Os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em votação unânime no mês de fevereiro, aprovaram a redação da Súmula nº 370, com a seguinte redação: “caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”.
A aprovação de tal súmula veio a consubstanciar formalmente o entendimento que o STJ já vinha apresentando há tempos, qual seja, no sentido de entender pela configuração de dano moral na apresentação antecipada de cheque, ou seja, antes do prazo pactuado pelas partes. Dentre os precedentes da edição de tal súmula, encontram-se julgados da década de 90, como o Resp 16.855 [01] de 1993, por exemplo. Outros precedentes são: Resp 213.940 [02], Resp 557.505 [03] e Resp 707.272 [04].
Como se sabe, o cheque é um título de crédito com ordem de pagamento à vista, levando-se em consideração que no corpo do mesmo consta “Pague-se por este cheque a quantia de…”. Tal entendimento é reforçado pela Lei nº. 7.357/85 (Lei do Cheque), que em seu artigo 32 versa o seguinte: “O cheque é pagável à vista. Considera-se não escrita qualquer menção em contrário”. Ou seja, emitido o cheque pelo sacador, o título poderá ser levado pelo beneficiário ao sacado (instituição financeira que deverá cumprir a ordem de pagamento dada pelo sacador) a qualquer tempo, independentemente da data que nele consta.
Contudo, criou-se nas relações de comércio, sobretudo no Brasil, a prática da venda a prazo, que ocorre mediante a emissão de cheques pré ou pós-datados, ou seja, o sacador, de comum acordo com o beneficiário, emite um cheque com uma data futura, por exemplo, a vencer 30 (trinta) dias após a sua emissão, sendo que tal beneficiário do título só poderá apresentá-lo ao banco na data futura avençada. Tal prática de mercado serve como um estímulo ao consumo, dilatando o prazo de pagamento, eis que uma pessoa comprará algum bem, emitirá um cheque com data futura, e terá alguns dias até que tal título seja compensado.
Porém, como já foi acima mencionado, mesmo nessas situações de emissão de cheques pré-datados, nada impede que o beneficiário apresente o cheque ao banco antes da data combinada, devido ao fato do mesmo ser uma ordem de pagamento à vista. O problema que surge, é que ao apresentar antecipadamente tal título, pode ser que na conta do sacador não tenha créditos suficientes para cobrir o valor, o que acarretará fatalmente a devolução do cheque por falta de provisão de fundos, bem como poderá causar outros infortúnios, tais como inscrição do sacador no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e até mesmo encerramento da conta, sem contar na fama de mal pagador que será atribuída ao emitente.
Mesmo o cheque sendo uma ordem de pagamento à vista, há de se entender como de má-fé a apresentação antecipada do mesmo por parte do beneficiário, conduta está que viola frontalmente o princípio da boa-fé objetiva, constante no artigo 422 do Código Civil que assim dispõe: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Ademais, tal apresentação antecipada também pode ser caracterizada como um ato ilícito. Veja, não há dúvidas de que o beneficiário tem o direito de receber o crédito consubstanciado pelo cheque emitido pelo sacador, todavia, ele só pode exercer esse direito após a data pactuada pelas partes, sendo que a sua apresentação antecipada configura abuso de direito. Nesse sentido, roga o artigo 187 do Código Civil: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Importantíssimo salientar que o dano moral acarretado pela devolução do cheque por insuficiência de fundos independe de prova em juízo, tendo em vista que este é presumido, ou seja, basta o cheque ter sido devolvido que estará caracterizado o dano extrapatrimonial (moral). Aqui, uma ressalva há de ser feita: caso o cheque tenha sido apresentado ao sacado (banco) antes da data pactuada, mas foi compensado normalmente em virtude da existência de crédito suficiente na conta do sacador, não haverá que se falar em dano moral. Muito embora a Súmula 370 não tenha feito essa diferenciação, pela análise dos precedentes que originaram a sua confecção, nota-se claramente que a intenção do STJ é de entender pela configuração de dano moral apenas nas situações em que da apresentação antecipada do cheque, resultar devolução do mesmo por insuficiência de fundos.
No tocante a desnecessidade de prova em juízo do dano moral na hipótese ora analisada, imperioso se faz transcrever parte do voto do Ministro Eduardo Ribeiro, que foi relator no Resp 213.940, que assim versou: “De qualquer sorte, é incontroverso que a recorrente apresentou cheque pré-datado antes do que ficara ajustado com a autora, o que levou a sua devolução. Esse fato – recusa do pagamento de cheque por falta de fundos – causa sérios constrangimentos ao emitente. Isso resulta da experiência comum e independe de provas.” (grifo nosso)
Ainda nessa seara, é claro que, mesmo não sendo necessária a demonstração do dano moral em decorrência da devolução do cheque, eis que o mesmo é presumido, a demonstração em juízo por parte do sacador dos prejuízos que tal apresentação lhe causou (encerramento de conta, protesto do cheque, má-fama na sociedade) servirá ao magistrado como fator de fixação do quantum indenizatório, levando-se sempre em consideração a extensão do dano.
Assim, conclui-se que foi de grande valia a edição da Súmula 370 pelo STJ e que foi aqui brevemente analisada, pois pacificou peremptoriamente na jurisprudência nacional o entendimento pela configuração de dano moral no caso de apresentação antecipada de cheque pré-datado, devendo agora a mesma ser observada por todos os tribunais pátrios, com a ressalva de que não tem caráter vinculante.
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Notas
Veja tal julgado no site www.stj.gov.br
Veja tal julgado no site www.stj.gov.br
Veja tal julgado no site www.stj.gov.br
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Bruno Rossi Doná
Acadêmico do curso de Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo- UFES.