Alexandre Costa de Luna Freire
Consumidor, Pequenas Causas e Economia Informal
Autor: *Alexandre Costa de Luna Freire
RENE DAVID sugere que a interpretação de um artigo de lei significa a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Premissa salutar em hermenêutica indica a Constituição como ponto de partida. Uma das razões decorre da legitimidade da representação. Inspiração de BLACK e de outros notáveis do constitucionalismo equaciona os parâmetros dos poderes constituintes e constituídos.
Os percalços e óbices à realização da Justiça, como meta Poder Judiciário, ou da Justiça Social, implementada pelo Poder Executivo, e delineada pelo Poder Legislativo, reclamam intensa diligência e vigilância.
Nas relações econômicas, o segmento consumo é indissociável da vida no dia-a-dia.
As rápidas transformações sociais e econômicas da atualidade implicam em mudanças aceleradas de valores e, conseqüentemente, de comportamento. Sem observância atenta das atitudes, a falta de sincronicidade implica em fomento de conflitos.
A postura do constituinte no plano das atividades econômicas gravitou em torno do consumidor com nítida atenção. Vejam-se alguns dispositivos imediatos:
– Código, art. 48 do ADCT:
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
– Defesa, art. 5º, XXXII, art. 150, § 5º, art. 170, V da Constituição Federal:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos:
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
§ 5º. A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.
– Art. 170, V – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados os seguintes princípios:
IV – livre concorrência
V – defesa do consumidor
VI – defesa do meio ambiente
VII – redução das desigualdades regionais e sociais
VIII – busca do pleno emprego
IX – tratamento favorecido para empresas brasileiras de capital e pequeno porte.
Parágrafo Único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
– Direitos, serviços públicos, art. 175, p. ú.:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
– Responsabilidade por dano, art. 24, VIII:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
– Legislação concorrente
Afora as citações imediatas e expressas, cada um de nós poderá lembrar, particularmente inúmeras outras que dizem respeito ao nosso viver e conviver diário, seja em atividade civil, comercial ou funcional.
Importante é avaliar os reflexos que as relações de consumo alteram, abalam ou contribuem para o nosso bem estar individual, familiar ou social. Também, o quanto a nossa contribuição em quaisquer aspectos do cotidiano irá refletir no presente e no futuro, principalmente.
Não apenas agora, mas, no futuro. Seja porque é no futuro que iremos viver ou sofrer as conseqüências de nossas ações ou omissões. Seja porque é nossa a responsabilidade para com as próximas gerações que nos confiaram e acreditaram em nossas intenções reais.
Se habituarmo-nos a entender ou a encarar a economia apenas pelo sedutor aparato publicitário das grandes empresas, não devemos desviar a rota e esquecer a sustentação econômica das atividades de mínimo porte que têm respaldo elevado em termos de economia agregada chegando a atingir a posição de carro-chefe do produto nacional bruto, interagindo com o mercado de trabalho e com o equilíbrio social.
Se o modelo jurídico está impregnado dos resquícios das transformações burguesas bicentenárias e a economia transporta-se em destino à 3ª e 4ª ondas, o modelo ultrapassado ou atualiza-se e adapta-se às necessidades emergentes, ou marginaliza-se e desacredita-se, ou sucumbe ante às aspirações das changing societies.
ANTONIO CARLOS WOLKMER traça bem um diagnóstico de mudanças, carências, e perspectivas da demanda social por justiça (hoje confundindo-se com justiça social), cuja conceituação e individuação não parece se comportar nos estreitos limites desta explanação.
Aponta desvãos significativos da perda de rumo dos modelos jurídicos existentes.
A multidisciplinar perspectiva do Direito é hoje inafastável sob pena de recorrente solitude científica e mesmo metafísica, em que o lenitivo para as frustrações operacionais do modelo jurídico existente desaguará no saudosismo.
A lição dos romanos em todos os seus aspectos jurídicos é sempre presente. Até quando no declínio e na queda do Império, não nos esqueçamos de que aquele sistema jurídico não acompanhou as transformações comerciais e fiscais relativamente aos povos conquistados.
O Direito Civil tornou-se impotente para reger as relações das riquezas, os transportes, a navegação e a emergência de uma nova elite econômica.
Qual a semelhança, na era das infovias, do meio ambiente, das minorias, dos separatismos, da era global, das guerras publicitárias diante de um modelo jurídico que receia as conquistas tecnológicas ?
Que temos a dizer sobre as transformações conceituais, de valores e comportamento ?
Que atitudes desenvolvemos, com sacrifício próprio, para impulsionar o nosso próprio progresso enquanto setor de indelegável importância para minimizar as diferenças sociais?
A visão pragmática não nos demove de compreender necessário a transformação do processo judicial, acessível, simples, economicamente palpável às desiguais situações, simplificação dos instrumentos jurídicos aos setores da economia e segmentos sociais desfavorecidos, quer material ou culturalmente.
Com isso a Administração da Justiça e formar alternativas de reparação nas relações econômicas e de consumo, em que a economia dita informal, viabiliza suas perspectivas sem esbarrar em dificuldades, muitas vezes, desinteligentes, mesmo no plano econômico.
Traçadas estas linhas relativamente às premissas constitucionais de economia e consumo, no que se permite o tempo da explanação, principalmente porque os especialistas em matéria de consumidor estão abalizados a dissecar e interpretar os instrumentos legais existentes, vejamos uma diferença entre processo e produto na ECONOMIA INFORMAL:
A massiva veiculação de notícias sobre a justiça, notadamente envolvendo ações contra a Administração Pública, produziu efeitos devastadores em diversos segmentos da sociedade e dos próprios órgãos do Judiciário, Executivo e Legislativo.
A Constituição de 1988 trouxe mudanças irreversíveis na consciência jurídica e política brasileiras de modo que antes mesmo de o Poder Legislativo desinibir-se dos encargos assumidos, inerentes à função, há setores significativos, incrustados nas elites nacionais e estrangeiras, atentos às transformações correntes no Brasil e produzidas pelo aprendizado democrático.
Os avanços mais recentes na área do Direito deveram-se mais à experimentação da Sociedade no acesso à Justiça do que propriamente através dos setores tradicionais de produção do pensamento, como algumas Faculdades de Direito. Estas absorvidas pelas rápidas transformações sociais e administrativas, decorrentes da nova ordem mundial, caminham mais para a investigação e pesquisa, no plano da ciência jurídica e, para a reprodução às vezes de modelos ultrapassados no que concerne a superação do primado do direito tradicional.
O escoamento dos anseios sociais via Judiciário não poderia acarretar resultado diverso. A enxurrada de autos envolvendo processos eivados de formalismos inúteis, escassez de funcionários e de juizes, convivendo, entediadamente, com o tradicional preceito de que ao Judiciário os recursos deverão ser sempre módicos e destinados após defasados quanto às crescentes necessidades.
Para organização do Poder Judiciário Nacional, é necessário que a administração da Justiça seja prestigiada com igualdade desde a mais longínqua Comarca do Amazonas até às soberbas Regiões. Que não tenha imponência da Corte da SMALL CLAIMS (pequenas causas), mas que telex, fax, informática e pessoal habilitado não seja privilégio do lado do estado paralelo.
Nessa abordagem, entretanto, o ponto ainda não investigado discutido à exaustão, é o da desnecessária complicação processual, cuja existência não deve ser alimentada, pelo saudoso sentimento intelectual de curtição dos clássicos doutrinadores.
Para se ter uma idéia da barafunda emergente nas leis processuais, recente edição do Código de Processo Civil, de THEOTÔNIO NEGRÃO, vai para mais de 1.400 (um mil e quatrocentas) páginas com glosas e valorosíssimas anotações. E praza aos céus que as edições se sucedam, porque já há leis novas alterando alguns dos processos, mensalmente.
Seria possível haver iniciativa e boa vontade para, ao menos simplificar as leis, eliminar alguns dos ritos desnecessários previstos em leis especiais, quando a pobre juventude está desgastada com aquisição das leis, de doutrina e mesmo de apreendê-las, dada a voracidade com que neste País as pessoas se dedicam a legislar. Enquanto isso, pende de regulamentação um elenco de direitos constitucionais importantíssimos.
Toda esta parafernália decorrente da estagnação do pensamento jurídico diante da sociedade em mudança, implica em confusão entre o produto e o processo no mundo do direito.
Quando importante empresa internacional tentou detectar porque estava perdendo aceitação no mercado, verificou que durante muito tempo, esqueceu-se do cliente porque privilegiou a tecnologia do processo ao invés do produto.
Quando se fala em Justiça nunca se deve pensar que o produto final seja a sentença, mas a Justiça.
Uma pessoa que deseja se locomover com conforto e segurança não se restringe apenas ao automóvel. Poderá optar por metrô, ônibus, etc. O produto é o serviço de transporte e não o veículo utilizado.
Do mesmo modo, o aposentado, o camelô, o ambulante, a viúva, o contribuinte, deseja o proveito econômico da prestação jurisdicional, segundo os parâmetros que reputa justos. Pouco importa a tipologia processual adotada: cautelar, mandamental, execução, etc. O valor de tais processos decaiu em face da explosão de novas demandas sociais por Justiça.
Os recursos tecnológicos deverão ser incorporados à nova realidade jurídico processual com brevidade, porque não há substitutos estáveis e confiáveis da jurisdição.
É imperiosa a difusão da natureza meramente instrumental do processo, simplificando-o e recuperando a sua credibilidade.
No tocante ao processo penal, por exemplo, proponho:
– simplificação dos ritos;
– simplificação dos atos da acusação e da defesa;
– simplificação do julgamento;
– penas e fianças econômicas para custeio da execução da pena e da administração da Justiça;
– penas comunitárias;
– exclusão dos inocentes das penas pecuniárias (porque no atual modelo são os contribuintes pontuais custeando a Administração orçamentária da Execução Penal), através de sistema tributário e discriminação constitucional de rendas calcada em modelo ultrapassado. As atividades mercantis, atreladas à economia informal estão a merecer reformas estruturais com reflexo nos registros públicos, tributação, fiscalização, arrecadação, acesso à Justiça, substitutivos da jurisdição, custas e emolumentos, entre outros pontos relevantes.
Encerrando estas digressões permitam-me trazer dois fatos que enfocam a cidadania na relação de consumo.
Certa vez, na Disney, esperando o encerramento do espetáculo de fogos de artifício, quando minha filha queria comprar morangos numa carrocinha móvel. Dirigi-me à vendedora e fiz o pedido. A carrocinha ainda tinha certa quantidade. Mas a vendedora respondeu que não tinha mais.
Surpreso, com a resposta, insisti:
– Mas e estes?
– Ora, não tenho mais, não estão lavados.
Retornei:
– A Srª me vende para lava-los no hotel.
– Of course not. Encerrou, a vendedora, a questão.
Moral da história: responsabilidade civil.
Outra, na atuante Curadoria do Consumidor, pude resolver numa única Audiência um problema de eletrodoméstico defeituoso que certo comerciante, talvez ingênuo ou despreparado, relutava em arcar com as conseqüências de vício redibitório.
*Alexandre Costa de Luna Freire é Juiz Federal da 2ª Vara Seção Judiciária da Paraíba – 5ª Região..