Convivência homossexual e direitos previdenciários

A proteção previdenciária decorrente da união de duas pessoas, não só à família constituída nos moldes delineados na lei civil, como também aquela existente de fato, é decorrente da união estável “entre o homem e a mulher, como entidade familiar”.

Airton Rocha Nóbrega

Com vista a regular procedimentos a serem adotados para a concessão de pensão por morte de companheiro ou companheira homossexual, expediu o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho, publicada no Diário Oficial da União – Seção I – de 8.6.2000, pág. 4. Em realidade, o que se observa é a que a aludida Instrução, longe de estar voluntariamente e de forma definitiva, regulando situações no âmbito daquela Autarquia, apenas atende a determinação de ordem judicial expedida pela juíza Simone Barbisan Fortes, da 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre-RS.

A liminar deferida no bojo de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal tem por objeto equiparar os direitos previdenciários de homossexuais e heterossexuais, deferindo pedidos de pensão por morte aos companheiros homossexuais dos segurados falecidos. Oportuno ver que o INSS não admite – até porque ainda contesta judicialmente a pretensão – e vinha negando a concessão do benefício a homossexuais, por não entender compatibilizada com o conjunto normativo em vigor essa pretensão.

A pretensão que deu origem à concessão tem por principal fundamento a alegação de que a Constituição, em seu art. 3º, inciso IV, proíbe e não admite qualquer forma de discriminação, inclusive por motivos de orientação sexual, em seu art. 3º, inciso IV, onde consta, dentre outros, como objetivo da República Federativa do Brasil, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Analisando os fatos e argumentos à luz de disposições de nível constitucional não se pode, venia permissa, concordar com os argumentos tecidos para o efeito de requerer a proteção e para concedê-lo em sede de liminar. As relações homossexuais, que resultam de opção feita por cada um, não tipificam uma relação normal, por mais avançados que sejam os padrões morais e de conduta adotados em determinada sociedade. Não se pode jamais deixar de considerar que tais relações se apresentam em qualquer comunidade organizada e vem sendo alvo de regulamentos com vista a evitar e impedir procedimentos meramente discriminatórios e até mesmo atitudes agressivas adotadas em desfavor daqueles que, por razões diversas, por elas optaram. É o respeito à liberdade do indivíduo, preservada em todo estado de direito, onde “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei “, devendo a lei punir “… qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais“(Constituição: art. 5º, II e XLI). Mas isto não se presta a igualar a relação homossexual, equiparando-a a uma relação normal entre homem e mulher.

O respeito ao ser humano e o deferimento de tratamento digno não passa necessariamente por ter-se que, de forma fictícia, ignorar a natureza de cada um dos integrantes dessa relação. Continuarão, ambos, como no mundo ingressaram. Longe, pois, de qualquer orientação preconceituosa – o que nem sempre ocorre por ação direta de pessoas homossexuais – cabe ver-se, no plano legal, se tais situações poderiam obter a guarida e a concessão de prerrogativas, exclusivamente deferidas àqueles casos tidos e admitidos sem contestação como normais. A esse respeito dispõe o próprio texto da Constituição Federal, não havendo como orientar-se qualquer espécie de atuação, sem uma interpretação integrada dos diversos dispositivos.

Cumpre ver-se, de início, que o próprio dispositivo invocado como fundamento para o pleito em juízo deduzido não possui o conteúdo que lhe foi dado. O encargo de promover o bem estar de todos, vedadas ações preconceituosas, inclusive quanto ao sexo, jamais imaginou ou teve por escopo a situação do homossexual, mas sim as relações entre homens e mulheres (e cada homossexual estará também nessa classificação, observada a sua condição natural), tendo em vista especialmente mitigar orientações desfavoráveis à mulher, sempre objeto de discriminação ao longo do tempo, nas mais diversas culturas. O intuito de igualar em razão do sexo – homens e mulheres, repita-se – volta a ser posteriormente repetido, dentre os direitos e deveres individuais e coletivos, quando assevera a Constituição que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I).

Essa pretensão de igualdade, estampada no texto constitucional, não olvida, todavia, as naturais diferenças entre homens e mulheres. Tanto assim é que passa, em dispositivos específicos, a traçar regras que se prestem a tornar efetiva e real essa igualdade, considerando as diferenças naturalmente verificadas, dando, desse modo, o conteúdo que deve ter o princípio da igualdade que impõe o dever de tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Com esse escopo, adequa a própria Constituição a orientação geral adotada, estabelecendo, por exemplo, que à presidiária serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos, durante o período de amamentação (art. 5º, L). Proteção ao mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX), bem como a concessão de benefícios específicos, como a licença maternidade (art. 7º, XVIII). Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão, inclusive por motivo de sexo (art. 7º, XXX).

Tais disposições, como se pode ver, buscam a preservação da isonomia entre pessoas de sexos distintos, sem, contudo, esquecer ou simplesmente ignorar as diferenças biológicas que apresentam e que induvidosamente entre elas existem. Ao referir-se, entretanto, à diferença entre sexos, não possui em nenhum momento o intuito de admitir uma terceira posição, relacionada às preferências homossexuais, preservadas contra a discriminação, ante a ausência de lei que a vede, mas sem proteção especificamente orientada pelo exercício da opção de relacionamento sexual feita por cada um.

Apenas os aspectos até agora enfocados já bastariam para embasar e negar a concessão de pretensões como a que ora se comenta. Não se pode ignorar, no entanto, o conteúdo das disposições que, inscritas na Constituição, instituem mecanismo de proteção à família, vista e proclamada como base da sociedade e que, em função disso, detém especial proteção do Estado (art. 226).

Estende-se essa especial proteção não só à família constituída nos moldes delineados na lei civil, como também aquela existente de fato, decorrente da união estável “entre o homem e a mulher, como entidade familiar” e para a qual se impõe o dever de facilitar a sua conversão em casamento, estando esta última regulada pela Lei 9.278, de 10 de maio de 1996. Em relação a esse núcleo familiar específico – que considera, além do marido e mulher, os pais e seus descendentes – há orientação normativa regulando direitos e encargos de um em relação ao outro, projetados na própria legislação infra-constitucional. As próprias normas de cunho previdenciário e assistencial contemplam benefícios e prestações devidas em decorrência dessa relação legalmente prevista e admitida sem restrições pela sociedade.

Tendo em vista tais aspectos, todos decorrentes da própria Constituição, mediante análise integrada de seus dispositivos, não se pode entender como legítima a situação que se visa instalar, valendo-se para esse fim não de uma reavaliação feita pela própria sociedade por meio de mecanismos de que dispõe para esse fim, mas por intermédio de ato judicial dissociado, venia concessa, da realidade jurídica do País.

As relações homossexuais e seus efeitos não podem e não devem, no atual contexto legal, ser reguladas por esse modo, menos ainda de caráter provisório como o são as liminares. Ao Congresso Nacional pertence a competência para, ouvidos os diversos segmentos da sociedade civil, expedir normas que se prestem a regular a matéria, quando então nascerá, no mundo jurídico, eventuais direitos. Notícia veiculada pela imprensa bem se presta a dar o exemplo de como a questão deve ser abordada e resolvida, citando-se, com esse intuito, projeto-de-lei aprovado pela Câmara dos Deputados do Estado de Vermont, nos Estados Unidos, com a finalidade de emprestar juridicidade à união civil entre homossexuais, mas sem deferir-lhe jamais a natureza de casamento. Preleções feitas de forma oportuna pelo ínsigne jurista Leon Frejda Szklaroswsky, explicitam, referindo-se às relações homossexuais, que acompanhando a consciência da sociedade, deverão estas ter sua situação regulada por legislação específica que preveja uma sociedade de fato, apenas para efeitos sucessórios, como, aliás, vem despontando, timidamente, na jurisprudência (Revista Jurídica Consulex – abril de 1999).

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