Controle no sistema federativo

O federalismo brasileiro, com suas peculiaridades, coloca algumas questões importantes para a correta compreensão e atuação do controle dos recursos federais aplicados pelos governos locais. É com a Carta de 1988 que o Município assume a condição de ente federativo, diferenciando a nossa Federação de todas as demais e legitimando a relação direta entre a União e o Município.

A mesma Constituição introduziu uma sistemática sofisticada de repartição constitucional de competências. Com efeito, um país com as dimensões do Brasil, sua diversidade regional e social jamais poderia dar certo se insistisse num modelo centralizado de Administração. Por isso mesmo, fez-se aqui a opção pelo fortalecimento da esfera local de poder, consolidando o princípio da descentralização.

Claro está que isso só seria possível se viesse acompanhado, como veio, por um sistema de forte transferência de verbas. Ele é de tal ordem que hoje alcança cerca de R$ 200 bilhões/ano, para Estados e Municípios; sendo cerca de R$ 100 bilhões só para os Municípios.

Se a execução é descentralizada e os recursos têm que ir junto, o controle da sua aplicação também. O DL 200/67 já previra o controle dos recursos objeto das transferências voluntárias. O que há de novo é apenas que a CGU vem dedicando seus melhores esforços no sentido de que os órgãos ministeriais responsáveis pelas transferências voluntárias cumpram bem o seu papel.

Procuramos ajudar indo ao local – basicamente por sorteio de Municípios – verificar a aplicação desses recursos, identificando os problemas e informando aos ministérios gestores dos programas, além das demais instâncias competentes.

Pré-requisito essencial para que a descentralização funcione bem consiste na boa qualificação da gestão local. Por acreditar nisso, a CGU instituiu, em paralelo a sua atividade fiscalizadora, uma linha de ação orientadora e pedagógica. Com ela, temos realizado treinamentos, capacitação de Agentes Municipais e Conselheiros Locais; elaboramos e distribuímos Manuais de Controle e pretendemos lançar outras linhas de ação, como as Salas dos Prefeitos, em nossas Unidades Regionais nos Estados.

Entendemos também como essencial a participação da população, especialmente a do local, sem o que serão sempre insuficientes os controles oficiais. Por essa razão, divulgamos os resultados das nossas fiscalizações, pois a publicidade de tudo o que é público é Princípio Constitucional.

Na mesma ordem de idéias, lançamos o Portal da Transparência, site na Internet, aberto a todos, sem senha nem cadastramento, onde se publicam todas as despesas dos Órgãos Federais e todos os recursos transferidos Programa por Programa e até Pessoa por Pessoa, no caso das Transferências Diretas ao Cidadão.

Mas não existe tarefa fácil nessa caminhada. Temos encontrado dificuldades, e não poderia ser diferente. A primeira delas é a reação de alguns poucos a uma suposta “interferência federal” nos assuntos do Município, quando a CGU vai, in loco, fiscalizar o uso das verbas federais. Ora, ao fazê-lo estamos apenas cumprindo o que manda a lei e a lógica: se o recurso é federal, os órgãos federais têm o dever de fiscalizá-lo. Outra reação deu-se contra a divulgação dos achados das auditorias. Felizmente, em ambos os casos, as dúvidas foram prontamente afastadas por decisões judiciais do STJ.

Também surgem dúvidas no âmbito dos próprios órgãos federais, quando se discutem projetos de lei anticorrupção, quanto à abrangência que deve ser dada às medidas: se devem alcançar as Administrações Locais ou apenas a Federal. São exemplos disso: o Projeto de Lei sobre Conflito de Interesses, Quarentena e “Pessoas Politicamente Expostas”.

E por vezes somos cobrados, pela opinião pública ou pelos Organismos Internacionais, por não termos levado até as esferas Estadual e Municipal tudo aquilo que estamos instituindo na esfera federal, no Governo Lula. De fato, a prevenção contra a corrupção só será completa, em um regime federativo, quando os Estados-Membros e os Municípios tiverem as mesmas condições e o mesmo empenho na melhoria dos seus próprios Controles e adotarem as medidas de Prevenção e de Transparência das suas Contas.

Jorge Hage, Ministro interino da Controladoria-Geral da União (CGU)

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