por Aldo Vicentin, Eliezer João de Souza e Fernanda Giannasi
Criado no final da década de 70, como uma alternativa à censura prévia que seria imposta pelo Governo Federal ao mercado publicitário, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – Conar [1] vem exercendo um trabalho revestido de incomensurável relevância e legitimidade social.
Com uma composição plural e multidisciplinar, que conta não só com publicitários, mas com a participação de jornalistas, advogados, médicos e administradores, o Conar vela de maneira intransigente pela ética na propaganda, impedindo o florescimento da publicidade abusiva e enganosa, sem, contudo, por um só momento, abandonar a defesa da liberdade de expressão.
No último dia 3 de março de 2005, uma amostra sensível desse relevante trabalho veio à tona, com o julgamento final [2] de representação ali instaurada pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – Abrea [3], através de seus representantes legais, Alino & Roberto e Advogados, contra campanha publicitária de responsabilidade do segmento empresarial ligado à exploração comercial do amianto no Brasil.
Mediante a manutenção, em grau de recurso, da recomendação de sustação dos anúncios, que seriam veiculados em rádio, televisão, jornais, revistas e outdoors, o Conar, em votação unânime, rechaçou a abusiva tentativa de se atribuir uma imagem positiva ao referido mineral, cujo alto potencial lesivo à saúde humana ensejou o seu banimento irrestrito na grande maioria dos países desenvolvidos.
Com efeito, sob o slogan “Amianto Crisotila. Respeitando a vida, fazendo o Brasil crescer”, a campanha publicitária visava atribuir ao amianto uma imagem de inocuidade à saúde humana, passando ao largo dos inúmeros trabalhadores que tiveram suas vidas e de suas famílias irremediavelmente transformadas após o desenvolvimento de cânceres e outras afecções decorrentes do acúmulo de suas fibras na cavidade pulmonar.
Mas não é só. Os anunciantes argumentavam, ainda, em defesa da campanha publicitária, com o fato de a exploração do mineral, em sua modalidade crisotila, ser legalmente permitida no Brasil, conforme expressa disposição da Lei nº 9.055/95 [4]. Deliberadamente omitiam, contudo, o fato de o mencionado diploma legal emprestar tratamento absolutamente restritivo à matéria, determinando, inclusive, a realização de exames periódicos nos trabalhadores envolvidos, para fins de registro e acompanhamento pelo Sistema Único de Saúde – SUS, em inequívoco reconhecimento estatal das propriedades patológicas inerentes ao amianto.
Adicione-se a isso a existência de demandas judiciais que objetivam a obtenção de indenizações decorrentes de doenças ocupacionais causadas pela exposição ao amianto – algumas com sentença de mérito favorável aos trabalhadores –, circunstância que impede o tratamento publicitário conferido à matéria.
E, de fato, o Código Nacional de Auto-Regulamentação [5] Publicitária é expresso ao proclamar que toda a atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana (art. 19). No caso, ao atribuir ao amianto os atributos de respeitador da vida e de fomentador do crescimento nacional, a campanha confere ao tema um viés estritamente econômico, desprezando o grande problema social e de saúde pública inerente à questão, evidenciado, sobretudo, pelos vários trabalhadores doentes e mortos em razão do exercício de sua atividade laboral.
Além disto, em seus artigos 23 e 27, o Código Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária veda a exploração da falta de conhecimento do consumidor, determinando que o anúncio contenha uma apresentação verdadeira do produto oferecido.
Na hipótese em exame, contudo, não bastassem os inúmeros estudos científicos existentes, em sua grande maioria conclusivos no sentido do alto potencial cancerígeno inerente ao amianto, é de ser ressaltada a total ausência de conhecimento técnico do consumidor para avaliar essa circunstância, pelo que a recomendação de sustação da campanha publicitária encontra abrigo, não só no Código Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, mas também no Código de Defesa do Consumidor, que é categórico ao proibir a publicidade enganosa ou abusiva, amparada em afirmação inteira ou parcialmente falsa ou capaz de induzir o consumidor em erro quanto à natureza, características e propriedades do produto (art. 37, § 1º).
Notas de rodapé
[1] Em http://www.conar.org.br/html/quem/historia.htm?Documento=629
[2] Em http://www.conar.org.br/html/noticias/010305a.htm
[3] Website: www.abrea.com.br
[4] Em http://www.abrea.com.br/19l9055.pdf
[5] Em http://www.conar.org.br/html/codigos/todos%20os%20capitulos.htm
Revista Consultor Jurídico