Convênio viabiliza a convalidação de benefícios de ICMS

Autores: Hugo Funaro e Hamilton Dias de Souza (*)

 

A Lei Complementar (LC) 160/2017 autorizou os estados e o Distrito Federal a celebrar convênio para viabilizar a chamada convalidação de incentivos e benefícios de ICMS concedidos até a sua publicação (8/8/2017). Excepcionalmente, estabeleceu-se quórum nacional de 2/3 das unidades federadas, neles compreendido 1/3 das unidades de cada região do país. O objetivo foi debelar a guerra fiscal e restabelecer a segurança jurídica.

Providência similar já havia sido adotada pela LC 24/1975 que, embora imponha unanimidade nas deliberações acerca de desonerações do ICMS, exigiu aprovação de 2/3 das unidades federadas (de qualquer região) para convalidar benefícios concedidos irregularmente antes de sua edição. A expressa recepção desta última lei complementar pelo artigo 34, §8º, do ADCT da Constituição de 1988 revela a possibilidade de adotarem-se diferentes quóruns para a votação de questões distintas envolvendo a matéria, conforme a prudência do legislador complementar.

O Convênio ICMS (CV) 190, de 15/12/2017, regulou a matéria, tendo sido aprovado por 24 unidades federativas, contra o voto de apenas três (Amazonas, Paraná e São Paulo). O placar demonstra o acerto na exigência de maioria qualificada para a deliberação da matéria. Fosse exigida a unanimidade de votos, a recalcitrância de alguns prolongaria o problema, como por diversas vezes ocorreu no passado.

Seguindo as diretrizes da LC 160/2017, o CV 190/2017 autoriza as unidades federativas a, em relação aos incentivos e benefícios instituídos até 8/8/2017, concederem remissão dos respectivos créditos tributários e reinstituírem aqueles ainda em vigor na data de publicação do convênio. Ressalvaram-se os benefícios concedidos às indústrias da Zona Franca de Manaus e aos produtos para lá remetidos, em face de sua reconhecida legitimidade, à luz do artigo 40 do ADCT, do artigo 15 da LC 24/1975 e do artigo 4º do DL 288/1967.

Além de esclarecer dúvidas que existiam a respeito da publicação em diário oficial e do posterior registro e depósito dos atos normativos e concessivos de incentivos e benefícios junto ao Confaz, o CV 190/17 estabeleceu prazos para a adoção dessas providências, cuja ultrapassagem implicará a revogação dos atos normativos e concessivos não regularizados. A fixação de prazos é salutar para eliminar a incerteza em torno do tema, e fundamenta-se na competência outorgada ao convênio pelo artigo 3º da LC 160/2017 para criar outras condicionantes, além das nele previstas. Ademais, tal medida, aliada à publicação de todos os dados inerentes a cada incentivo ou benefício outorgado, conferirá segurança jurídica aos contribuintes e às unidades federadas, que ficaram sujeitas a sanções na hipótese de praticarem guerra fiscal, por força da LC 160/2017.

Algumas objeções poderiam ser levantadas em relação à validade da cláusula que permite a convalidação de incentivos e benefícios desconstituídos judicialmente por violação ao artigo 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal. Embora a questão esteja pendente de exame pelo Supremo Tribunal Federal (tema 817 com repercussão geral), é razoável a expectativa de que venha a ser admitida a convalidação de tais benefícios, uma vez que não há afronta a decisão judicial, mas sim o seu devido acatamento, consubstanciado na celebração de convênio autorizativo da remissão ou reinstituição do benefício, em conformidade com o dispositivo constitucional antes mencionado.

Outro ponto que vem sendo criticado é a necessidade de desistência pelo sujeito passivo, de processos administrativos e judiciais relativos aos débitos remitidos e anistiados pelas unidades concedentes dos benefícios, com renúncia às despesas processuais e honorários de sucumbência. Trata-se de disposição condizente com outros programas de anistia e que igualmente se insere entre as condicionantes admitidas pela LC 160/2017, o que sugere a sua observância pelos interessados. A condição não se aplica aos débitos decorrentes de sanções aplicadas pelos Estados de destino de mercadorias e serviços, com base no artigo 8º da LC 24/1975, os quais restarão automaticamente cancelados por força do artigo 5º da LC 160/2017, como previsto em cláusula distinta do convênio, que não exige a desistência de processos, nem a renúncia a verbas relacionadas a ações judiciais.

A adesão a benefícios reinstituídos e vigentes em outras unidades federativas da mesma região, denominada cláusula “cópia e cola” (ou “Ctrl-C/Ctrl-V”), também é questão sensível.

Primeiro, porque a LC 160/2017 não prevê a consequência da revogação ou alteração da legislação “copiada”, permitindo entender que os mesmos efeitos deveriam ser refletidos na legislação “colada”. Entretanto, o CV 190/2017 determina a obediência aos termos da legislação “copiada” vigente no momento da adesão, de sorte que a sua eventual modificação em nada interferirá com a legislação “colada”. A solução é razoável, até porque as unidades são autônomas, logo, não se subordinam aos atos uma da outra.

Segundo, porque foi previsto que a adesão não poderá resultar na “relocalização” de estabelecimento do contribuinte de uma unidade para outra. Apesar de evitar conflitos, a cláusula aparenta ilegalidade, pois o §8º do artigo 3º da LC 160/2017 é peremptório quanto à possibilidade de adesão e não admite restrição pelo convênio. Ademais, a regra poderá ser burlada, mediante a transferência de parte das atividades ao novo estabelecimento.

De todo modo, conclui-se que o CV 190/2017 atendeu o comando da LC 190/2017 de forma coerente, procurando eliminar todos os pontos de dúvidas que surgiram durante a sua gestação e, nesse sentido, contribui para o restabelecimento da segurança jurídica.

Resta, agora, as unidades federativas interessadas adotarem as providências administrativas de publicação, registro e depósito dos respectivos incentivos e benefícios e, após, editar as leis de remissão e reinstituição necessárias à “convalidação”. Este ponto é fundamental, pois o artigo 150, §6º, da Constituição Federal exige lei específica para a implementação de qualquer desoneração fiscal, além da prévia autorização do Confaz, no caso do ICMS.

Após completado o ciclo normativo, será possível ratificar os atos concessivos de incentivos e benefícios editados no passado, bem como a celebração de novos acordos, desta vez, com observância dos requisitos definidos em lei complementar, conforme exigido pela Constituição.

 

 

 

Autores: Hugo Funaro é advogado tributarista, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Sócio do Dias de Souza Advogados Associados.

Hamilton Dias de Souza sócio fundador da Dias de Souza Advogados Associados, é mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).


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