Autor: Paulo Afonso Brum Vaz (*)
O novo Código de Processo Civil veio inspirado pela ideia de constitucionalização do processo, isso é notável e por todos reconhecido. Assume também um compromisso com a superação do procedimentalismo demasiado e de uma função meramente instrumental para o processo, encarnando um viés muito mais substancial do que o anterior. A efetividade da prestação jurisdicional, no seu sentido material, enquanto princípio fundamental, é uma nota característica do novo diploma processual civil, denotada pela valorização das tutelas provisórias, de urgência e de evidência, inclusive com a possibilidade de sua estabilização, julgamento antecipado parcial do mérito, nova dinâmica simplificada para o cumprimento das sentenças, ampliação dos poderes judiciais de efetividade das decisões e a sistemática recursal mais enxuta, por exemplo.
Nessa perspectiva de constitucionalização do Processo Civil, inclusive para que os direitos fundamentais possam trespassar o plano da promessa constitucional para a realidade sensível dos seus titulares, perdeu o legislador reformista a grande oportunidade de romper com o sistema de duplo efeito da apelação: suspensivo-devolutivo. O artigo 1.012 do novo CPC mantém o que dizia o Código de 73 quanto ao recurso de apelação ter, como regra geral, o efeito suspensivo, em uma atitude de desconfiança para com a jurisdição de primeiro grau. Diz-se que ainda há muita reforma de sentença de procedência no Brasil, o que não é verdadeiro para os processos da Justiça Federal.
Lamenta a doutrina quase uníssona a não supressão do efeito suspensivo para a apelação, na medida em que ele representa uma má distribuição dos ônus do tempo no processo, punindo aquele que já tem uma posição jurídica favorável com a sentença de procedência. Mais, reflete uma ruptura sistêmica, porque a antecipação da tutela provisória, fundada em cognição sumária, tem eficácia imediata, enquanto a sentença, baseada em cognição exauriente, não a tem.
Há, todavia, no referido dispositivo legal um renque de exceções em que o efeito suspensivo não existe e a sentença mantém sua eficácia a despeito do apelo, podendo ser efetivada. Vai-se centrar a atenção para a hipótese do artigo 1.012, § 1º, II: “sentença que condena a pagar alimentos”, polemizando acerca da possibilidade de, neste arquétipo, incluírem-se as sentenças que condenam ao pagamento de benefícios previdenciários, ou seja, as que condenam o INSS ao pagamento de prestações enquadradas no conceito amplo de alimentos.
Ninguém mais dúvida, seja na doutrina, seja na jurisprudência, da natureza alimentar dos benefícios previdenciários, sucedâneos da renda do trabalho assalariado. Nem é preciso gastar tinta com essa tese. No plano normativo, basta ver que o artigo 100, § 1º, da Constituição dispõe expressamente que “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários (…), em virtude de sentença transitada em julgado (…)”.
O Supremo Tribunal Federal, quando examinou a questão da irrepetibilidade dos benefícios previdenciários recebidos em virtude de tutela antecipada, reafirmou o seu caráter alimentar: “o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar” (STF, ARE 734199 AgR, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, DJe de 22-09-2014).
O sentido do texto do inciso II (“condenar ao pagamento de alimentos”) somente terá validade se estiver conformado com a Constituição. Não se interpreta um texto jurídico (uma lei) desvinculado-o do sentido da Constituição. “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição…” (artigo 1º do CPC 2015).
Assim, sendo indubitável o caráter alimentar dos benefícios previdenciários e assistenciais, que, invariavelmente, visam substituir a renda salarial e atender às necessidades vitais do segurado, pensionista ou assistido e de sua família (alimentação, habitação, vestuário, educação e saúde), sustenta-se a sua inclusão nas hipóteses de eficácia imediata da sentença que “condena ao pagamento de alimentos”.
A melhor compreensão, considerando que não se admite a expedição de precatório ou RPV sem o trânsito em julgado da sentença condenatória da Fazenda Pública, dicção do texto do § 1º do artigo 100 da Constituição (“em virtude de sentença transitada em julgado”), é no sentido da possibilidade de imediata implantação do benefício (obrigação de fazer), relegando-se o pagamento das diferenças para depois do trânsito em julgado, a exemplo do que já ocorre após o julgamento da apelação em segundo grau, consoante precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Terceira Seção, QO-AC 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper, D.E. 1/10/2007) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 1319769/GO, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/8/2013, DJe 20/09/2013) .
O reconhecimento da eficácia imediata da sentença que condena ao pagamento de benefício previdenciário implica que o prestante de alimentos, pretendendo se eximir do ônus decorrente da sentença, necessite requerer o efeito suspensivo excepcional, é dizer, a suspensão da sua eficácia, nos termos do § 4º do artigo 1.012, demonstrando a (1) probabilidade de provimento do recurso ou, (2) sendo relevante a fundamentação, o risco de dano grave ou de difícil reparação.
Finalizando, observo que as tutelas provisórias, de urgência e de evidência, representam contributos importantes para o fim de possibilitar a fruição imediata das prestações alimentares previdenciárias, mas são deficitárias quando comparadas com o imediato cumprimento da sentença, principalmente nas ações em que ente público figura no polo passivo.
Para a tutela de urgência, seria necessário discutir o risco de dano (a menos que se considere presumido), e na tutela de evidência, tem-se a exigência de estar a tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante. Em ambas as hipóteses, é preciso que a tutela provisória esteja conformada com os outros pressupostos legais, bastando lembrar a vedação de irreversibilidade dos efeitos da decisão, inaplicáveis ao cumprimento provisório de sentença.
Autor: Paulo Afonso Brum Vaz é desembargador federal, presidente da 5ª Turma do TRF4, mestre e doutor em Direito.