da representação dos Estados-membros no Congresso Nacional podem subsistir além das legislaturas.

A regra pode ser aplicável para a Câmara dos Deputados, cujos membros são todos eleitos para uma única legislatura de quatro anos; mas não se pode dizer o mesmo com relação ao Senado, por ser um corpo continuando de legisladores representantes dos Estados-membros e do Distrito Federal, onde os seus membros são eleitos para um período de oito anos, com representação renovável de quatro em quatro anos , alternadamente, por um e dois terços, ou seja, dividem-se em duas partes os assentos do Senado, onde um terço só fica desocupado ao término de cada Legislatura Congressual de quatro anos e dois terços que sempre continuam para a próxima Legislatura Congressual dos outros quatro anos, salvo as vacâncias que podem acontecer por morte ou renúncia.

Normalmente, o prazo de funcionamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito atinge a noventa dias, prorrogável por, no máximo, igual período, se assim acharem convenientes os seus membros, e vier a ser deliberado pelo Plenário do Poder Legislativo respectivo, podendo funcionar durante o recesso parlamentar, para a consecução de suas finalidades, ocasião em que a contagem desse prazo será corrido; caso contrário, esse prazo interrompe-se durante o recesso parlamentar.

Este prazo, se dilatado por mais tempo do acima recomendado, torna intempestiva a finalidade e a própria conclusão da investigação, que requer medidas e providências imediatas para que não haja demora na sanção a ser imposta aos possíveis culpados, assim como sua finalidade não se torne vaga, sem finalidade legislativa.

Não sendo os poderes de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito um fim em si mesmo – como já dito –, mas apenas, tão-somente, visando o aprimoramento do direito legislado de um determinado lugar, as suas conclusões – se culpados forem encontrados – deverão ser encaminhadas ao Ministério Público, para que este, como dominus litis, faça a persecutio na esfera judicial competente.

Aspectos legais infraconstitucionais

A legislação infraconstitucional que regula os procedimentos a serem seguidos pelas CPI’s, no Brasil, é constituída basicamente das seguintes normas: da Lei Nacional (porque válida para todos os Entes da Federação) nº 1.579, de 18 de março de 1952 (DOU de 18.3.52); dos regimentos internos das Casas Legislativas respectivas, onde funcionarem esses colegiados temporários, das codificações processuais penal e civil; das leis que tratam da quebra do sigilo telefônico e do sigilo bancário, e outras correlatas ao desenvolvimento dos trabalhados da comissão.

Ao dar amplitude nas ações de pesquisas destinadas à consecução das finalidades a que se destinam as CPI’s, a norma estabelecida no art. 1º da Lei 1.579, de 1952, foi alçada a nível constitucional, com outra roupagem, entendida como poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros (poderes) previstos nos regimentos das respectivas Casas Legislativas.

Assim, se o regimento interno da Casa Legislativa respectiva vier a prever outros poderes necessários à investigação objeto das Comissões Parlamentares de Inquérito, estes poderes estarão legitimamente albergados pela Constituição, que estabeleceu uma norma em branco para os Poderes Legislativos dos Entes federativos, no estabelecimento dos procedimentos regimentais a serem obedecidos pelas CPI’s, e a darem-lhe legitimidade.

Alguns procedimentos estão previstos legalmente a serem exercitados, tanto pelas CPI’s como pelas Casas Legislativas que as criarem, no mister de suas finalidades, tais como: diligências; convocação de auxiliares do Poder Executivo; tomada de depoimento de qualquer autoridade, no âmbito de abrangência – ou circunscrição – da Casa Legislativa respectiva; pedidos de informações; requisição de documentos e deslocamento de seus membros a qualquer lugar onde se fizerem necessárias as suas presenças, para apuração in loco dos fatos e/ou documentos ali encontrados.

Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, onde ficaram protegidos a inviolabilidade à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X), assim como o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – com ressalva de ordem judicial, neste último caso, e mesmo assim, nas hipóteses e forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII) –, não raras vezes as CPI’s defrontam-se com questões judiciais e de conflito institucional frente ao Poder Judiciário, para onde buscam proteção aqueles que se acham violados em seus direitos pelas CPI’s.

Duas questões há que se levantar aqui no tocante a quebra dos direitos há pouco enumerados: 1) com referência ao sigilo bancário, telefônico o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 16 de setembro, o mandado de segurança nº 23.452, firmou o entendimento de que as Comissões Parlamentares de Inquérito, para decretarem, legitimamente, a quebra do sigilo bancário, fiscal e/ou telefônico de pessoas por ela investigadas, têm que fundamentar a necessidade dessas medidas, à semelhança do que ocorre com as decisões judiciais a esse respeito; 2) a ordem a ser perseguida judicialmente para a preservação do sigilo telefônico é de mandado de segurança, e não de habeas corpus como entendem alguns juristas, valendo esse entendimento para todo e qualquer procedimento tomado pela CPI que viole qualquer direito fundamental inscrito na Constituição, devendo a ordem de habeas corpus ser requerida somente para quem se achar no direito de não comparecer perante aquela comissão investigadora, e mesmo assim, com fundamentada razão ensejadora do remédio heróico.

Exemplo desse entendimento verifica-se da decisão tomada pelo STF ao decidir o HC 79.441-DF, em que foi relator o Min. Octavio Gallotti, em 24.11.99, no qual o paciente, desembargador de Tribunal de Justiça, convocado para prestar depoimento à CPI do Judiciário, obteve a concessão do writ sob a seguinte fundamentação: o Tribunal, considerou que, no caso, buscava-se investigar decisões judiciais do magistrado e não atos administrativos por ele praticados, deferindo o pedido para que não fosse o paciente submetido à obrigação de prestar depoimento, com base no art. 146, b, do Regimento Interno do Senado Federal (” Art. 146. Não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes: … b) às atribuições do Poder Judiciário;”), norma esta decorrente do princípio constitucional da separação e independência dos Poderes.

Nota-se que até mesmo a legislação nacional que trata dos procedimentos a serem tomados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito tem o cuidado de remeter ao juízo criminal da localidade em que resida ou se encontre o depoente (indiciado ou testemunha) a sua intimação, no caso de não-comparecimento àquele colegiado investigador, sem motivo justificado.

Para o bom e perfeito andamento das CPI’s, devem os seus membros pautarem os seus comportamentos, atitudes e decisões de acordo com a separação dos poderes constituídos, já que a outorga constitucional de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais não significa que tomem, os seus integrantes (ou o colegiado em si), atitudes contra os administrados, fora do âmbito de suas reuniões, diferentes das atitudes que tomariam os juizes e magistrados no exercício de suas funções institucionais.

A expressão poderes próprios das autoridades judiciais significa que os poderes a serem exercidos pelos membros das CPI’s circunscrevem-se ao âmbito de suas reuniões, nas tomadas de depoimentos, na oitiva de testemunhas e investigados, nas próprias investigações, nas requisições de documentos e diligências que reputarem necessárias para o desempenho de seus misteres.

Poder de investigação não se confunde com atos de jurisdição – stricto sensu – agindo com abuso de poder a CPI que vier a praticar constrangimento ilegal ao administrado, violando-lhe direito assegurado constitucionalmente, tais como os previstos no art. 5º, incs. X e XII, da Carta Fundamental.

Por não indiciar ninguém e nem tampouco imputar a alguém fato delituoso, as pessoas que por ela forem convocadas a prestarem seus depoimentos o fazem na condição de testemunha, com a obrigação legal de contribuírem, com o que souberem e lhes for perguntado, para o esclarecimentos do(s) fato(s) objeto da investigação parlamentar, ressalvada a hipótese da auto-incriminação, quando poderão invocar, então, a garantia constitucional inscrita no art. 5º, inciso LXIII, da Carta Magna Federal.

A testemunha quando chamada para ser ouvida pela CPI deverá narrar somente aquilo que sabe, que viu ou percebeu pelos seus sentidos, sendo-lhe vedado dar opiniões, emitir pareceres, porque testemunha só informa, não opina (art. 213,CPP).

As pessoas chamadas a depor, na condição de testemunha, perante as CPI’s, poderão fazer-se assistir por advogado legalmente habilitado, o qual não tem o direito de participar diretamente das respostas a serem dadas pelo seu constituinte ou cliente.

No caso de testemunha, se regularmente intimada, e esta não vier a comparecer sem motivo justificado perante a CPI, o seu presidente deverá requisitar da autoridade judiciária competente da localidade onde se encontre o depoente o seu comparecimento sob vara em dia e hora a ser previamente estabelecido pela Comissão ou por seu presidente, se assim prever o Regimento Interno da Casa Legislativa inquisidora.

Notas

Teoria Geral das Comissões Parlamentares, Forense, 1988, p. 4-5

VANOSSI, Jorge Reinaldo A. El Poder de Investigación del Congresso Nacional. Boletin Mexicano de Derecho Comparado, Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM, México, nova série, ano IX, nº 27, set./dez., 1976, p. 407 e segs. “Apud” José Alfredo de Oliveira Baracho “in” Teoria Geral das Comissões Parlamentares.

Ob. Cit. P. 33.

Esta justificativa de Ehrhardt Soares também é citada por PINTO FERREIRA in Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, vol. III, p. 60; e por JOSÉ NILO DE CASTRO in A CPI Municipal, Del Rey, 1994, p. 23.

Ob. Cit., p. 1.

Op. Cit., p. 8.

DUGUIT, Léon. Traité de Droit Constitutionnel, vol. IV. L’Organisation Politique de la France, E. de Boccard, Sucesseur, Paris, 1924, ps. 390 e 391, “Apud” José de Oliveira Baracho “in” Teoria Geral das Comissões Parlamentares.

Ob. Cit., p. 8.

Comissões Parlamentares de Inquérito, Revista Forense, vol. 151, p. 12.

Do Inquérito Parlamentar, Rio, FGV, 1964, p. 35.

*José Maria de S. Martinez
Advogado em Belém e técnico em assessoramento legislativo da Assembléia Legislativa do Estado do Pará

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