Autores: Francisco Carlos Rosas Giardina, Jorge Gonzaga Matsumoto e João Pedro Eyler Póvoa (*)
Dentre as prerrogativas compreendidas atualmente no poder diretivo da empresa, encontra-se a possibilidade de o empregador rescindir de forma unilateral o contrato de trabalho sem qualquer justificativa prévia ou motivo, pagando ao trabalhador somente as indenizações previstas pela Constituição Federal e pela Consolidação das Leis do Trabalho. Dessa forma, não existe qualquer óbice para que se efetue esse tipo de dispensa no Brasil, salvo em casos de estabilidade e garantia de emprego legais.
Norteada pelo conceito de que o emprego pertence ao rol de direitos humanos universais, sendo não somente essencial à sobrevivência, como também importante conexão do trabalhador à sociedade, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) assinou em Genebra, em 22 de junho de 1982, a Convenção 158 da OIT que, embora com baixa adesão dos países membros, foi aprovada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 68/92 e promulgada pelo Decreto 1.855/96.
Essa convenção tem como objeto justamente a proibição de dispensa arbitrária ou sem justo motivo pelo empregador que, se existir, deve ser baseada (I) em motivos tecnológicos, econômicos e estruturais, (II) em contundente prova e possibilidade de defesa do empregado e (III) competindo o ônus da prova ao empregador quanto aos motivos da dispensa sem justo motivo e (IV) possibilidade de o trabalhador recorrer à Justiça do Trabalho, caso discorde da rescisão.
Cientes dos efeitos prejudiciais dessa convenção à competitividade da indústria em termos econômicos e aos investimentos, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em conjunto com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), ajuizaram, em junho de 1996, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480-3 impugnando a própria Convenção. Segundo os autores, esta teria colidido com o art. 7º, inciso I da Constituição Federal, afirmando que ela disciplina as mesmas matérias do tratado (indenização compensatória, para despedida arbitrária sem justa causa) e que a regulamentação da dispensa arbitrária estaria sujeita à reserva constitucional de lei complementar (“LC”).
A doutrina contrária argumenta que a Convenção detém status constitucional, pois versa sobre direitos humanos fundamentais, aderindo-se ao “bloco de constitucionalidade”, suprindo, dessa forma, a exigência da CF, artigo 7º, I.
O pedido de liminar nos autos da ADI-CNI para suspender os efeitos da Convenção foi acolhido pelo STF (votos 7×4), o que acarretou a denúncia brasileira ao tratado, a partir de novembro de 1997, por meio do Decreto 2.100/96 sem qualquer participação do Congresso Nacional. Com a renúncia à Convenção, a ADI-CNI perdeu o objeto e foi arquivada sem o julgamento final de mérito, em 27.06.2001, pelo Ministro Celso de Mello.
Posteriormente ao ato de renúncia à Convenção pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) ajuizaram, em junho de 1997, a ADI 1625-3 requerendo a nulidade da denúncia à Convenção 158, sob o fundamento principal de que esta não poderia ter sido realizada de forma unilateral pelo Poder Executivo, devendo ser submetida ao Congresso Nacional nos termos do artigo 49, inciso I da Constituição.
Adicionalmente, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) ajuizaram a ADC 39, cujo relator é o Ministro Luiz Fux, objetivando seja declarada a constitucionalidade do referido Decreto 2.100/96.
O julgamento da ADI-CONTAG teve continuidade no dia 14 de setembro de 2016, com voto-vista do Ministro Teori Zavascki, tendo sido novamente suspenso o julgamento por pedido de vista do Ministro Dias Toffoli. Já votaram os ministros Maurício Corrêa e Carlos Ayres Britto pela procedência em parte da ADI (a denúncia da Convenção OIT 158 depende do referendo do Congresso Nacional), o ministro Nelson Jobim pela improcedência total e os Ministros Joaquim Barbosa e Rosa Weber pela procedência total da ação (inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96). Não votarão, na atual composição, os ministros Edson Fachin (sucessor de Joaquim Barbosa), Roberto Barroso (sucessor de Ayres Britto), Luiz Fux (sucessor de Eros Grau e, por sua vez, de Maurício Corrêa) e Carmen Lúcia (sucessora de Nelson Jobim). Faltam votar, portanto, além do Ministro Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
A ADI-CONTAG será novamente apregoada para julgamento conjunto com a ADC 39. O voto do ministro Teori foi, em termos práticos, pela improcedência da ADI, já que, conquanto tenha considerado inconstitucional a denúncia da Convenção OIT pelo Presidente da República sem o referendo do Congresso Nacional, o ministro modulou os efeitos da decisão, para convalidar as denúncias ocorridas até a publicação da ata de julgamento desta ADI.
Do cenário hoje existente, caso o STF venha a declarar a inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, essa declaração possivelmente será parcial, ou seja, para exigir o referendo do Congresso Nacional (linha intermediária proposta pelo ministro-relator e Ayres Britto). Em termos práticos, caso confirmada a declaração parcial de inconstitucionalidade da ADI-CONTAG, torna-se possível para os empregadores (i) ajuizar nova ADI nos mesmos termos utilizados pela CNI por ocasião da ADI 1480-3 e pleitear liminarmente a inconstitucionalidade da Convenção 158 da OIT; (ii) atuar junto ao Congresso Nacional para ratificação da denúncia do Tratado.
Dentre os impactos inequívocos do retorno à vigência da Convenção 158, citamos: (i) o engessamento do poder diretivo do empregador de organizar sua atividade econômica; (ii) aumento da informalidade na contratação de empregados; (iii) burocratização no processo de dispensa, na medida que será demandado à empresa o ônus de comprovar a dispensa sem justa causa; (iv) o aumento de processos na Justiça do Trabalho discutindo a legalidade do término do contrato sem justo motivo; (v) o agravamento da insegurança jurídica nas relações trabalhistas na maior crise econômica que o Brasil já vivenciou; (vi) a necessidade de monitorar e documentar a produtividade e performance do empregado planos estruturais da empresa que envolvam tecnologia; (vii) a criação de mecanismos internos nas empresa para o exercício do direito ao contraditório do empregado em vias de ser despedido; (viii) o aumento de custos com área de Recursos Humanos/relacionamento sindical; de governança e da jurídica.
Com base nesses cenários negativos, sugerimos às empresas que tenham especial olhar em relação aos próximos capítulos dessa novela jurídica que já perdura mais de vinte anos, no sentido de estarem atentos aos trâmites no Congresso de possível Lei Complementar que verse sobre dispensa arbitrária e atuação junto ao Congresso Nacional para ratificar a denúncia pelo Poder Executivo em relação à Convenção 158, na hipótese de procedência parcial da ADI-CONTAG.
Autores: Francisco Carlos Rosas Giardina é sócio do Bichara Advogados.
Jorge Gonzaga Matsumoto é sócio do Bichara Advogados.
João Pedro Eyler Póvoa é sócio do Bichara Advogados.