por Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim
O Conselho Nacional de Justiça, amplamente divulgado como o “controle externo” do Poder Judiciário, tem hoje assento constitucional no artigo 103-B, introduzido pela Emenda Constitucional 45, publicada no dia 31 de dezembro de 2004 no Diário Oficial da União.
Na verdade, esse acréscimo constitucional não é inédito em nosso sistema jurídico. Como exemplo, pode-se citar a Lei Complementar 35/79, ainda em vigor, que tratava de um conselho bastante similar ao agora introduzido. Ali, o chamado Conselho Nacional da Magistratura, em que pese não ser órgão jurisdicional, era integrado ao Poder Judiciário.
O antigo Conselho Nacional da Magistratura dispunha, praticamente, apenas de poderes correicionais, não existindo uma função diretiva no âmbito administrativo-financeiro do Poder Judiciário. Como a Constituição de 1988 não previu tal conselho, a doutrina e a jurisprudência entenderam não recepcionados os dispositivos pertinentes dispostos da Lei Complementar 35/79.
Já agora, temos novamente um Conselho da Magistratura de âmbito nacional. Inegável é que tal conselho veio em boa hora, e já tardava na verdade, trazendo grande expectativa ao povo brasileiro no que poderá fazer para melhorar a prestação jurisdicional. A Constituição veio outorgar-lhe poderes para exercer o controle administrativo e financeiro do Judiciário, além de zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados.
De fato, os recursos financeiros postos à disposição do Judiciário, em que pese a escassez dos mesmos, nem sempre foram plenamente utilizados dentro de uma racionalidade que atendesse ao imperioso interesse público. Agrava, ainda, a falta de visão nacional do Judiciário, o que inclui a ausência de compreensão do que pode ser uniformizado nacionalmente e do que, necessariamente, há de ser regionalizado.
Muitas vezes as carências que atingem o bom funcionamento da máquina administrativa judicial podem ser supridas apenas com racionalização do uso dos recursos disponíveis, o que, sem dúvida, pode ser implementado pelo Conselho Nacional de Justiça. Todo o direcionamento da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário deve ter por norte, obrigatoriamente, o atendimento da demanda social por justiça, pois apenas o adimplemento das necessidades sociais pode legitimar o exercício da função judicial.
Até mesmo os procedimentos de cada tribunal poderiam ser melhor definidos, aproveitando-se da visão sistêmica do Conselho Nacional de Justiça, o que terminaria por acelerar a prestação jurisdicional. É irrefutável a afirmativa de necessidade de atribuição de poderes correicionais ao conselho. Ao longo de algumas décadas, em que pesem esforços dignos de admiração e de nota, o Poder Judiciário portou-se de maneira bastante leniente com alguns desvios funcionais por parte de magistrados.
Não me refiro apenas à falta de probidade de alguns de seus membros, em atos jurisdicionais ou administrativos, já que neste ponto havia esmorecimento também de outras instâncias de controle, como Ministério Público e tribunais de contas, mas também ao completo descaso com a cobrança de aperfeiçoamento técnico por parte dos magistrados. Lamentável é a constatação de que grande parte dos magistrados, após algum tempo de exercício na magistratura, perde o interesse nos estudos e passa à administração da trivialidade de procedimentos e questões jurídicas que se colocam no dia a dia de suas varas judiciais especializadas.
O resultado não poderia ser outro, senão má prestação jurisdicional, seja por decisões superficiais, que não descem à análise central dos litígios, seja por demora excessiva na resolução de questões de maior complexidade. Os órgãos de cúpula do Judiciário deveriam exigir efetiva participação dos magistrados em cursos de atualização e aperfeiçoamento, inclusive com avaliações periódicas do nível de conhecimento técnico dos juízes, valendo esses dados como base para futuras promoções e remoções pelo critério de merecimento.
O controle disciplinar a ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça é de natureza complementar ao já efetuado pelas Corregedorias de Justiça. Tais órgãos de controle interno muitas vezes funcionam a contento, mas esta não é a regra em nosso país. O Conselho Nacional de Justiça poderá ajudar muito na atividade correicional no âmbito dos tribunais federais, do trabalho e de justiça. É nota característica das corregedorias que os juízes corregedores não exercem um cargo de juiz-corregedor, mas sim exercem uma função de correição.
O problema surge na origem da designação de um magistrado qualquer para a função de juiz-corregedor. Tal designação é feita, em geral, por desembargadores no exercício da função de Presidente do respectivo tribunal e é válida por determinado tempo. Ao final deste período, o juiz-corregedor pode perder a simpatia dos dirigentes dos tribunais e não ser mais designado como corregedor, passando a sofrer as correições que antes fazia.
Não é preciso muito esforço para se perceber que essa instabilidade no exercício da função de juiz-corregedor gera fragilidades no trabalho correicional. O ideal seria a especialização dos magistrados no trato das funções correicionais, inclusive com estabelecimento de mandatos para o exercício da função.
Não cogitando de ideais, mas tendo as vistas postas no Conselho Nacional de Justiça, pode-se esperar que seus membros terão maior independência para exercerem as atividades correicionais que as corregedorias, pois estas, por sua própria formação, não serão, nem foram, capazes de desempenhar suas funções com a eficiência desejada pela sociedade.
Espera-se, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça não exerça uma pressãoindevida na base da magistratura nacional. Noutras palavras, deseja-se que o controle não seja ideológico, com fins de uniformização de entendimentos políticos. A esperança é que o Conselho Nacional de Justiça promova a independência dos magistrados, na medida em que poderá fiscalizar quaisquer tipos de pressões indevidas postas sobre os juízes no exercício de suas funções.
A composição do Conselho Nacional de Justiça vem definida no artigo 103-B, da Constituição de 1988, tendo quinze integrantes. Nove deles são oriundos do próprio Poder Judiciário, outros quatro do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil e mais dois cidadãos indicados um pelo Câmara de Deputados e outro pelo Senado Federal.
A sociedade precisa participar na elaboração das soluções dos problemas do Judiciário. Pouco férteis são as denúncias realizadas mediante a utilização do cinema, da televisão e da imprensa em geral, se não há a disposição para oferecer propostas de melhorias, se não há abertura da sociedade para dialogar como Judiciário.
Ultimamente, estamos assistindo uma série de esforços de diversos tribunais, magistrados e associações de classe, na tentativa de se comunicarem com o povo, na esperança de que a sociedade entenda o esforço realizado para a garantia dos direitos postos na legislação. A resposta da sociedade a tal chamado poderá ocorrer mediante o contato direto com o Conselho Nacional de Justiça.
É relevante, portanto, que cada membro do Conselho tenha forte vinculação com a sociedade civil organizada, pois, somente assim, ele poderá atender às demandas sociais na adequação dos atos administrativos, financeiros e disciplinares do Poder Judiciário.
Por fim, cabe uma palavra no sentido de alertar que o Conselho Nacional de Justiça não pode ser tido como panacéia para todos os males que afetam o Poder Judiciário. Pretendendo-se atribuir a tal órgão a responsabilidade de curar a máquina judiciária de todas as suas mazelas, inevitavelmente sofreremos uma profunda decepção, eis que a própria estrutura do conselho demonstra o equívoco de tal intuito.
Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim é juiz de Direito em Pernambuco, ex-procurador federal e pós-graduando em Ciências Criminais.