por Adolfo Braga Neto e Flávia Bittar Neves
Completados oito anos de vigência da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), pode-se dizer que o mercado brasileiro encontra-se definitivamente aberto para as instituições arbitrais. Se antes da referida Lei poucas eram as instituições arbitrais existentes no Brasil, atualmente o cenário é outro: não só existem várias entidades administradoras de procedimentos arbitrais no país que trabalham de forma séria e idônea, como também, infelizmente, vivemos um momento de proliferação de entidades fraudulentas.
Obstáculos jurídicos que existiam no passado — como a falta de obrigatoriedade da cláusula compromissória, necessidade de homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário e ratificação pelo Brasil da Convenção de Nova York — foram superados, incentivando aqueles que acreditaram na arbitragem e foram os precursores da cultura arbitral no Brasil, e, conseqüentemente do desenvolvimento das instituições arbitrais, como dirigentes, árbitros e advogados dos usuários do instituto.
Ao retirar os obstáculos que dificultavam a utilização da arbitragem no Brasil, a Lei 9.307/96 possibilitou a ampliação do número de instituições arbitrais e dos casos por estas administrados. Dados do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima) apontam que, de 1999 a 2003, o número de casos soma 13.652 e o número de instituições saltou de 18 em 1997 para 77 em 2003.
Entretanto, a evolução do direito arbitral no Brasil e a consolidação das instituições arbitrais locais têm esbarrado em atividades de entidades e pessoas imbuídas de má-fé ou de total desconhecimento dos princípios éticos e jurídicos previstos na Lei de Arbitragem e que devem pautar o procedimento arbitral.
Desde 2001 a imprensa vem noticiando a existência de instituições irresponsáveis e inidôneas que comprometem de forma grave o trabalho sério e persistente das instituições que há muito se empenham em disseminar a cultura da arbitragem no Brasil. Trata-se de instituições que, utilizando-se de nomenclaturas, siglas, emblemas, brasões da República, etc, buscam confundir o usuário do instituto da arbitragem, levando-os a crer que estão levando suas controvérsias a pseudos órgãos públicos regulados pela Lei de Arbitragem.
Com efeito, têm-se observado alguns absurdos no âmbito de certas instituições, como estabelecer competência territorial de “primeira, segunda e terceira instâncias”, “comarcas”, “tribunais de alçada arbitral”, “tribunal de justiça arbitral internacional”, “poder judiciário arbitral”, “supremo tribunal de justiça arbitral” ou “corte internacional de arbitragem”.
É preciso que se esclareça, de uma vez por todas, que o termo “tribunal arbitral”, citado pelo legislador, refere-se tão somente ao colegiado de árbitros indicados pelas partes para solucionar determinada controvérsia, não podendo ser usado para designar uma instituição arbitral, cuja função é administrar o procedimento arbitral nos termos de seu próprio regulamento e da Lei de Arbitragem.
Este é um alerta que vale para toda a sociedade, para que, ao optarem pela arbitragem, tomem alguns cuidados, tais como:
1) buscar conhecer a instituição que prestará o serviço, através de consultas e visitas pessoais, antes de nomeá-la na convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral);
2) conhecer os profissionais que nela atuam, tanto na coordenação do procedimento quanto na administração da instituição;
3) buscar informações sobre a forma de seleção dos árbitros que compõe a Lista de Árbitros da entidade, se houver, bem como sobre a possibilidade de indicação de profissional que não integre a referida lista;
4) exigir currículo ou informações da vida profissional daqueles que estarão à frente do procedimento;
5) buscar conhecer as impressões das partes que utilizaram o serviço naquela instituição;
6) exigir a entrega do regulamento de arbitragem da instituição e tomar conhecimento de seu conteúdo antes de elege-la para administrar o procedimento.
Recomenda-se evitar o acesso a entidades que usam, em seus folhetos, folders ou papéis timbrados, símbolos que lembrem aqueles utilizados pelos órgãos do Poder Judiciário, bem como determinados termos que devem ser evitados, como juiz arbitral, juízo arbitral, tribunal arbitral, corte, profissão árbitro, posse solene de árbitro, carteirinha para árbitros, comarca, alçada.
Enfim, tudo aquilo que gere a falsa idéia ao usuário de estar em um órgão público ligado ao Poder Judiciário. É preciso manter distância de instituições que se identifiquem ou se enquadrem em distintos graus de instância, determinados por jurisdições territoriais. Esta premissa está baseada no paradigma da Justiça estatal que não está em conformidade aos paradigmas da arbitragem.
Ademais, verifica-se que há instituições que se dizem administradoras de procedimentos arbitrais e apresentam números fabulosos de casos administrados e receita, mas que, na verdade, limitam-se a homologar acordos sob forma de sentenças arbitrais, simulando procedimentos que não obedecem aos trâmites legais.
Muitas vezes, não há convenção de arbitragem que vincule as partes e nem mesmo nomeação de árbitros pelas mesmas, que são simplesmente chamadas pelo oponente, induzidas a fazerem acordos, intermediados por árbitros pré-determinados pela entidade administradora, e acabam por assinar um acordo que ganha a eficácia de título executivo judicial, impedindo que o direito volte a ser discutido na esfera judicial ou mesmo arbitral. Estas são as chamadas entidades “homologadoras de acordo”.
A atuação destas instituições tem gerado polêmica e afeta a credibilidade das instituições arbitrais no Brasil, colocando em risco o trabalho honesto e qualificado das entidades que se propõem a fazer certo a coisa certa.
A parceira com o poder público será decisiva para pôr fim a estes desvios. Com efeito, a cooperação como o poder público é fundamental e deve não somente continuar a vir sob a forma de decisões que garantam a eficácia do procedimento arbitral como, felizmente, vem ocorrendo, mas, sobretudo ser intensificada com o exercício do controle e uso de seus poderes coercitivos tanto por parte dos Ministérios Públicos estaduais e federal quanto dos Tribunais de Justiça estaduais, para que possam efetivamente punir e coibir as equivocadas e prejudiciais ações dessas instituições sem qualquer seriedade.
Desta forma, cumpre aos futuros usuários da arbitragem, seus advogados e profissionais interessados em atuar como árbitros, saber distinguir as entidades sérias daquelas que, ao não observarem os princípios éticos e jurídicos preconizados na Lei de Arbitragem, são consideradas fraudulentas, não se deixando seduzir por falsas promessas de solução milagrosa a custos ínfimos e prazo recorde, de modo a inibir a atuação de instituições que só têm em mente o enriquecimento ilícito às custas da falta de conhecimento da sociedade.
Revista Consultor Jurídico