O governo de Minas Gerais, bem como os demais governos estaduais, tem reiteradamente restringido o direito dos contribuintes de utilizarem seus créditos decorrentes da aquisição de materiais de construção para integralização de bens imóveis ao ativo permanente.
Assim, sob a ótica do Fisco, a empresa que constrói ou reforma um bem imóvel não pode se compensar dos créditos advindos da aquisição dos materiais de construção, que são exclusivamente utilizados para integralização do bem ao ativo permanente.
Todavia, resta claro que as Fazendas dos Estados estão infringindo o tão respeitado Princípio da não-cumulatividade, uma vez que veda o direito a compensação dos referidos créditos.
O art. 155, §2°, inciso I, da Constituição Federal de 1988, estabelece o direito dos contribuintes à compensação do imposto que incide na operação anterior com o montante devido na operação posterior. Vale dizer que em decorrência de tal princípio a aquisição de mercadoria gera a tributação do ICMS e, ao mesmo tempo, atribui ao contribuinte o direito ao respectivo crédito.
Assim, a Carta Maior garante aos contribuintes que, nas operações de vendas que promoverem, possam transferir aos adquirentes o ônus do imposto que adiantará ao Estado, e ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou em suas aquisições anteriores.
Nesse sentido, o nosso ilustre jurista, Roque Antonio Carraza, bem asseverou que: “o citado tópico ‘compensando-se o que for devido em cada operação (…) ou prestação´exige que seja adotado um sistema de abatimento, ou, se preferirmos um mecanismo de deduções. Não estamos, na hipótese, diante de simples recomendação do legislador ordinário, nem o administrador, nem muito menos, o interprete pode desconsiderar. Noutro falar, o método da compensação é diretriz constitucional, pela qual surge o ICMS ´não cumulativo’.” (1)
A própria Constituição Federal disciplina, ainda, e excetua taxativamente as hipóteses em que a operação realizada não dará direito ao crédito, conforme dispõe no art. 155, §2, inciso II.
Deste modo, constata-se que a Carta Maior elenca as hipóteses em que não será permitida a aludida compensação, sendo que nos demais casos a não-cumulatividade é ampla e irrestrita, não podendo, portanto, o legislador infraconstitucional ou a própria administração tributária dispor de maneira diversa.
Tanto assim, que a própria legislação infraconstitucional, qual seja, a Lei do ICMS (LC nº 87/96), garante aos contribuintes o direito de se creditar das mercadorias adquiridas para integralizar o seu ativo permanente, conforme dispõe o seu art. 20.
Corroborando o direito do contribuinte em se compensar dos créditos oriundos da aquisição de materiais de construção, para integralizar o bem imóvel ao ativo permanente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais recentemente proferiu uma ilustre decisão favorável, nos seguintes termos:
“Ação anulatória de débito fiscal. PTA que estornou creditamento de ICMS oriundos de aquisição de mercadorias destinadas ao ativo permanente da empresa. Princípio da não-cumulatividade. Mandamento constitucional que não pode ser restringido por norma infraconstitucional.” (2)
Transcrição do voto do Relator:
“A demanda gira em torno da legitimidade da imposição pelo fisco à apelada, do estorno de créditos de ICMS aproveitados por ‘aquisição de materiais de construção destinados a edificação de sua nova fabrica (…).’
Verifica-se, pois que o comando constitucional e infra-constitucional incluso na LC que, por determinação do legislador constituinte, foi editado com o fim de disciplinar a não-cumulatividade do ICMS , previram a hipótese de compensação dos créditos relativos a entrada de mercadorias destinadas ao ativo permanente do contribuinte, sendo, portanto, ilegítima a atitude do fisco que pretende o estorno das operações que são acobertadas pelo comando constitucional.
Se o direito à não-cumulatividade é garantido pela Carta Magna, só ela poderá reduzir-lhe ou condicionar-lhe o contorno, sendo dado ao comando legal inferior apenas regulamentar aquilo que já é garantido pela Carta Magna, mas nunca restringi-lo.”
Ante o exposto, fica cristalino que o Fisco Estadual, bem como o legislador infraconstitucional não pode limitar os direitos do contribuinte.
No caso do Estado de Minas Gerais, a ilegalidade vai um pouco além, pois tal restrição baseia-se em uma instrução normativa, qual seja, IN DLT/SER n° 01/98, a qual interpreta que os materiais de construção tratam-se de mercadorias alheias a atividade desempenhada pelos contribuintes.
Imperioso destacar que a função da Instrução Normativa é somente regular a conduta da própria Administração, não podendo em hipótese alguma contrariar lei, quanto muito a Constituição Federal.
Nesse sentido, tendo em vista a disposição expressa contida na Constituição da República (art. 155, §2°, I e XII, c), não há qualquer possibilidade para que uma mera instrução normativa inove no campo da compensação dos créditos de ICMS, prejudicando o direito dos contribuintes.
Finalmente, importante destacarmos que não é por motivos extrafiscais (déficit público) que os governos estaduais podem livremente ultrapassar os limites estabelecidos pela Carta Magna, pois assim fosse, o Princípio da não-cumulatividade não mais seria uma garantia constitucional, mas sim uma mera liberalidade concedida pelos Estados — o que soa um absurdo!
Referências bibliográficas:
(1) Carrazza, Roque Antonio, ICMS, 7ª edição, 2001, pág. 234/235.
(2) Apelação Cível n° 324219-5/00, Relator Corrêa de Marins, DJ 10/06/03.
Alfredo Bernardini Neto é advogado do escritório Mesquita Ribeiro Advogados