Vinícius Garcia Vieira
Acadêmico do 7º semestre do Curso de Direito da UFSM
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2. Compromisso de Compra e Venda. Noções Gerais. 3. Adjudicação Compulsória. Características. 4. Ação de Execução de Obrigação de Fazer. Possibilidade ao promitente comprador. 5. Ação Condenatória de Obrigação de Fazer. Tutela Diferenciada. 6. Considerações Finais. 7. Bibliografia
1 – Introdução
De longa data, a doutrina brasileira vem discutindo sobre a possibilidade de adjudicação compulsória, com a finalidade de obter a escritura definitiva, no compromisso de compra e venda de imóveis não averbado no Cartório de Registro de Imóveis. Esse debate envolve questões de direito processual e direito material, revelando, com isso, os seus estreitamentos de laços.
O compromisso de compra e venda tem sua regulamentação legal, atualmente, no Decreto-lei nº 58/37, regulamentado pelo Decreto-lei nº 3.079/38, com as alterações feitas pelas Leis nº 649/49 e 6.014/73. Há, ainda, a Lei nº 6.766/79 que regulamentou o parcelamento do solo urbano, que derroga em parte o Decreto-lei nº 58/37, no que se refere a imóveis urbanos, permanecendo esta norma com sua aplicação integral aos imóveis rurais.
O Decreto-lei nº 58/37 estabeleceu, inicialmente a obrigatoriedade do registro dos loteamentos, atribuindo eficácia real aos imóveis loteados. A Lei nº 649/49 estendeu esse regime aos imóveis não-loteados, se preenchida as condições de não terem cláusula de arrependimento em seus contratos de compromisso de compra e venda, e serem registrados no Cartório de Registro de Imóveis. Pelo art. 5º daquele Decreto-lei, o registro do contrato confere direito real ao compromissário, oponível contra terceiros quanto à alienação ou oneração posterior.
No art. 15 o Decreto-lei nº 58/37, atribuiu ao promissário o direito de exigir a outorga da escritura, quando antecipado ou ultimado o pagamento do preço. E o art. 16 conferiu ao compromissário-comprador a ação de adjudicação compulsória, caso o compromitente-vendedor se recusasse à outorga da escritura. No art. 22 é concedida a ação de adjudicação, se o contrato for sem cláusula de arrependimento.
Porém, há a exigência, por uma interpretação exegética da lei, de que o contrato de compromisso de compra e venda seja registrado para possibilitar a ação de adjudicação. Ocorre que, a doutrina, acompanhada pela jurisprudência, vem se firmando no sentido de ser prescindível o registro do contrato para o ingresso da ação de adjudicação compulsória.
Nesse nível de considerações, cabe ressaltar que se abrem, ainda, mais duas possibilidades de ser obtida a escritura definitiva. Primeiro, através da ação de execução da obrigação de fazer, embasada no art. 639 e ss do CPC. Segundo, pela ação condenatória de obrigação de fazer, fundamentada no art. 461 do CPC, com redação dada pela Lei nº 8.952/94. Assim, há três possibilidades a serem consideradas, quais sejam: a ação de adjudicação compulsória, fundamentada nos arts. 15, 16 e 22 do Decreto-lei nº 58/37; a ação de execução de obrigação de fazer; ou a ação condenatória de obrigação de fazer.
Na tentativa de esclarecer o debate, o presente trabalho irá, inicialmente, fazer uma abordagem do contrato de promessa de compra e venda, em seus aspectos de direito pessoal e real, a fim de estabelecer a necessidade ou não da eficácia real do contrato, como premissa à ação de adjudicação compulsória.
Em seguida, será abordada a ação de adjudicação compulsória em seus aspectos processuais, buscando aclarar a natureza de sua pretensão, ligada ao direito real ou pessoal decorrente do contrato de compra e venda. Por conseguinte, mister abordar a ação especificada no art. 639 e ss. do CPC, apresentando os seus principais aspectos ligados ao contrato de compromisso de compra e venda. Por último, será apresentada a tutela diferenciada para as obrigações de fazer ou não fazer, estabelecida no art. 461 do CPC, restringindo seu foco para o tema deste trabalho.
Cabe ressaltar que este trabalho não tem a pretensão de esgotar a discussão calorosa no âmbito do contrato de promessa de compra e venda, senão enriquecer o debate, tornando-o cada vez mais frutífero e proveitoso para todos os estudiosos do direito, pois a discussão acadêmica mantém viva o direito como verdadeira ciência humana.
2 – Compromisso de compra e venda. Noções Gerais.
O contrato de promessa de compra e venda se enquadra como um contrato preliminar, decorrendo daí sua diferença com as negociações preliminares, pois possui todos os requisitos de contrato perfeito e acabado. O contrato preliminar ocorre em razão de as partes não pensarem ser oportuno realizar a contratação definitiva, mas também querem algo já deixar contratado, sob pena de perder toda a fase preparatória ao contrato definitivo, prevendo, através do contrato preliminar, um futuro contrato.
Há que se lembrar que o compromisso de compra e venda, caracterizado como contrato preliminar, deve ter seu inadimplemento analisado sob o ângulo contratual, pois torna claro que as partes querem um contrato, mas não querem que seus efeitos operem todos de imediato. Por isso, verifica-se que o compromisso de compra e venda já possui um efeito vinculativo negocial, mais sentida quando a promessa é irretratável. Dessa forma, aplica-se ao compromisso de compra e venda as disposições do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) referente ao contrato preliminar.
Destaca-se a importância do art. 463 do novel estatuto, segundo o qual cumpridas as obrigações do contrato preliminar e sendo ele irretratável, portanto sem cláusula de arrependimento, a parte pode exigir sua execução específica. Em seu parágrafo único, apesar de ter o termo deverá, entende-se que o interessado poderá levar ao registro o contrato preliminar.
Complementando tal entendimento, em seu art. 464, o Novo Código Civil dispõe que o juiz poderá suprir a vontade da parte inadimplente, a pedido do interessado, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar. Aplicando tais regras ao compromisso de compra e venda de imóveis, verifica-se que é possível a busca da prestação jurisdicional para a outorga da escritura definitiva, de acordo com os meios que o estatuto processual oferece.
Pelo já exposto até aqui, destacou-se o direito pessoal existente entre os partícipes do ajuste. Nesse sentido, cabe lembrar a observação de Arnaldo Rizzardo ao dizer que “o contrato de promessa de compra e venda ou compromisso de compra e venda – pactum contrahendi – é um verdadeiro contrato, regulado por leis especiais, que tem por objeto uma prestação de fazer, prestação esta consistente na celebração de outro contrato, o definitivo”[i].
Complementa Arnaldo Rizzardo que: “propondo-se alguém a concluir contrato ou outro negócio está incluída a obrigação de fazer na relação bilateral. Sendo esta a natureza da promessa de compra e venda, tem a finalidade de prestação de um ato, o qual se encontra no corpo dos arts. 16 e 22, do Decreto-lei 58/37, quanto aos imóveis loteados e já pagos e imóveis não loteados e sem cláusula de arrependimento.”[ii]
Feita a exposição do compromisso de compra e venda como direito pessoal, necessário se faz abordar a sua consideração como direito real, do compromitente-comprador, caso haja sido registrado o referido contrato. Nesse sentido, inovou a Lei nº 10.406/2002, que traz previsão expressa em seu art. 1225, inc. VII, do direito do promitente comprador do imóvel como direito real.
O novo estatuto civil exige o registro do contrato de compromisso de compra e venda para a aquisição do direito real, seja ele por instrumento público ou particular. Em seu art. 1.418, refere que pode o titular do direito real exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, de acordo com o pactuado no contrato, e, havendo recusa, poderá requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Nesse sentido, destaca Sílvio Venosa que “à obrigação foi conferida eficácia real. O negócio, contudo, não perde suas características contratuais, pois muitas são as relações obrigacionais decorrentes para as partes. A intenção da legislação é colocar a salvo os direitos do comprador que cumpre integralmente suas obrigações contratuais, ficando indene de ameaças de terceiros.”[iii]
O direito real atribuído ao promitente comprador, confere ao contrato eficácia erga omnes, mas esse caráter não afasta a natureza de direito pessoal do contrato de promessa de compra e venda. Assim, pode-se concluir que o registro do contrato preliminar não constitui requisito imprescindível à provocação da tutela jurisdicional, com a finalidade de outorga da escritura definitiva, posição essa predominante na doutrina e jurisprudência. Em julgamento do Resp. nº 9945-SP, o STJ decidiu que a obligatio faciendi, assumida pelo promitente vendedor, pode dar ensejo à adjudicação compulsória, não sendo necessário o registro do contrato, a não ser para a produção de efeitos relativamente a terceiros.[iv]
O compromisso de compra e venda de imóveis coaduna eficácia de direito real, assegurada somente com o registro do contrato no Cartório competente, com a relação de direito pessoal decorrente da celebração do contrato. Esse direito pessoal irá gerar pretensões de direito pessoal, que irão fundamentar a busca pela jurisdição, não estando condicionada, portanto, ao registro daquele contrato.
3 – Adjudicação Compulsória. Características.
Ocorrendo a negação do compromitente-vendedor em transmitir a escritura definitiva, pode o compromissário-comprador valer-se da ação de adjudicação compulsória para obter a outorga da escritura definitiva. Segundo Arnaldo Rizzardo, “o Estado deve socorrê-lo, como de fato acontece. Chamado a intervir, com sua autoridade impõe o cumprimento da obrigação, mediante uma sentença constitutiva, suprindo a manifestação espontânea do consentimento do inadimplente.”[v]
Inicialmente, entendia a doutrina e a jurisprudência que tal ação só era possível caso houvesse o registro do contrato, pois faltaria interesse de agir ao autor da ação, no caso o compromitente-comprador, se o contrato não fosse registrado. A matéria passou por longa evolução durante os anos de vigência da legislação.
Esse entendimento inicial, baseava-se em considerar a pretensão, na ação de adjudicação compulsória, como de natureza real. Por esse entendimento, o registro do contrato criava a obrigação ao promitente vendedor de transmitir a escritura definitiva do imóvel. Porém, sabe-se que tal obrigação surge da relação pessoal existente entre as partes contratantes, que revelam a intenção de concluir o contrato “principal”, ou seja, a escritura definitiva. Assim, não há como entender pela necessidade do registro do contrato condição à propositura da ação de adjudicação compulsória, pois a pretensão que sustenta tal instituto processual é de natureza pessoal, eis que surge da relação inter partes, e não do registro do contrato.
Atualmente está superada tal concepção inicial, pois as decisões mais recentes têm permitido a adjudicação compulsória mesmo sem o registro. Sílvio Venosa afirma que a jurisprudência homogênea do Superior Tribunal de Justiça admite prescindir o compromisso de compra e venda do registro imobiliário para possibilitar a adjudicação compulsória.[vi] Tanto é assim, que a Súmula nº 239 do STJ traz o entendimento pacífico deste Tribunal no sentido de permitir a ação de adjudicação compulsória baseada no contrato sem o registro cartorial.
Caracteriza-se tal ação pelo rito sumaríssimo, atualmente sumário, conforme prescrito no art. 16 do Decreto-lei nº 58/37. Nos parágrafos do referido artigo, estão estabelecidas as condições de admissibilidade da ação, entre eles o cumprimento das obrigações. Como condição primeira para esta ação, o preço deve estar, evidentemente integralizado. A outra condição seria o registro do contrato, que já foi superada, conforme demonstrado pelo entendimento do STJ, expresso na Súmula nº 239. Cabe ressaltar que a sentença valerá como título hábil para o registro.
No art. 22 do referido Decreto-lei, assim está estabelecido: “Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direito de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos do art. 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil.”
Por essa disposição, estendeu-se aos contratos de imóveis não loteados, desde que não haja cláusula de arrependimento, a possibilidade de ação de adjudicação compulsória. De outra banda, esclarece Arnaldo Rizzardo que “os arts. 640 e 641 fazem parte da regulamentação do processo de execução de obrigação de fazer, que tenha como objeto um contrato e este vise a transferência da propriedade de coisa determinada.”[vii]
Dessa maneira, a execução prevista no art. 640, surge como alternativa ao promitente comprador que não tem seu contrato registrado, na tentativa de evitar toda a discussão quanto ao cabimento da ação de adjudicação compulsória baseada em contrato não registrado. Por essa opção, ressalta o caráter de instrumentalidade do processo, garantindo uma efetiva prestação jurisdicional, ao mesmo tempo que disponibiliza ao promitente comprador a satisfação de seu direito.
4 – Ação de Execução de Obrigação de Fazer. Possibilidade ao promitente comprador
Em virtude de persistirem resquícios da concepção arcaica que considera necessário o registro do contrato de promessa de compra e venda, para o ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, a jurisprudência tem utilizado os arts. 639 e ss do CPC, para possibilitar a tutela jurisdicional ao promitente comprador não investido em direito real, agora positivado no Novo Código Civil em seus arts. 1.225, inc. VII, 1.417 e 1.418.
Tal ação está prevista no Título II do CPC, que trata das várias espécies de execução no processo civil brasileiro. Em seu Capítulo III, Seção II, trata especificamente da ação de execução da obrigação de fazer. No art. 639, estabelece o seguinte: “se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.”
Por esse dispositivo, o autor obtém uma sentença que substitui a declaração de vontade da parte compromissada, sendo documento hábil para o registro da escritura definitiva. Nesse sentido, Sílvio Venosa argumenta que a execução específica mune a parte de um título jurídico com os mesmos efeitos da declaração, quando isto for possível, ou determina o pagamento de indenização substitutiva.[viii]
Execução específica é aquela que se faz mediante a entrega do bem devido, in natura, espécie de execução própria, pois visa resultados materiais satisfativos diretamente por obra dos agentes executivos estatais. Porém, há que se atentar para a observação de Humberto Theodoro Júnior, segundo o qual “os atos de satisfação específica, porém, nem sempre são praticáveis pelos agentes do judiciário. Por isso, às vezes, os atos da execução forçada se limitam a realizar a prestação.”[ix] Porém, prossegue o autor, dizendo que na execução própria, outrossim, pode acontecer a execução sub-rogatória, quando se proporciona algo diverso ao credor, mas que equivalha, em sentido prático, à prestação devida, ou que, pelo menos, indenize a falta da prestação específica.[x]
Em termos práticos pela execução sub-rogatória o juiz irá tomar medidas que, independentemente da colaboração do devedor, levarão resultado prático desejado. Dessa forma, com a sentença do procedimento previsto nos arts. 639 a 641 do CPC, o credor obtém, portanto, execução específica da obrigação de fazer contida na promessa de contratar. Por expediente diverso do contrato prometido chega-se a efeito jurídico e prático a ele equivalente.
Nelson Nery Jr., observa que “os arts. 639 e 641 passaram a disciplinar, de forma ampla e bem delimitada, as hipóteses em que é viável a execução direta, com a substituição da manifestação de vontade do devedor renitente pela sentença, que produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.”[xi] Dessa forma torna-se possível a ação de execução de obrigação de fazer para garantir o acesso à jurisdição pelo promitente comprador sem contrato registrado.
Porém, como observa Arnaldo Rizzardo, se a parte ingressar com a adjudicação compulsória, será admissível o atendimento baseado em tais normas, pois estas se aplicam a quaisquer execuções de contratos, abrangendo também a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de compra e venda, que é uma forma, sendo irrelevante o nomen juris dado.[xii]
Através dessa ação de execução, acabaram por ser infundados os argumentos daqueles que defendem ser a adjudicação compulsória uma ação à disposição somente dos que possuem o seu contrato registrado, pois não há essa exigência no caso da execução específica. Mas, por ser essa ação regulada no processo de execução, o contrato necessita constituir título executivo extrajudicial, preenchendo os requisitos do art. 585, inc. II do CPC, para poder embasar a ação de execução de obrigação de fazer.
5 – Ação Condenatória de Obrigação de Fazer. Tutela Diferenciada.
A ciência processual encontra-se num tempo de reaproximação com o direito material, na tentativa de superar a idéia de que existe uma única ação processual capaz de servir de instrumento processual a tutelar todos os direitos subjetivos imagináveis. Esta antiga concepção de ação processual esteve ligada a necessidade de afirmação da ação ordinária processual, ao mesmo tempo em que se negava o conceito de ação de direito material.
Nesse novo contexto do direito processual, as tutelas diferenciadas representam demonstrações práticas da aproximação entre direito material e direito processual. Através delas, o processo procura cumprir a sua função de instrumentalidade, buscando atingir uma maior efetividade na tutela dos direitos materiais, com o nítido propósito de adequar os procedimentos às necessidades de situações particulares do direito material e propiciar meios mais eficientes de tutela processual.
Permeado por esse espírito, foram trazidas inovações quanto à tutela das obrigações de fazer e não fazer, estabelecendo o legislador uma tutela diferenciada a elas, através do art. 461 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 8.952/94. Nesse caso,várias e importantes inovações no âmbito do direito processual foram introduzidas, tanto para reforçar a teoria do cabimento da execução específica, sempre que possível, como para protegê-la por variados mecanismos de antecipação de tutela, de coerção e de sub-rogação.
O caput do art. 461, coloca em último plano a conversão em perdas e danos, e dá garantia ostensiva ao direito do credor de exigir, em juízo, o cumprimento in natura da prestação devida, ou de algo que praticamente a ela equivalha. Assim a regra tornou-se a execução específica, sendo, em último caso, resolvida por perdas e danos.
Antes da reforma do art. 461, o promitente comprador tinha dificuldade em alcançar a execução, in natura, pelos motivos já supramencionados, pois a possibilidade que se abria era através do art. 639 e ss do CPC, de utilização “subsidiária” com o intuito de não deixar sem proteção o promitente comprador que não tivesse seu contrato registrado.
Agora, após a reforma, encontra-se prevista no art. 461 do CPC, como afirma Nelson Nery Jr., uma ação de natureza condenatória, ou seja de conhecimento, o que anteriormente não havia. Porém, lembra ele, tem eficácia executivo-mandamental, pois abre ensejo à antecipação de tutela, autorizando a emissão de mandado específico e provisório da tutela de mérito ou de seus efeitos.[xiii]
Há que se lembrar ter sido implementada tal mudança, juntamente com a antecipação de tutela, prevista no art. 273 do CPC, com redação dada pela Lei nº 8.952/94, mesma lei que estabeleceu a tutela diferenciada do art. 461. Porém, não se instituiu dois regimes de antecipação de tutela, como a primeira vista possa parecer. Humberto Theodoro Júnior argumenta que, na verdade as condições para a concessão da tutela antecipada fundamentada, seja no art. 273 ou no 461, são as mesmas.
Afirma ele que “de fato, no art. 273 exige-se que a parte apresente prova inequívoca conducente à verossimilhança do alegado, comprove perigo de dano de difícil reparação e que os efeitos da providência a ser antecipada não sejam irreversíveis.”[xiv]
Continua ele dizendo que “no art. 461 a lei reclama, como condição da tutela antecipada, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final, caso não se adiante a prestação jurisdicional provisoriamente. Ora, falar-se em relevância do fundamento não é outra coisa que exigir-se a verossimilhança de tudo o que arrola o autor para pretender a tutela jurisdicional. Não há, portanto, diferença profunda, no aspecto do fumus boni iuris, entre o art. 273 e o art. 461.”[xv]
Quanto ao periculum in mora, há que se concordar com a semelhança, posto que o haver justificado receio de ineficácia do provimento final, previsto no § 1º do art. 461, corresponde ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme estabelece o inc. I do art. 273 do CPC.
A antecipação de tutela envolve medidas executivas lato sensu, possíveis no mesmo processo de conhecimento já instaurado. Disso decorre a implementação da execução específica como regra e a indenização por perdas e danos como exceção, no caso do compromisso de compra e venda.
Assim, de grande relevância se reveste o § 1º do art. 461, pois possibilita a execução in natura da obrigação devida, evitando que a ação de condenatória de obrigação de fazer se limitasse a ser um meio de atingir a execução forçada dos arts. 639 e ss. do CPC, no caso da obrigação de transmitir escritura definitiva, decorrente do contrato de promessa de compra e venda. Pela antecipação de tutela, na ação condenatória de obrigação de fazer, o promitente comprador pode conseguir, ainda no processo de conhecimento, medidas que possam garantir a outorga da escritura definitiva do imóvel.
Porém, não se pretende com isso afirmar que a execução forçada do art. 639 e ss., foi suprimida pelo art. 461, pois haverá vezes em que a tutela antecipada não será concedida, e a sentença da ação de conhecimento, com a qualidade de coisa julgada, servirá de título hábil à execução forçada do art. 639 do CPC. Ocorrerá também de a execução forçada tradicional ficar afastada pelo deferimento da antecipação de tutela, quando tornada definitiva pela sentença definitiva.
Nesse sentido se posiciona Humberto Theodoro Júnior, para quem “muitas vezes, porém, acolhida a antecipação de tutela em moldes de maior amplitude, pelas características do caso concreto – como, por exemplo, no caso de demolição autorizada antecipadamente, ou de conclusão de obra, em igual conjuntura – totalmente afastada ficará a observância posterior da execução forçada tradicional. Aliás, a feição interdital do processo de conhecimento autorizada genericamente pelo art. 273, e não apenas especificamente pelo art. 461, traz como conseqüência a possibilidade de as duas funções jurisdicionais – conhecimento e execução – fundirem-se num mesmo processo. Numa só relação processual o juiz acerta o direito da parte e o realiza, de sorte que a sentença, diante da tutela executiva antecipada, em sendo procedente a demanda, se limitará a tornar definitiva a providência satisfativa já tomada em favor do autor.”[xvi]
Do exposto, verifica-se que o art. 461 não se limita apenas à atividade cognitiva, ocorrendo casos em que os provimentos antecipatórios se tornarão definitivos pela sentença do processo de conhecimento, evitando a necessidade da utilização da ação de execução prevista no art. 639 do CPC. Porém, haverá vezes em que ficará apenas na cognição, ensejando a posterior ação de execução, baseada na sentença transitada em julgado.
6 – Considerações finais.
A controvérsia em torno do tema desenvolvido, vem de longa data. Porém, com base nos dispositivos que tutelam a obrigação de fazer decorrente do contrato de promessa de compra e venda, seja ele registrado ou não, buscam dar mais efetividade à prestação jurisdicional, de forma a não deixar sem amparo o promitente comprador.
Pelas argumentações que durante este trabalho foram apresentadas, pode-se concluir que:
a) a ação de adjudicação compulsória, fundamentada nos arts. 15, 16 e 22 do Decreto-lei nº 58/37, ainda encontra certas ressalvas quanto ao seu cabimento, no caso de contratos não registrados. Dessa maneira, torna-se mais conveniente ao promitente comprador cujo contrato esteja registrado;
b) ao promitente comprador que não possua seu contrato registrado, abrem-se duas possibilidades, sendo a primeira a ação de execução forçada, do art. 639 e ss. do CPC, e a segunda a ação condenatória de obrigação de fazer, com fulcro no art. 461 do CPC;
c) para utilizar-se da ação de execução tradicional do art. 639, seu contrato necessita preencher os requisitos do art. 585, inc. II do CPC, para poder constituir título executivo extrajudicial, ou seja, título hábil ao processo de execução;
d) surge como mais adequado, o uso da tutela diferenciada, prevista no art. 461, pois nesse dispositivo está prevista a ação condenatória de obrigação de fazer, mas que pode ter eficácia executivo-mandamental, através da antecipação de tutela. Cabe lembrar que este dispositivo estabelece a tutela específica às obrigações de fazer e não fazer, revelando, assim a implementação da execução específica como regra, e somente como exceção se recorre a indenização por perdas e danos.
7 – Bibliografia
NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e legislação civil em vigor. São Paulo: Saraiva, 1997.
NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 2000.
NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2001.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em:
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. São Paulo, Atlas, 3ª ed., 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo, Atlas, 3ª ed., 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo, Atlas, 2ª ed., 2003.
*Trabalho desenvolvido sob orientação do Profº José Fernando Lutz Coelho, na disciplina de Direito Contratual I.
[i] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988. p.339.
[ii] Idem. p. 343
[iii] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2003. p. 574.
[iv] STJ, Resp. 9945-SP 4ª T. rel. Min. Athos Carneiro, j. 21.8.1991, DJU 30.9.1991, p. 13491.
[v] RIZZARDO. Arnaldo. op. cit. (nota 1), p. 381.
[vi] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. São Paulo: Atlas, 2003. p. 531.
[vii] RIZZARDO, Arnaldo. op. cit. (nota 1), p. 382.
[viii] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2003. p. 422.
[ix] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002.
[x] Idem.
[xi] NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1137.
[xii] RIZZARDO, Arnaldo. op. cit. (nota 1), p. 385.
[xiii] NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. op. cit. (nota 11), p. 897-898.
[xiv] THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit. (nota 9).
[xv] Idem.
[xvi] THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit. (nota 9).