"Controle de constitucionalidade é indispensável."

“A idéia de Constituição é antiga e pode ser localizada na Grécia e em Roma, no domínio do pensamento filosófico e político. Aristóteles concebeu a Constituição — a politeia — como sendo o elemento que confere forma à cidade, aquele que a constitui. Sócrates identificava a Constituição como a alma da cidade. Em Roma, Cícero falava na Constituição da República — Constitutionem rei publicae.” (HORTA:1995, 53).

Com PINTO FERREIRA (1998:8), “Vejamos algumas outras conceituações. Segundo Orban uma Constituição é a lei fundamental do Estado, anterior e superior a todas as outras. De acordo com Cooley, é o corpo de regras segundo as quais os poderes da soberania são habitualmente exercidos. O jurista francês Maurice Hauriou expressa que a Constituição de um Estado é o conjunto de regras relativas ao governo e à vida da comunidade estatal, considerada desde o ponto de vista da existência fundamental desta. Na definição de Jellinek, a Constituição dos Estados abraça os princípios jurídicos que designam os órgãos supremo, os modos de sua criação, suas relações mútuas e fixa o círculo de ação de cada um deles com respeito ao poder do Estado.” O mesmo autor resume e descreve que a Constituição “é a lei fundamental do Estado, i. é, a ordem jurídica fundamental do Estado”.

Na esteira, TAVARES (2002:86) diz que “o conjunto de normas constitucionais forma um sistema, que no caso é, necessariamente, harmônico, ordenado, coeso, por força da supremacia constitucional, que impede o intérprete de admitir qualquer contradição interna”. Sem embargo, SILVA (1998:47) afirma que “a rigidezconstitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos”.

Ora, se a ordem jurídica deve ser um sistema uno, completo e coerente, se a Constituição de 1988 (CF/88) é rígida, é a lei suprema e se esta supremacia requer que todos as situações jurídicas se conformem com os ditames da Carta, então é necessária uma apropriada fiscalização dos atos jurídicos constitucionais (emendas) e infraconstitucionais do ordenamento. Logo, “controlar a constitucionalidade significa aferir a compatibilidade de uma lei/ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.” (MORAES:2001, 559). Este acrescenta que “A idéia de controle da constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento, à de rigidez constitucional e à proteção dos direitos fundamentais”.

No que concerne ao controle jurisdicional (repressivo) (o preventivo não foi abordado, pois, no dizer de ARAUJO (1999:25), “a fase preventiva do controle de constitucionalidade, em princípio, não é jurisdicional.”), Sérgio Resende de Barros (In TAVARES, ROTHENBURG:2001, 180) leciona que “No Brasil, estabeleceu-se um sistema misto que atou duas linhas de controle da constitucionalidade. Na concepção inspirada em Marshall, dita americana, o controle se faz em concreto, por argüição incidente em uma ação qualquer, a titularidade para controlar é difusa por todo o Judiciário, sendo a sentença declaratória de nulidade preexistente, com efeito retroativo ex tunc e restrito inter partes. Já a concepção inspirada em Kelsen, dita européia, possibilita o controle em abstrato, por ação direta, na qual a inconstitucionalidade é discutida em tese e a titularidade para controlar é concentrada em um tribunal de alto nível, cujo acórdão é constitutivo-negativo ou desconstitutivo, com efeito ampliado erga omnes e fixado pro tempore: em um tempo certo, ex tunc, ex nunc ou pro futuro”.

Sobre a via difusa, NISHIYAMA (2001:79) expõe que “possui as seguintes características: A) só é exercitável à vista de caso concreto, de litígio posto em juízo; B) o Juiz singular poderá declarar a inconstitucionalidade de ato normativo ao solucionar o litígio entre partes; C) não é declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, mas de exigência imposta para a solução do caso concreto; D) a declaração, portanto, não é o objetivo principal da lide, mas incidente, conseqüência”.

E prossegue o autor, explicando que “pela via difusa pressupõe-se a existência de um caso concreto e a sua decisão terá efeito apenas entre as partes no processo. Pode ser requerida tanto pelo autor como pelo réu e pode ser utilizada qualquer forma processual, p. ex., Mandado de Segurança, Habeas Corpus e nas defesas judiciais”. Essa discussão pode chegar ao STF — especialmente pela via do Recurso Extraordinário (RE) previsto no art. 102, III, da CF/88, regulado pela Lei nº 8038/90 e pelo Regimento Interno do STF — que, como guardião do Texto Magno, tem a tarefa de dar a palavra final sobre este.

Na seqüência, Resolução do Senado Federal pode, com fulcro no art. 52, X, da Carta, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional pelo STF, em decisão definitiva em RE.

Tal como descreve NISHIYAMA (2001: 80), “o controle concentrado compreende a Ação Direta de In-constitucionalidade (ADIn) e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECon) — além da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADInO) e da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) — e possui as seguintes características: A) foro competente é o STF; B) autores legitimados estão previstos taxativamente na Constituição Federal; C) tem objetivo de controle abstrato, em tese de lei ou ato normativo; D) não existe lide em andamento para resolver um caso concreto; E) não se admite intervenção de terceiros; F) possui efeito erga omnes, ou seja, atingindo todos; G) não se admite a desistência da ação, pois vigora o princípio a indisponibilidade; H) a eficácia da decisão é imediata, não havendo necessidade de comunicação do STF ao Senado Federal”.

Ressalta-se que há muitas divergências se a Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (ADInt), proposta com fulcro em ofensa aos princípios sensíveis previstos no art. 34, I a VII, faz parte do rol das ‘ações concentradas’, motivo pelo qual não se volta tanto a atenção a este tema neste trabalho.

A Lei n. º 9868, de 10/nov/99 é o diploma que regulamenta o processo e o julgamento da ADIn, da ADInO e da ADECon e a Lei nº 9882 de 3/dez/99 é o instrumento que regula a ADPF. No art. 103, I a IX, da CF/88 estão elencados os autores legitimados – alguns universais, outros somente com interesse direto, i. é, com a ‘pertinência temática’ – para a propositura da ADIn, da ADInO e da ADPF. Quanto à ADECon, os legitimados – todos universais – estão previstos no § 4.º, do art. 103, da Carta Política.

Se a ADECon for julgada procedente, a lei/ato adquire em definitivo o status de constitucional, produz eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo (art. 103, § 2.º, CF/88). No caso da ADPF, o § 3.º, do art. 10, da Lei nº 9882/99 determina que “A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgão do Poder Público”, não obstante a ADIn 2231-8/2000 (não julgada) questionar se esta previsão é possível por via de lei ordinária.

Em relação à ADIn, MORAES (2001:599 ss.) explica que “Declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica”.

Vale dizer, “em relação à amplitude dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a regra geral consiste em que a decisão tenha efeitos erga omnes, decretando-se, conforme já analisado, a nulidade total de todos os atos emanados do Poder Público com base na lei ou ato normativo inconstitucional.”

“Em relação aos limites temporais da declaração de inconstitucionalidade temos a seguinte situação: REGRA: efeitos ex tunc, ou seja, retroativos; 1.ª EXCEÇÃO: efeitos ex nunc — não retroativos — à partir do trânsito em julgado da decisão em sede de ação direta de in-constitucionalidade, desde que fixados por 2/3 dos Ministros do STF; 2.ª EXCEÇÃO: efeitos à partir de qualquer momento escolhido pelo STF, desde que fixados por 2/3 dos Ministros do STF. Se o STF entender pela aplicação dessa hipótese excepcional, deverá escolher como termo inicial da produção dos efeitos, qualquer momento entre a edição da norma e a publicação oficial da decisão. Desta forma, não poderá o STF estipular como termo inicial para produção dos efeitos da decisão data posterior à publicação da decisão no Diário Oficial, uma vez que a norma inconstitucional não mais pertence ao ordenamento jurídico, não podendo permanecer produzindo efeitos”.

Inobstante o modo sintético como foram descritos os procedimentos e os efeitos do controle de constitucionalidade no Direito brasileiro (em vista da limitação espacial não foi possível descrever, com minúcias, o procedimento e os efeitos de cada um dos instrumentos, tal como era o desejo inicial), tem-se a convicção que o objetivo foi atingido, haja vista que os aspectos relevantes do controle difuso e concentrado, com suas respectivas nuanças, estão presentes no texto.

Restou patente, com a pesquisa, que o sistema brasileiro é complexo, bem como ficou claro que é um dos mais completos do mundo. É consentâneo afirmar, também, que, em vista à imensa quantidade de processos, seja no controle concentrado, seja no difuso, o STF tem excesso de trabalho (e isto pode comprometer sua atuação), uma das razões pelas quais defende-se a tese de uma divisão do mesmo em um Tribunal Constitucional e em um Tribunal Recursal.

Como consectário relevante do trabalho desenvolvido, fica a certeza de que o controle de constitucionalidade é indispensável à manutenção da ordem jurídica em simetria, bem como é certo que a presença do aludido controle permite que os comandos supremos emanados da Carta sejam respeitados por todos. Ademais, um controle apropriado inibe ao máximo possíveis contradições entre as normas infra-constitucionais (as emendas à Lei Maior, inclusive) e os preceitos, princípios e regras constitucionais.

Restou nítido, por fim, que um controle adequado de constitucionalidade possibilita que o sistema — que tem a Constituição como ápice e como esteio do sistema — mantenha-se sempre coeso, harmônico e sempre em evolução no sentido do desenvolvimento do povo brasileiro como nação.

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Marco Aurélio Paganella é advogado em São Paulo.

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