Corregedoria do CNJ tentou obter dados sigilosos de juízes

Por Alberto Pavie Ribeiro

O Judiciário pode estar desgastado. Não se discute. A culpa, no entanto, seria das associações de magistrados, que exerceram o regular direito de ação, ou dos atos abusivos praticados contra seus associados?

Em artigo veiculado no último dia 19 de janeiro na ConJur, o advogado Antenor Madruga, colunista do site, fez afirmações sobre “imbróglio envolvendo as associações de magistrados (AMB, Ajufe e Anamatra), a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)” que, com a ressalva do devido respeito, não podem ser tidas como corretas. Decorrem, certamente, do desconhecimento da causa.

Vejamos.

Inicia o advogado por afirmar que as associações “pressupondo que a Corregedoria do CNJ havia iniciado investigações em 22 tribunais, a partir da quebra de sigilo bancário de 216.800 servidores, recorreu ao Supremo Tribunal Federal e atirou, entre outros argumentos, nas informações prestadas pelo Coaf”.

Não é isso. As associações não “atiraram” nas informações prestadas pelo Coaf ao CNJ, até porque não tinham conhecimento do seu conteúdo.

Em outro trecho afirma o advogado que “se as informações bancárias dos magistrados e servidores tiverem sido realmente passadas à Corregedoria do CNJ e utilizadas sem ordem judicial, a indignação das associações poderia ser válida. Mas, pela leitura do relatório do Coaf ao CNJ (disponível no site do STF), não foi que aparentemente aconteceu”.

O mandado de segurança, porém, foi proposto contra as decisões da Corregedoria. Não houve uma suposição indevida quanto ao relatório do Coaf. O que havia era uma certeza: a existência de solicitação indevida por parte da Corregedoria ao Coaf.

Basta ver a decisão do então corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, proferida em julho de 2010, solicitando ao Coaf as “comunicações suspeitas”:

“Trata-se de pedido de providências autuado com o intuito de obter relação atualizada de nome e inscrição no Cadastro de Pessoa Física de todos os membros e servidores dos Tribunais Estaduais, Federais, Trabalhistas e Militares. Certificado pela Secretaria Processual do CNJ (CERTD244) o cumprimento do que requerido no despacho proferido em 13 de julho de 2009 (REA1). Encaminhem-se os dados obtidos ao Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras solicitando informações sobre a existência de comunicações suspeitas perante aquele órgão em face dos membros e servidores dos Tribunais relacionados, inclusive remessa de recursos financeiros para o exterior. Cópia do presente servirá como Ofício.”

A Lei 9.613/98 é clara ao afirmar, no artigo 11, inciso I, que as instituições submetidas ao Coaf devem encaminhar as comunicações das operações que, a juízo delas, constituiriam “sérios indícios dos crimes previstos nesta lei”.

O Coaf processa essas comunicações — centenas de milhares — e, nos termos do artigo 15, chega a um juízo de “existência de crimes previstos nesta lei”.

Assim o faz para encaminhar apenas à Polícia Federal e ao Ministério Público como sempre fez o Coaf.

A compreensão lógica da decisão do ministro Dipp era de que ele havia solicitado as “comunicações” tidas pelo Coaf como “suspeitas ou criminosas” e não as comunicações tidas pelas instituições financeiras como “indícios”.

Afinal, o Coaf funciona como um funil.

Não faria sentido que um dos maiores especialistas brasileiros em termos de doutrina e legislação sobre os crimes de lavagem de dinheiro, o ministro Gilson Dipp, requeresse ao Coaf a “matéria bruta” recebida pelo próprio Coaf, para fazer novamente um trabalho que já fora feito.

O Coaf, porém, forneceu para a Corregedoria do CNJ, como dito pelo advogado, uma “análise agregada das informações… sem revelar nomes ou informações particulares”. Forneceu coisa diversa da que fora requerida.

É exatamente pelo fato de o Coaf ter apresentado um relatório que não atendia às finalidades pretendidas — afinal, sem a indicação dos autores de movimentações “suspeitas” continuaria a Corregedoria diante do mesmo universo de possíveis infratores, os 216.800 — é que a atual corregedora, ministra Eliana Calmon, determinou que o Coaf apresentasse um novo relatório, capaz de identificar pessoas e valores, como se pode ver do seguinte trecho da decisão proferida em 1º de dezembro de 2011:

“Uma análise eficiente das movimentações financeiras dos membros e servidores do Poder Judiciário (cerca de 216.800 pessoas) requer sejam delimitados os dados a serem solicitados ao COAF. As informações devem ser pormenorizadas, a fim de se verificar pontualmente as principais ocorrências, bem como seu enquadramento nos crimes previstos na Lei 9.613/98.”

Essa ordem é que faria com que o Coaf apresentasse à Corregedoria do CNJ as comunicações tidas como suspeitas — os “Relatórios de Informações Financeiras” —, que o ministro Gilson Dipp já havia solicitado anteriormente e que o Coaf não fornecera.

Essa última determinação da corregedora não chegou a ser executada exatamente porque a liminar no mandado de segurança, impetrado pelas associações de magistrados, suspendeu o procedimento em curso no CNJ.

Como se pode ver, houve a tentativa, frustrada, por parte da Corregedoria Nacional de Justiça, de obter os dados sigilosos de magistrados e servidores, que somente não vingou em razão do “tiro” dado pelas associações de magistrados.

Finalizando. É claro que há um desgaste do Poder Judiciário. Esse desgaste, no entanto, não pode ser atribuído ao regular direito de ação exercido pelas associações de magistrados, mas sim aos abusos que as levaram a recorrer ao próprio Poder Judiciário.

Alberto Pavie Ribeiro é advogado da Associação dos Magistrados Brasileiros, sócio do escritório Gordilho Pavie e Frazão Advogados Associados e do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral.

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