O Código Penal brasileiro de 1940, em sua feição original para a qualificação do sujeito passivo do crime, não empregava o termo “idoso” como circunstância agravante genérica, preferindo a expressão “velho”[1]. Outras vezes, disciplinando sobre a idade como atenuante genérica ou causa de redução dos prazos prescricionais, usava a locução “maior de setenta anos”[2].
Hoje, para efeitos penais, em face do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741, de 1.º de outubro de 2003), idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos?
Em algumas disposições de natureza criminal, que alteraram o CP e a legislação especial, o Estatuto o trata como “maior de 60 (sessenta) anos” (grifo nosso); em outras, como “pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos” (grifo nosso).
Assim, o Estatuto, o CP e uma lei especial[3] passaram a indicar o idoso como pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, nos seguintes artigos:
• 96 a 104 do Estatuto, que definem crimes em espécie, utilizando as expressões “idoso” e “pessoa idosa”, referindo-se à vítima de “idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”;
• 183, III, do CP (exceções da imunidade penal absoluta e relativa nos crimes contra o patrimônio);
• 18, III, da Lei n. 6.368/76 (causa de aumento de pena nos delitos descritos na Lei Antitóxicos).
Considera-se idoso a pessoa maior de 60 (sessenta) anos nas seguintes hipóteses do CP previstas nos artigos:
• 61, II, “h” (circunstância agravante genérica);
• 121, § 4.º, parte final (causa de aumento de pena no homicídio doloso);
• 133, § 3.º, III (causa de aumento de pena no abandono de incapaz);
• 141, IV (causa de aumento de pena na calúnia e difamação);
• 148, § 1.º, I (qualificadora do crime de seqüestro ou cárcere privado);
• 159, § 1.º (qualificadora do crime de extorsão mediante seqüestro);
• 244 (elementar do crime de abandono material).
No subtipo de injúria, descrito no art. 140, § 3.º, com nova redação do Estatuto, o CP emprega a expressão “pessoa idosa”. É o maior de 60 (sessenta) anos ou a pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta)?
Há diferença. No dia do aniversário, o sujeito tem idade igual a 60 (sessenta) anos; no dia posterior, já é maior de 60 (sessenta)[4]. Dessa forma, se o sexagenário vier a ser vítima de homicídio doloso no dia seguinte ao de seu aniversário, incidirá a causa de aumento de pena do art. 121, § 4.º, segunda parte, do CP. Se, contudo, for ferido na data em que completa 60 (sessenta) anos, morrendo no dia posterior, quando já era maior de 60 (sessenta), o autor não sofrerá a agravação da pena, uma vez que, aplicada a teoria da atividade na questão do tempo do crime, não era maior de 60 (sessenta) anos no momento da agressão.
O tema é relevante na prática, já que dele depende a existência do crime ou a presença de qualificadoras, causas de aumento de pena, agravante genérica ou a extinção da punibilidade. No exemplo do homicídio doloso, tratando-se do tipo qualificado, é de um terço o aumento da pena, perfazendo o acréscimo de 4 (quatro) anos de reclusão.
Por que o legislador, em alguns casos, tem em conta o idoso como a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos e, em outros, só o maior de 60 (sessenta)? Há razão para a distinção?
Cremos que não, atribuindo a diferença a simples descuido na elaboração do Estatuto. Note-se que este, definindo crimes, emprega 15 vezes a elementar ou circunstância de a vítima ter idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, e, diversamente, utiliza 7 vezes a expressão maior de 60 (sessenta) anos. Sob outro aspecto, em certos delitos, a lei protege 15 vezes mais a vítima no dia de seu aniversário; em outros 7 crimes, não lhe oferece maior tutela na mesma data.
Suponha-se que alguém, no dia no qual a vítima completa 60 (sessenta) anos de idade, em momentos diferentes, cometa dois crimes contra ela:
1.º – induza-a a usar entorpecente;
2.º – mate-a dolosamente.
No primeiro caso, previsto no art. 12, § 2.º, I, da Lei Antitóxicos, incide uma causa de aumento de pena, já que o art. 18, III, da mesma Lei, com redação do art. 113 do Estatuto do Idoso, menciona vítima de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. No dia de seu aniversário, o sujeito passivo tem idade igual a 60 (sessenta) anos.
Na hipótese do homicídio doloso, a pena não é especialmente agravada, levando-se em conta que o sujeito passivo não era maior de 60 (sessenta) anos no dia do fato, circunstância exigida pelo art. 121, § 4.º, parte final, do CP, com redação do art. 110 do Estatuto, pois a vítima faleceu no dia de seu aniversário.
A solução se encontra na interpretação conforme a Constituição[5], que determina proteção especial ao idoso[6]. E o seu instrumento de tutela, o Estatuto, foi editado para permitir a execução desse propósito, tanto que o seu art. 1.º determina que ele foi instituído para “(…) regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”[7] (grifo nosso).
A interpretação lógica ou teleológica vale-se dos fins da norma (ratio legis). Como ensina enrique gimbernat ordeig, “o mais importante de todos os critérios de interpretação, em muitos casos decisivos, é o teleológico – aquele que procura os fins dos preceitos, das instituições, da ordem jurídico-penal”[8]. E, em determinadas hipóteses, na lição de antônio josé fabrício leiria, “o intérprete, para pesquisar o espírito da norma, restabelece o equilíbrio, dilatando o sentido dos termos legais, para ampliar o campo de abrangência”[9] (interpretação extensiva).
No caso, entre as normas que protegem o autor do crime e as que tutelam o idoso, se forem aplicadas a interpretação teleológica (quanto ao meio) e a extensiva (quanto ao resultado), deve prevalecer o efeito das últimas normas.
Se a legislação pretende proteger especialmente o idoso, como o fez em relação à criança e ao adolescente, e se, entre duas normas em colisão, uma considera a pessoa com aquela qualidade a partir dos 60 (sessenta) anos, e outra que assim o tem somente a partir do dia seguinte, prepondera a primeira. Não é possível que, num caso, haja crime ou pena maior e, em outro, não, sem razão para a distinção.
O conceito que mais favorece o sujeito passivo do crime é o referente à idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. De modo que, nos casos em que as leis mencionam o idoso como o maior de 60 (sessenta) anos, estendendo o âmbito da norma, cumpre incluir o de idade igual a 60 (sessenta) anos.
Em suma, idoso, na legislação criminal brasileira, é a pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
[1] Art. 61, II, “h”, segunda figura do CP.
[2] Arts. 65, I, segunda parte, e 115 do CP.
[3] Lei n. 6.368/76.
[4] Vide em nosso Novas questões criminais, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 41, abordagem sobre o conceito de vítima “maior de catorze anos” de idade.
[5] JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Trad. de José Luis Manzanares Samaniego. 4.ª ed. Granada: Editorial Comares, 1993. p. 139.
[6] Art. 230, caput, da CF.
[7] Art. 1.º da Lei n. 10.741/2003.
[8] Conceito e Método da Ciência do Direito Penal. Trad. de José Carlos Gobbis Pagliuca. São Paulo: RT, 2002. p. 70. (Série As Ciências Criminais do Séc. XXI, 9).
[9] Teoria e Aplicação da Lei Penal. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 57.
* Damásio E. de Jesus
Presidente e Professor do COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS