por Rodrigo Tubino Veloso
Como é sabido, após a celebração do casamento civil, o patrimônio adquirido pelo casal antes e na constância do matrimônio passa, necessariamente, a ser regrado por um determinado regime, cuja adoção pode ser livremente convencionada pelos noivos. Isto é realizado por meio da formalização de um pacto ou contrato pré-nupcial. Na ausência desse documento, submetem-se os bens dos cônjuges ao regime estabelecido por lei.
No passado, por disposição da lei, os bens da mulher e do marido eram submetidos ao regime de comunhão universal. Ou seja, havia plena comunicabilidade de bens. Entendia-se, nas palavras do jurista Lafayette (1), que a comunhão era por certo o regime que mais se coadunava com a índole da sociedade conjugal, representando no mundo material a identificação da vida e destino dos cônjuges, “confundindo na mais perfeita igualdade os interesses de um e de outro.”
Todavia, com o passar dos tempos, as alterações na sociedade, entre as quais destacamos a independência socioeconômica da mulher, distanciaram a realidade do casamento daquele antigo modelo. A Lei 6515/77, que instituiu o divórcio no Brasil, consolidou tal modificação, ao passar a estabelecer como regime legal o da comunhão parcial de bens, posicionamento seguido pelo Código Civil de 2002, nos termos do seu artigo 1.640 e seguintes. Ou seja, caso antes do casamento os noivos não tenham convencionado, por meio de pacto ou contrato pré-nupcial, o regime ao qual pretendem submeter seu patrimônio, celebrado o matrimônio, o regime patrimonial vigente é o da comunhão parcial, que determina a comunicação somente dos bens adquiridos após o casamento.
Para aqueles que optarem por regime diverso da comunhão parcial, como a separação total ou a comunhão universal, por exemplo, tratou o Código Civil atual, nos moldes dos artigos 1.653 a 1657, acompanhando as regras do Código Civil de 1916, de dispor sobre o pacto ou contrato pré-nupcial. Este é o instrumento pelo qual esposa e marido, no âmbito da sua autonomia privada, antes da celebração do casamento, acordam não apenas sobre o regime de bens a que pretendem submeter o seu patrimônio, mas também, se assim desejarem, sobre tudo que esteja relacionado à relação matrimonial, desde que não viole disposição absoluta de lei.
Por disposição absoluta, a título de exemplificação, cite-se a impossibilidade de os cônjuges transacionarem acerca da fixação de alimentos ou estipularem sua renúncia. Nessa mesma linha, homens e mulheres maiores de 60 e 50 anos, respectivamente, também estão impedidos de optar por outro regime que não o da separação absoluta de bens.
Cláusulas que prevejam o não cumprimento de quaisquer dos deveres dos cônjuges arrolados no artigo 1.566 do CC/2002, tais como fidelidade e respeito recíprocos, mútua assistência e sustento dos filhos, igualmente, ainda que constem do instrumento, não produzem quaisquer efeitos. Em outras palavras, não podem os cônjuges estipular renúncia à fidelidade, ou, ainda, que estão desobrigados a prestar assistência recíproca, mesmo que haja proveito econômico imediato ao renunciante. A lei veda tais estipulações, devendo o Poder Judiciário, se provocado, anulá-las de pleno direito para qualquer efeito.
Importante destacar a crescente utilização do contrato pré-nupcial, ainda que, para alguns mais conservadores, demagogos ou ingênuos, seja motivo de mal-estar entre nubentes e suas famílias, por tratar de questões de ordem patrimonial e financeira antes do casamento.
Apesar da resistência de alguns, o contrato pré-nupcial é um instrumento importante na prevenção de conflitos, principalmente quando celebrado entre casais de nível sociocultural e/ou socioeconômico díspares, ou, também, quando um dos noivos exerce atividade econômica de elevado risco financeiro, bem como na hipótese de haver herdeiros, no caso filhos, advindos de outras uniões.
Certamente, o contrato pré-nupcial, se bem elaborado, impede a instauração de litígios sobre partilha de bens e pode evitar que o patrimônio do casal seja dilapidado por fatores externos, tal como o risco da atividade profissional da mulher ou do homem. Assim, os noivos devem ficar atentos à norma inserta no artigo 1.653 do Código Civil de 2002, que assevera ser imprescindível a formalização do contrato pré-nupcial por escritura pública para que seja válido. Neste mesmo sentido, para que produza efeitos perante terceiros, dispõe o artigo 1.657 da mesma lei que o contrato deve ser registrado, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio do casal.
Assim, o contrato pré-nupcial é um instrumento útil para prevenção de conflitos e eficaz em propiciar segurança jurídica aos casais, comumente vitimados por conflitos de ordem patrimonial, ainda que de acanhado valor econômico, mas que certamente demandam desnecessário e expressivo desgaste emocional e financeiro.
Nota de rodapé
(1) “Direito de Família”, Rio 1889, p.98
Rodrigo Tubino Veloso e advogado, formado pela Faculdade de Direito da USP, pós-graduado em Administração pela FGV, pós-graduado em Direito Processual Civil na Escola Paulista de Magistratura e coordenador da comissão de prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo, é especialista em defesa do consumidor e direito civil.