A Lei 11.079 de 2004 previu duas novas modalidades de concessão (patrocinada e administrativa) e reuniu-as sob a classe do que chamou Parcerias Público-Privadas.
O traço distintivo entre as duas modalidades de concessão, assim como em relação às concessões comuns, reside exatamente nas regras de remuneração do setor privado. A concessão administrativa se distingue das demais em razão da remuneração do setor privado originar-se exclusivamente do setor público e, simultaneamente, ser impossível quer do ponto de vista jurídico, quer sob o prisma econômico, a tarifação do serviço; a comum é aquela em que a tarifa paga pelo usuário do serviço ou da infra-estrutura concedida constitui a totalidade da receita do concessionário; e, finalmente, a patrocinada, em que uma conjunção das contribuições dos usuários e do setor público compõem as receitas do parceiro privado.
A questão que pretendemos abordar neste pequeno texto refere-se às possibilidades legais à disposição dos projetos de parceria público-privada no sentido de viabilizar a contraprestação pecuniária da administração pública em favor do setor privado nos contratos de concessão patrocinada.
A Lei 11.079 assim tratou o tema: “A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por: I-ordem bancária; II- cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V- outros meios admitidos em lei.”
A distinção entre os modelos de concessões existentes após o advento da Lei 11.079 deve ser construída, pelo intérprete, com rigor lógico e sistematização dos três institutos, sob pena de, aplicando-se isoladamente os textos normativos, chegar-se a verdadeiras teratologias e, pior, construções que negam umas as outras.
Com efeito, mister observar, inicialmente o regramento da concessão comum, tal como desenhado pela Lei 8987/95. Os elementos essenciais do instituto e que aqui nos interessam podem ser assim resumidos: I – Delegação pela Administração da execução de um serviço público ou da exploração de uma infra-estrutura; II – remuneração exclusivamente paga pelo usuário através de tarifa.
Para a consecução do objetivo de uma concessão comum é usual a administração ceder ao concessionário a outorga de direitos em face da administração pública ou, ainda mais usual, ceder a outorga de direitos sobre bens dominicais. Portanto, as hipóteses legais descritas no artigo 6º da Lei 11.079, merecem interpretação criteriosa, sob pena de se nominar concessão patrocinada a simples concessão comum.
Quem antes sistematizou tal interpretação foi Mário Engler Pinto Junior, procurador do Estado de São Paulo e ex-presidente da Companhia Paulista de Parcerias, em competentíssimo ensaio, neste particular, assim lançado: “No caso de outras contrapartidas estatais (v.g. outorga de direitos em face da Administração ou sobre bens dominicais), não faz sentido o regramento especial da Lei n. 11.079/04, que claramente foi idealizado para lidar com a presença de contraprestação pecuniária. Portanto, é natural que a relação jurídica seja tratada como concessão comum e continue sob a égide da Lei 8.987.”
Tal digressão foi necessária para reduzirmos o objeto desta singela reflexão a apenas e tão somente à previsão da contraprestação pecuniária a ser paga em dinheiro pela administração.
Neste particular, os projetos de PPP postos em andamento no Brasil têm indicado duas espécies de contraprestação: (i) uma quantia em dinheiro a ser paga pela administração ao concessionário, fixada na proposta comercial, normalmente limitada no seu máximo pelo Edital de licitação e sem qualquer relação com a tarifa a ser cobrada do usuário; (ii) outra, uma promessa de pagamento de quantia em dinheiro referente a um adicional tarifário que complemente as receitas necessárias para a manutenção de um equilíbrio econômico-financeiro.
Pois bem. Em relação à primeira, importante destacar que qualquer pagamento do setor público ao setor privado dependerá da prévia disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público-privada. A meu ver, o legislador errou neste aspecto. Ao proibir à administração adiantar valores a título de contraprestação pecuniária, obrigou o parceiro privado a financiar todo o capital necessário à construção da infra-estrutura no mercado financeiro ou em agências de desenvolvimento. Desse modo, obrigou a administração a suportar o custo do capital mesmo quando ela própria possua os recursos que poderia aportar durante a construção, diminuindo sensivelmente os custos dos projetos.
A outra possibilidade usual é a complementação tarifária. Esta evidentemente pode ser fixa, variável e dependente ou não de certos eventos. Também com acerto Mário Engler leciona com clareza ímpar: “Vale dizer, o complemento tarifário, não obstante já regulamentado contratualmente, pode ter caráter contingente (i.e. ficar sujeito a condição suspensiva) e somente se tornar devido em hipóteses previamente estabelecidas. Isso ocorre normalmente quando o poder concedente quiser manter a discricionariedade da política tarifária em face do usuário e, ao mesmo tempo, assegurar ao concessionário uma remuneração reajustável periodicamente por índice pré-determinado de preço ou custo.”
O edital da Linha 4 amarela do Metrô de São Paulo prevê a conjugação das duas modalidades acima descritas. O edital fixou uma tarifa remuneração desvinculada da tarifa do usuário que poderá ou não exigir uma complementação pelo Estado. Mas também previu a disposição da administração em pagar uma quantia fixa, após o início da operação comercial. A complementação tarifária foi revestida de um regramento tal como descrito acima por Mário Engler. O usuário continuará pagando a tarifa a ser fixada pelo Poder Concedente, como instrumento de realização de política pública e social. O concessionário fará jus ao recebimento de uma tarifa em razão de cada usuário transportado, sujeita a reajustes previstos contratualmente. Ao longo da vigência contratual (30 anos) é possível que a tarifa paga pelo usuário descole da tarifa contratual, inicialmente fixadas em valores idênticos. Se isso ocorrer de forma favorável ao concessionário, competirá ao Poder Concedente efetuar o pagamento da diferença. Caso contrário, ou seja, caso a tarifa contratual seja inferior a cobrada do usuário, a diferença assistirá ao Poder Concedente.
O certo é que a contraprestação, quando fixada exclusivamente nessa modalidade é, como já frisado, contingente. Poderá ou não ocorrer. E, nessa hipótese, apresenta-se a dúvida: em qual modalidade de concessão enquadrar um modelo dessa natureza?
A mim me parece, sem sombra de dúvidas, que a contingência, aqui, determina, obrigatoriamente, a escolha pelo modelo regido pela Lei 11.079. E, também me parece, que a questão é de fácil deslinde. Na medida que o regime da concessão comum, cujo contorno é dado pela Lei 8.987, veda expressamente a concessão de complementação tarifária, é simples responder que necessitando a administração de regras que lhe autorizem, em algum momento, lançar mão da complementação tarifária, não poderá valer-se do regramento das concessões comuns. Restará apenas o instituto da concessão patrocinada a suportar a eventualidade da complementação tarifária.
É de se concluir, então, que sempre que se tenha a hipótese de transferência de recursos públicos para o setor privado, na vigência do contrato de concessão, ainda que sujeita a condições cuja ocorrência é contingente, o modelo a ser adotado deverá ser o previsto na Lei 11.079, sob a denominação de concessão patrocinada.
Verificamos que é possível à administração também conjugar as duas modalidades de contraprestação, ou optar apenas por uma delas, sempre levando em consideração o equilíbrio entre o princípio da economicidade e a geração da necessária atração do capital privado.
Não se pode, também, a priori, descartar outras maneiras de se viabilizar e de se condicionar a transferência de recursos do setor público ao setor privado, desde que, evidentemente, respeitadas as condicionantes do regime jurídico instituído pela Lei 11.079, conjugadas com aquelas da Lei de Responsabilidade Fiscal.
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Sérgio Henrique Passos Avelleda, 33 anos, é advogado e gerente jurídico da Companhia do Metrô de São Paulo. Mestrando em filosofia do direito na PUC/SP, é professor universitário e do programa Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP extra-muros.