Contrato nulo

Fabiano Zavanella

A questão dos direitos devidos ao empregado contratado por empresa de economia mista sem submissão ao concurso público e a conseqüente nulidade desta avença é tema bastante recorrente no Judiciário Trabalhista face inúmeras situações criadas em decorrência de escolhas administrativas quer por necessidade ou mesmo despreparo técnico, que merecem adequado enfrentamento.

Partindo-se da premissa inequívoca que os contratos de trabalho firmados em desacordo com a regra Constitucional do inciso II do artigo 37, ou seja, sem que o ingresso decorra de êxito em concurso público, são nulos de pleno direito, gerando tal nulidade efeitos “ex tunc”, deve-se concluir que o trabalhador faz jus tão somente à contraprestação pelo labor desempenhado, já que não há outra forma de ressarci-lo pelo tempo despendido em favor da empresa.

Desta forma, durante longos anos se travou uma intensa discussão quanto aos efeitos decorrentes desta declaração de nulidade de tais contratos de trabalho especialmente os de natureza econômica, ou seja, com quais verbas deve o administrador honrar quando se deparar com tal hipótese.

Assim sendo, depois de reiterados julgados sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho resolveu editar a atual Súmula 363, a qual detém a seguinte redação:

Nº 363 – Contrato nulo efeitos – nova redação

A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo artigo 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Por conseguinte pela análise do texto supra, pode-se concluir que ao trabalhador enquadrado na situação narrada é devido tão somente o salário do período em relação ao número de horas trabalhadas e os valores referentes aos depósitos fundiários.

Tal apontamento decorre da utilização e aplicação do entendimento sumulado pelo TST, já que mais benéfico e favorável à empresa sob o ponto de vista do dispêndio econômico, sendo no entanto imperioso lembrar que em nosso ordenamento normativo, a Súmula funciona meramente como fonte hermenêutica de direito, ocupando portanto papel de subsídio na análise e julgamento de situações idênticas, porém não detendo efeito vinculante.

Assim se pode concluir que, no caso específico, o não pagamento de verbas rescisórias com exceção das horas trabalhadas e do FGTS, face nulidade do contrato de trabalho, estaria de acordo com o texto da Súmula 363 do TST, no entanto, tal não significa absolutismo sob o aspecto de questionamento desta conduta perante a Justiça do Trabalho, como aliás se denota do objeto das diversas ações propostas com tal objeto.
Importante lembrar que, em tais casos, em que pese à liberdade do juízo para formação de seu convencimento e a não vinculação do julgado ao texto da Súmula, o TST mantém seu posicionamento sumulado, conforme se denota do seguinte aresto:

Agravo de instrumento recurso de revista
Decorre, do acórdão regional, o entendimento sobre a invalidade do contrato por prazo determinado celebrado em razão de os serviços a eles atinentes serem objeto das atribuições de cargo efetivo e finalidade permanente do reclamado. Assim, é nula a primeira contratação em razão do seu objeto e sua prorrogação se ressente da ausência de concurso público. Aplicação da Súmula 363 do TST: “A contratação de servidor público, após a Constituição de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu artigo 37, II, e § 2º, somente conferindo-lhe direito ao pagamento da contraprestação pactuada em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”. Agravo de instrumento desprovido. (TST – AIRR 432/2002-071-09-40.3 – 1ª T. – Relª Juíza Conv. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro – DJU 01.07.2005)

Portanto, a probabilidade de uma eventual condenação ao pagamento de verbas rescisórias diversas daquelas previstas no Enunciado 363 do TST é bastante remota e de difícil verificação, especialmente se a discussão for levada até a última instância da Justiça do Trabalho.

Todavia, muitas são as hipóteses ou situações onde seguindo determinada premissa, mesmo ante notória nulidade do contrato, a empresa de economia mista por conta da demissão efetiva pagamento a título de verbas que não só as previstas na Súmula 363, especialmente em períodos anteriores à própria edição desta, gerando também discussão quanto à possibilidade ou não de propor ação de cobrança para reaver tais valores.

Assim sendo, importante delimitar eventual condição de credor da empresa face os empregados que se beneficiaram com o pagamento integral das verbas rescisórias. Por conseguinte, necessário que a análise enfrente os temas atinentes à legitimidade e possibilidade jurídica do pedido, a fim de se propiciar uma segura opção quanto ao caminho a ser seguido.

Desta maneira, a legitimidade, conforme aponta o professor Sérgio Bermudes, é a coincidência entre a postulação do autor e o esquema de proteção previsto na lei, quase sempre pela enunciação de norma agende, da qual nasce o direito subjetivo conhecido segundo orientação doutrinária. Há dois sujeitos integrantes da relação jurídica processual: aquele que exercita o poder de agir em juízo e aquele em face do qual se exercita esse poder, figurando o juiz como mero sujeito imparcial.

Transportando esta conceituação ao plano prático para se proceder a análise da legitimidade de determinada empresa de economia mista que efetivou pagamento de verbas rescisórias para empregados demitidos por conta da declaração de nulidade do contrato de trabalho, para propor ações de cobrança, pode-se concluir que tal elemento se demonstra presente, já que a origem ou a causa remota da demanda é a existência de um contrato entre as partes, no caso de trabalho, determinando assim que referida demanda tramite na Justiça Especializada.

Todavia, a delimitação da legitimidade para propositura da ação não se demonstra suficiente para propiciar ao administrador uma análise efetiva do caminho a ser seguido, já que, além da presença deste requisito, imperioso se verificar a possibilidade jurídica deste pedido e conseqüentemente da ação de cobrança e sua própria efetividade prática.

Segundo palavras do professor Marcato, traduzindo a definição de Liebman, a possibilidade jurídica é a admissibilidade, em abstrato, do pedido, segundo as normas vigentes no ordenamento jurídico nacional, enquanto a impossibilidade jurídica não é apenas relativa ao pedido, mas também pertinente à causa de pedir —impossibilidade jurídica da ação de cobrança fundada em dívida de jogo— ou à própria qualidade da parte —impossibilidade de execução por expropriação forçada contra a Fazenda Pública, entre outras.

Por tal caminho e definição, percebe-se que propor a aludida ação de cobrança, não encontra obstáculo no ordenamento legal, até mesmo porque referida demanda seguirá pelo rito ordinário, pelo qual necessária à produção inequívoca de prova da condição de credor dos valores-objeto da demanda.

Portanto, pela sistematização supra, pode-se compreender que nenhuma barreira legal se apresenta aparente para a pretensão almejada, até mesmo porque o direito de ação e acesso a Justiça é Constitucional, todavia é preciso analisar com cautela o objeto da demanda e sua efetividade no plano prático.

Última Instância Revista Jurídica

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