por Jansen Fialho de Almeida
O Supremo Tribunal Federal está na iminência de julgar ADI proposta pelos bancos que visam não lhes ser aplicável às regras do Código de Defesa do Consumidor, sob o fundamento de que só podem ser regidos por leis complementares (artigo 192 CF).
Cuida-se de momento ímpar na história do Direito brasileiro, aliás, premente, devido ao ajuizamento de milhares de ações revisionais que desaguaram nos tribunais. De vital importância um posicionamento definitivo, inclusive quanto à limitação ou não dos juros reais nas relações de consumo.
No tocante, na esfera infraconstitucional restou sedimentada sua incidência a teor da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça. Como suscita, alguns pontos importantes merecem serem trazidos à baila para melhor compreensão dos leitores.
Primeiramente recorde-se que o STF anteriormente à nova Constituição pontuou que são inaplicáveis às instituições financeiras as disposições do Decreto 22.626/33 que limita os juros remuneratórios no patamar a 12% ao ano, consolidando o julgamento na conhecida Súmula 596, editada em 1976.
Posteriormente, a Corte na ADI 04/91 decidiu pela não autoaplicabilidade do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, que também limitava os juros reais no mesmo percentual, condicionando-o à edição de lei complementar, perdendo o seu objeto com a EC 40/03 que o extirpou do texto. O novo Código Civil não abordou o tema, restringindo-se aos juros moratórios.
Mas a partir daí surgiu, ao meu ver, uma nova questão a ser abordada: se não existe lei complementar disciplinando os juros bancários, estariam liberados incontinenti, nas relações de consumo? Penso que não. Importante sobremaneira esclarecer que a lei consumerista entrou em vigor após os supracitados julgados.
A respeito, merece um aparte, tem tomado fôlego um entendimento invulgar de que a Lei 4.595/64 teria o status de lei complementar porque trata do sistema financeiro e, consoante o artigo 25, inciso I do ADCT — Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O ato delegou temporariamente o poder normativo do Legislativo ao Executivo sobre essas matérias — sendo reguladas por meio de medidas provisórias — , teria supremacia sobre o CDC, lei ordinária, e suas disposições não lhes alcançariam, em aplicação analógica ao que ocorreu com o Código Tributário Nacional.
Concessa vênia, o STF naquela época como suporte, irrogou ao CTN tal natureza jurídica porque quando da Constituição em vigor não havia distinção entre a lei ordinária e as leis complementares, ensejando essa rara excepcionalidade. No contexto da nova ordem exige-se o quorum qualificado para a sua aprovação, da atribuição privativa do Poder Legislativo, máxime os estreitos limites do instituto da delegação e vedação de edição de MPs em matéria pertinente a lei complementar, se mostrando temerário fugir ao casuísmo jurídico ora estreitando ou dilatando o campo de extensão em insólita hermenêutica das normas (artigos. 59, inciso II; 60; e 62, parágrafo 1º, inciso III da CF).
Superadas estas arestas, padecendo da edição de uma lei complementar de iniciativa do Congresso Nacional a disciplinar os juros remuneratórios, converge para que o aplicador busque a solução posta sub judice a outras normas, ainda que de diversa envergadura.
Todavia o que se registra na espécie ora em exame é a cristalinidade de desejo do constituinte em consagrar como Direito e Garantia Fundamental e Princípio da Ordem Econômica e Financeira, a defesa do consumidor — onde também se situa no mesmo Título o regramento dos bancos — Do Sistema Financeiro Nacional — , nascendo daí a Lei 8.078/90, impregnando-a de relevo constitucional, exigindo fiel observância alicerçada em postulados basilares da Constituição da República Federativa do Brasil (artigo 5º, XXXII; 170, caput e V; 192 CF e 48 do ADCT).
Referido Códex, já no artigo 1º estabeleceu que suas normas são de ordem pública e interesse social e, seguindo neste propósito, foi inserido pertinente aos Direitos Básicos do Consumidor uma regra especial contida no seu artigo 7º, determinando que os direitos ali previstos não excluem os decorrentes, dentre outros, da Legislação Interna Ordinária.
Por isso a lei nova, a meu aviso, trouxe a solução para a controvérsia na aparente omissão legislativa, não se tratando aqui de lacuna, o que robustece pela simples leitura de seu texto.
Nesse compasso, entendo estejam os juros reais limitados ao patamar de 12% ao ano, nos termos do prefalado artigo 7º combinado com o Decreto 22.626/33, o único a tratar materialmente do assunto. Nesse prisma, forçoso reconhecer fato superveniente, qual seja, por imposição da novel sistemática constitucional em prol do cidadão-consumidor, está mitigado o Enunciado 596 do STF, que não pode primar eternamente na ortodoxia.
Daí porque, de relevo que além de posterior o CDC é lei especial em relação a outras legislações correlatas e encerra tratamento jurídico diferenciado. Cite-se como exemplo, no parágrafo 1º do seu artigo 51, foi reduzido o percentual da multa de mora de 10% para 2%, o que vem sendo acolhido nos contratos bancários.
Noutro giro, em linhas gerais, cediço que a política dos juros defendida e adotada pelos especialistas tem efeitos na rolagem da dívida pública, investimentos externos etc. Contudo, advirta-se que as entidades financeiras ao longo de décadas vêm usando desses insistentes argumentos, persuasivos, mas irrealistas, somados à chamada “taxa de risco”, cobrando os juros desmesuradamente muito acima do parâmetro fixado pelo governo, como se todos fossem laicos.
Porém, existem inúmeras outras fontes de aplicações diversas das de consumo, tais como o investimento no comércio, na indústria e na agricultura, propiciando nessa perspectiva a geração de novos empregos e conseqüente aumento da riqueza interna, resultando na erradicação da pobreza, na dignidade da pessoa humana, consubstanciando-se na justiça social que sublimemente programatizamos nos artigos 1º e 3º da CF.
Cumpre ter presente, para reflexão, pensamento de um saudoso jornalista americano, Henry Ward Beecher: “As leis e as instituições, como os relógios, de vez em quando precisam ser limpas, revisadas e postas no horário real”.
Revista Consultor Jurídico