CONDOMÍNIO E JUIZADO ESPECIAL

Daniel José Vieira Belo*

Indubitavelmente, a criação dos Juizados Especiais foi marco na história do nosso ordenamento jurídico, e, desde então vem ocorrendo vários encontros nos âmbitos estaduais e regionais, reunindo os Magistrados coordenadores e Diretores dos Juizados Especiais, a fim de discutir os avanços, analisar, e até homogeneizar o entendimento e a interpretação da Lei 9099/95.

É necessária a atenção quanto a interpretação e aplicação da norma de natureza especial, tendo em excertos interpretação extensiva, todavia, é mister lembrar que aprendemos na hermenêutica jurídica “In claris cessat interpretatio”, ou seja, porque vamos fazer uso da interpretação extensiva estando presente notada clareza jurídica?

A citada Lei em seu artigo 3º, inciso II, remete a competência desta Justiça Especial ao artigo 275, inciso II do CPC, que diz: “Nas causas, qualquer que seja o valor: b) de cobrança de condomínio de quaisquer quantias devidas ao condomínio.”

Ora, não vemos onde caberia interpretação extensiva do texto legal supra, declara literalmente a hipótese do condomínio fazer uso dos Juizados Especiais.

Contudo, ainda observamos junto a esta Justiça Especial, distorções quanto ao que determina a letra da Lei, e principalmente no que concerne a sua relação com o condomínio.

Em sua maioria, as decisões desta Justiça Especial, declaram que tratando-se o condomínio de pessoa jurídica é inadmissível como autor de ações junto aos Juizados Especiais, na forma do caput do artigo 8º da Lei 9099/95.

Ensinou o saudoso Mestre Pontes de Miranda: “As pessoas jurídicas, como as pessoas físicas, são criações do Direito, é o sistema jurídico que atribui Direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções a entes humanos ou a entidades criadas por esses, plurilateral (sociedade, associações), ou unilateralmente (fundações).”

Diz Dr. Everardo Moreira Lima em parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça (RT 467/202): “Realmente, entre nós as pessoas jurídicas de Direito Privado são de enumeração taxativa; Só existem as que a Lei reconhece, vale dizer, as corporações (associação e sociedades), as fundações e as empresas públicas”, e continua “a comunhão de debenturistas, a massa falida, a herança (espólio), a herança jacente, o condomínio, conquanto se faça representar em juízo, não são pessoas jurídicas”.

Afirma o também saudoso Mestre Hely Lopes Meirelles, em sua obra “Direito de Construir”: “O condomínio não tem personalidade jurídica, mas tem capacidade processual para postular em juízo ativa e passivamente, em defesa dos interesses dos condôminos coletivamente considerados.”

Segundo o Pai da Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964, a qual é o regimento da propriedade condominial, o Professor Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra “Condomínio e Incorporação”: “A reunião dos condôminos é destituída de personalidade. Falta completamente o affetio societatis. E se um vínculo jurídico os congrega, não é, certamente, pessoal, mas real.”

O conhecido condominialista Gabriel Karpat declara: “Por muito tempo se questionou quanto a personalidade jurídica do condomínio ou não. Mas hoje, já é quase consensual que o condomínio não é pessoa jurídica…omissis…”.

No âmbito dos Tribunais se pronuncia o Ministro José Delgado (97/0067547-5 STJ): “…omissis…A ciência processual em face dos fenômenos contemporâneos que a cercam, tem evoluído a fim de considerar como legitimados para estar em juízo, portanto com capacidade de ser parte, entes sem personalidade jurídica, quer dizer, possuidores, apenas, de personalidade judiciária”, e continua “no rol de tais entidades estão, além do condomínio de apartamentos, da massa falida, do espólio, da herança jacente ou vacante e das sociedades sem personalidade própria e legal…omissis…”.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco editou Resolução nº 85/95, sobre o funcionamento, estrutura organizacional e competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Estado de Pernambuco, a qual dispõe em seu artigo 12, o seguinte: “O condomínio, pelo administrador ou pelo síndico, e o espólio, pelo inventariante, que não dativo, são habilitados a demandar perante os Juizados Especiais Cíveis. …omissis…”

Segundo o que determina a Lei, o Colégio Recursal dos Juizados Especiais de Pernambuco, se pronunciou sobre o assunto através do Enunciado 09, que reza: “O condomínio residencial poderá propor ação no Juizado Especial, nas hipóteses do artigo 275, inciso II, letra b do CPC.”

Esta tese, que de longa data estamos a defender, já tem abrigo no Direito constituindo, através do Projeto de Lei 102/96, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, o qual amplia a competência junto aos Juizados Especiais e autoriza expressamente os condomínios representados pelos síndicos ou administradores a possibilidade de propor ações junto àquela Justiça Especial.

É desnecessário uso de grande esforço mental, de interpretação complexa ou a beneficie de qualquer outra argumentação, a fim de possibilitar a condição de pólo ativo nas lides dos Juizados Especiais aos condomínios. Na realidade, é hipótese prevista em Lei Federal vigente, e apesar das afirmações desta galeria de juristas, doutrinadores e de decisões de Tribunal Superior aqui colecionados, ainda se decide contra legem.

“Ex positis”, visando o cumprimento da Lei 9099/95 e do Código de Processo Civil, defendemos o Direito de Ação dos condomínios junto àquela Justiça Especial.

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Daniel José Vieira Belo é advogado especializado em condomínios.

INFOJUS, 25.11.99

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