A autora “antenada” nas últimas discussões sobre o tema traz à baila os mais recentes posicionamentos do biodireito e da genética a respeito da clonagem humana.
Gisele Leite
Há pouco tempo realizado o Seminário Internacional Clonagem Humana promovido pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal que ocorreu entre 12 e 13 de novembro de 2001, quando o Ministro Milton Luiz Pereira salientou o estudo intitulado “Implicações Éticas da Investigação em Embriões Humanos” publicado pelo Parlamento Europeu, em julho de 2000, da autoria Iony McGleenan, assumindo posições quanto ao estatuto moral são basicamente três:
1.O embrião possui o mesmo status de um ser humano adulto.
2.A corrente do estatuto moral gradual prevê a aquisição do status humano à medida que o embrião se desenvolve, em particular até o 14 º dia após a fecundação, seria lícito experimentações em embriões(que é a fase que dará origem ao tubo neural)
3.Com poucos seguidores a corrente que prevê o embrião como propriedade dos progenitores, concedendo-lhe plena liberdade para dispor dele, vende-lo ou até destruí-lo. Apesar de nenhum ordenamento jurídico no mundo adotou tal corrente apesar de haver algumas decisões judiciais nos Estados Unidos apontem nessa direção.
Com toda razão, em “A Era dos Extremos”, afirma Eric Hobsbawn que nenhum período da história foi mais penetrado pelas ciências naturais nem foi mais penetrado pelas ciências naturais nem mais dependente delas do que o século XX.
Contudo nenhum período, desde a retratação de Galileu, se sentiu menos à vontade com elas. A razão humana vem avançando cada vez mais em amplos conhecimentos.
Sábias as palavras do Ministro Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite que alude: “Não prego o retrocesso mas não pretendo ser o arauto de um avanço a qualquer preço”.
Temos que avaliar o tema acerca da clonagem humana sob o prisma ético para delimitar tanto seu alcance moral e ético como alcance jurídico e científico.
O pensador italiano Norberto Bobbio foi mais incisivo ao proclamar:”Depois da afirmação dos direitos políticos e nova geração de direitos, que se afirmam diante das ameaças à vida, à liberdade e à segurança, que provém do crescimento, cada vez mais rápido, irreversível e incontrolável, do progresso técnico”.
Em particular, ao direito à integridade do próprio patrimônio genético, que vai muito além do tradicional direito à integridade física.
É lícito clonar o ser humano? E patenteá-lo? A toda técnica deve corresponder a uma ética e toda ciência a uma consciência.
A linha da declaração da ONU(1997) “A Declaração Universal sobre Genoma Humano e aos Direitos Humanos” tentou definir o limite ético aceitável, preservando-se a manipulação para fins terapêuticos daí, a proibição da clonagem humana deliberada.
A clonagem pode ser utilizada com o objetivo terapêutico. O primeiro objetivo visa resolver problemas de reprodução para as pessoas que não podem ter filhos, como descendentes genéticos direitos.
Provavelmente não será muito empregada por simplesmente não corresponder a uma forma mais fácil de reprodução humana. Já a clonagem terapêutica poderá através das células-tronco(células-mãe) humanas,
transformar-se em diferentes tipos de células especializadas.
Algumas doenças graves poderão ser tratadas com a clonagem terapêutica, a partir das células-tronco: Parkinson, Alzheimer, diabete(tipo 1), insuficiência cardíaca advinda de infarto do miocárdio, insuficiência hepática(do fígado), osteoartrose, insuficiência da medula óssea.
Atualmente somente temos um único caso de sucesso clínico que já é de certa forma rotineiro que é o transplante da medula óssea.
Que constitui numa terapia com células-tronco para o sangue. As células-tronco são dotadas de multipotencialidades e são capazes de produzir células especializadas.
As células-tronco não provocam rejeição imunológica, devem estar disponível em grande quantidade e permitir diferenciação controlada do tipo de célula desejado; além de não apresentar outros riscos biológicos.
É um grande desafio para a clonagem terapêutica encontrar tais células-tronco munidas de tantas qualidades.
As células-tronco clonadas são teoricamente preferíveis, por sua exclusiva capacidade de transformar-se em todos os tipos especializados de células, embora ainda não saibamos controlar tal processo.
Portanto, todas as minhas células provêm de uma célula-troco embrionária.
Hoje, sabemos que existem células-tronco no cérebro, embora não saibamos ainda se elas nos podem ajudar no processo de reposição de células perdidas.
A cura é uma boa justificativa ética para a clonagem assim como para a reprodução. A fertilização in vitro ou os bebês de proveta representam operações da clonagem reprodutiva.
Mesmo na reprodução sexual normal, para cada gravidez bem-sucedida, de 3 a 5 embriões ou fetos morrem e são expelidos, tais perdas são compensadas pelo resultado final, isto é, pela criança gerada.
O número de embriões descartados ou destruídos aumenta em proporção direta com a idade da gestante.
Também a clonagem terapêutica envolve a perda de muitos embriões humanos, embora que compensada pelas conseqüências salutares com a redução do sofrimento e das doenças.
O problema se esbarra na questão do status moral do embrião mas devemos reconhecer existir outras atividades à guisa da clonagem terapêutica nas quais admitidos que os embriões sejam destruídos. O argumento pessoal é o que o mal praticado ao matar alguém não se relaciona com espécie a que pertença(no caso a humanidade) mas no fato de que se trata de um ser que deseja continuar vivo e devemos reconhecer que os embriões e os fetos não possuem efetivamente tal desejo.
É admissível que os seres humanos têm liberdade para se reproduzir apesar de a clonagem não é um processo natural de reprodução e todas as demais formas desenvolvidas em tubo de ensaio são efetivamente artificiais.
A clonagem não afeta a diversidade genética até porque não representa a exata reedição da matriz e sim, a re-combinação de genes.
É certo que a clonagem reprodutiva implicará na efetiva destruição de muitos embriões.
Mais de duzentas tentativas antecederam ao produto final chamado Ovelha Dolly, e mesmo no caso de seres humanos, é possível a mesma taxa de insucessos.
O problema do status do embriões envolve uma acirrada controvérsia. Para uns, destruição do embrião é aceitável, para outros não. Vêem os embriões humanos como valiosos e, enxergam assim um relevante status moral.
Tal controvérsia remonta à era dos debates sobre o aborto(vide o texto aborto: crime polêmico) e sobre os procedimentos auxiliares da procriação. Outra controvérsia é se os embriões podiam ser produzidos para a pesquisa ou, se só deviam ser utilizados para este fim os embriões disponíveis, diferentes legislações adotaram distintos posicionamentos diante do tema.
Se a clonagem reprodutiva é eticamente condenável e se, a clonagem de embriões para a produção de células-tronco resolve alguns dos problemas técnicos encontrados na clonagem humana, poderá haver um efeito colateral da clonagem terapêutica beneficiando a reprodutiva.
Algumas posições intermediárias articulam que poderíamos restringir a clonagem à terapia e a pesquisa com as células-tronco seria feita sem clonagem ou ainda limitar a certos tipos de células embrionárias ou células-tronco.
A legislação mais liberal é a do Reino Unido e da Holanda e, estas, ainda assim restringiu a pesquisa a clonagem terapêutica.
De qualquer modo se aceitarmos a restrição das células-tronco, reduziríamos o ritmo do progresso científico da engenharia genética e ainda o progresso clínico.
Defendendo o princípio normativo não-utilitarista, concilia-se o aprofundamento da pesquisa científica com a devida ressalva dos direitos humanos e da dignidade humana.
Se já avançamos deixando de considerar como adulterinos, espúrios e bastardos os filhos havidos fora do casamento, alterando-lhe o status e, lhe concedendo a já notória paridade com os demais filhos legítimos, já é hora também da clonagem humana merecer a devida regulamentação jurídica.
A CF/1988 no art. 199 ordena que a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos, substâncias humanas para fins de transplante , pesquisa e tratamento.
Por fim, no art. 225 do mesmo diploma legal atribui ao poder público o controle da produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem o risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Invocando todos esses dispositivos constitucionais, a Lei 9.434/97 sobre o transplante de órgãos, sustenta a invalidade do negócio jurídico de comercialização das células germinativas humanas.
Antes, a Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1975 regulando o uso das técnicas utilizadas pela engenharia genética, criou limitações e proibições, inclusiva na pesquisa científica, proibindo taxativamente a manipulação genética de células germinativas humanas(art.8 º, II) considerando-a crime(art. 13).
Neste diapasão, o Novo Código Civil Brasileiro estrutura um capítulo particular destinado aos direitos da personalidade e os consigna como intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer quaisquer limitações voluntárias.
Apenas por exigência médica, é permitido excepcionalmente ato de disposição sobre o próprio corpo, quando imputar diminuição permanente da integridade física ou contrariar aos bons costumes.
É permitida também a referida disposição com objetivo científico ou altruístico para depois da morte(art. 14).
Ressalta o texto legal que ninguém poderá ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou à intervenção cirúrgica(art.15). A vida privada da pessoa física é inviolável e tem proteção da justiça(art.21).
Os direitos da personalidade ampliam a noção de patrimônio que a pessoa constitui nas relações sociais de coexistência, passando a ser bens indisponíveis e personalíssimos.
A Revista Droits editada na França destinou todo o número 13 à questões de biodireito em seus mais variados aspectos, e de maneira geral, os estudos publicados não endossam indiscriminadamente os avanços experimentais e nem os contestam de forma radical.
De qualquer maneira, clama-se por uma certeza científica capaz de assegurar o respeito a dignidade e tranqüilidade do ser humano. Como esclarece Catherine Labrusse-Riou, não é um limite à ciência por princípio, mas um limite a seu domínio de competência, que se trata de instituir, legitimada por definitivos resultados. Enfim, clama-se por um certa ética para a genética.
Em fevereiro de 2001 um significativo marco na ciência se deu através dos cientistas Craig Venter(grupo Celera) e Francis Collins(diretor do National Health Institute )anunciaram que o seqüenciamento do genoma humano estava quase completo.
O entendimento de o genes humanos interagem entre si e com ambiente, como causam doenças, envelhecimento e, ainda influenciam nossa personalidade e comportamento.
Toda a psicanálise traçada originalmente por Freud seria dispensável por um mera operação laboratorial, um simples manejar de tubos de ensaio…
A descoberta da seqüência do genoma humano serviria não só para o combate profilático de doenças como trouxe alguns imbróglios éticos…
A possibilidade da clonagem humana foi vislumbrada em 1997 com a clonagem da Dolly que representou o primeiro mamífero a ser clonado a partir da célula somática diferenciada.
A primeira das questões colocada foi qual seria a idade do clone ao nascer? Tal preocupação surgiu ao verificar-se que o tamanho do telômeros(as extremidades dos cromossomos que diminuem em função do envelhecimento celular) e estavam encurtados na Dolly.
O que não foi comprovado em outros bezerros clonados. A dolly nasceu com a idade de qualquer filhote porém com as células já envelhecidas pois foi clonada a partir de uma ovelha em idade além da adulta.
Outra questão, seria sobre o comportamento dos genes de imprinting? (se inativos ou silenciados ou se funcionais). Se a clonagem vai aumentar o percentual de incidência patológica ou vai conseguir bloquear tal incidência.
Enquanto que as células somáticas se dividem constantemente, o mesmo não ocorro com os óvulo nas mulheres ( que normalmente somente um óvulo amadurece por mês durante o período reprodutivo)
A grande maioria dos cientista e da população em geral é contra a clonagem reprodutiva humana, embora que por outro lado, a clonagem terapêutica, ou seja, o uso de embriões para “fabricar” tecidos e órgãos poderá ser extremamente útil para salvar vidas.
Na clonagem terapêutica utiliza-se células-tronco que servem para substituir um tecido ou órgão defeituoso. Existem tais células embrionárias em indivíduos adultos(em quantidade pequena) mas em grande quantidade no cordão umbilical e na placenta.
Na Grã-Bretanha é permitido a pesquisa com embriões até os 14 dias para fins terapêuticos. De qualquer modo, é curial regulamentar a questão para se evitar o comércio de embriões humanos. O que nos remete novamente a consideração ética-jurídica sobre o começo da vida.
No Brasil, inicia-se a personalidade jurídica , com o nascimento com vida da pessoa humana, não se exigindo nem viabilidade de vida e, nem mesmo feições humanas(como no direito romano). Ex vi o art. 14o. do CC ou art. 2o. do NCC, deixando ressalvados os direitos do nascituro.
No entendimento de Maria Helena Diniz poder-se-ia dizer que o nascituro possui personalidade jurídica formal no que tange aos direitos personalíssimos e aos direitos da personalidade.
Somente atinge o nascituro, a personalidade jurídica material vindo a alcançar direitos patrimoniais que vigem em status potencial, somente com o nascimento com vida se efetivam definitivamente.
Daí a grande relevância dos exames periciais(dosimásia pulmonar ou gastrintestinal) para se determinar com certeza científica se a criança nasceu com vida ou não.
O embrião congelado humano não é nascituro apesar de conter a carga genética própria e da proteção jurídica. A Lei 8.974/95 veio reforçar a proibição sobre a manipulação genética, a intervenção em material genético humano salvo para fins terapêuticos e para combater defeitos genéticos. Tal lei considera os atos de armazenagem, manipulação, produção como crimes e os pune rigorosamente.
A teoria concepcionista resguarda desde da concepção do feto os direitos do nascituro. Curial é esmiuçarmos a definição de nascituro: é o ser já concebido, mas ainda se encontra no útero materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só será conferida se nascer efetivamente com vida.
Como é bem provável tal fato, o ordenamento jurídico desde de logo preserva seus interesses futuros tomando medidas para salvaguardar os direitos que com muito probabilidade em breve serão seus((Silvio Rodrigues, Direito Civil, 5 ª edição, Saraiva, 1974, vol. I pág. 36).
Sendo possível até a nomeação de curador ao ventre conforme prevê o art. 462, parágrafo único do CC e art. 1.779 NCC.
Tal nomeação é conseqüência direta do art. 4 º CC, a Lei 8.069/90, arts. 7 º a 10 º, desde que o nascituro tenha receber algum bem, em razão da herança, legado ou doação.
Se houver nascimento com vida, nomear-se-á à criança um tutor, cessando a curatela especial. Também se a mãe do nascituro estiver interdita, seu curador será o mesmo o do nascituro.
O consenso internacional é de não realizar os testes genéticos(tanto para diagnóstico e para prevenção de doenças genéticas) servem para identificação de mutações patogênicas, principalmente em crianças assintomáticas para doenças de início tardio, para as quais ainda não tratamento.
A clonagem humana nos faz vivenciar o mito da imortalidade, tão vastamente debatido por Platão. O clone pode mesmo ser idêntico do ponto de vista biológico, mas sempre será diferente do ponto de vista pessoal.
Pode-se copiar, reproduzir a biologia de um ser humano mas não sua personalidade. Mesmo ante gêmeos univitelinos idênticos, há sempre uma diferente identidade específica.
A moralidade da clonagem é no mínimo discutível embora sempre tenhamos identidades antropológicas diversas. Nas sábias palavras de José Ortega y Gasset, filósofo espanhol: “Eu sou eu e minhas circunsTâncias”, desta forma, não há como confundir a identidade com especificidade.
O filósofo francês Jean Baudrillard considerou o clone um crime perfeito(…)o conflito entre o original e sua cópia, não está perto de terminar, nem aquele que há entre o real e o virtual.
Experimentarmos do fascínio do criador até a perplexidade quando o cientista romano Severino Antinori anunciou sua intenção de clonar o homem, antes o cientista Richard Seed(já tinha há quatro anos atrás) feito a mesma ameaça, não galgando êxito.
Guardadas as devidas distinções havidas entre a clonagem reprodutiva e a terapêutica, teríamos a partir da célula- tronco a possibilidade de “construir” , por exemplo, um novo fígado e trazer a esperança de controle para doenças como as Síndromes de Parkinson ou Alzheimer, diabetes e, etc.
Outra questão é se a clonagem atenta ou não contra a diversidade humana. O homo sapiens transformado em homo faber cada vez mais busca como nosso primeiro dever ético, a preservação da própria natureza.
Embora que o conceito científico válido esteja longe do que é moralmente aceitável, e podemos posicionar entre os grandes desafios da bioética, é exatamente a dificuldade em trabalhar a relação entre a certeza e a dúvida.
A ciência se torna perigosa e predatória, nesse sentido, a alguns valores humanos que devem e podem ser revisados procurando-se auferir um responsabilidade ética e defendendo a liberdade com o controle sobre as aplicações práticas, e, particularmente, sobre a tecnologia, inserindo-se assim um controle ético.
De qualquer maneira, nenhum posicionamento extremista é moral e juridicamente válido.
GISELE LEITE é professora de Direito no Rio de Janeiro e articulista do site direito.com.br