Corte europeia põe limite ao monitoramento de e-mail corporativo

Autor:  Mário Paiva (*)

 

Incrível como o impacto da tecnologia no Direito causa perplexidade nos meios jurídicos vez que mesmo após anos de estudo não conseguimos chegar a soluções satisfatórias que deem efetiva segurança as partes envolvidas em questões judiciais decorrentes da utilização dos meios informáticos dispostos no trabalho. Nesta reflexão encontra-se a questão a respeito da possibilidade ou não do monitoramento pelo empregador do correio eletrônico utilizado, no ambiente de trabalho, pelo empregado.

Consideramos um marco nestas discussões o Congresso Internacional de Direito e Tecnologias da Informação realizado em Brasília no Superior Tribunal de Justiça em outubro de 2002 pelo Centro de Estudos Judiciários e onde proferimos a palestra O Monitoramento do Correio Eletrônico no ambiente de trabalho, artigo este citado na grande maioria dos estudos feitos no país sobre o assunto inclusive pelo livro do ilustre professor e ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte intitulado O Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas relações de trabalho.

Desde então durante esses mais de 15 anos de reflexão a doutrina e jurisprudência tem passado por diversas, vamos dizer assim “ondas de pensamento” que evoluem conforme o tempo. Inicialmente, as decisões judiciais filiavam-se ao pensamento de que o correio eletrônico era inviolável seja ele privado ou corporativo vez que sua proteção estaria presente em pactos internacionais e em todas as Constituições democráticas no mundo. Após, entendeu-se que correio eletrônico não era abarcado pela Constituição pois a palavra correspondência, insertas nas Cartas Magnas e pactos internacionais, abrangia apenas as correspondências físicas.

No entanto, estes pensamentos sucumbiram para dar espaço a teses mais bem elaboradas que, em 2005, foram sintetizadas em acórdão paradigma da lavra do ministro João Oreste Dalazen do Tribunal Superior do Trabalho que pontuou, exemplarmente, a questão afirmando que o e-mail pessoal seria inviolável pois tratava-se de sacrossanto direito do cidadão a privacidade e ao sigilo de correspondência porém, o e-mail corporativo, não teria razoável expectativa de privacidade e, portanto, o empregador poderia monitorar tanto formalmente quanto o conteúdo das mensagens.

Em sendo assim, a doutrina e jurisprudência seguiam e seguem neste sentido pacificando o entendimento com algumas nuances que variam caso a caso como a de o trabalhador ser cientificado previamente desta possibilidade de monitoramento, a de que o e-mail corporativo não seja exaustivo e indiscriminado pelo empregador, que o simples manuseio pelo empregado do correio eletrônico corporativo utilizado para fins particulares não decorra necessariamente da aplicação de justa causa, que seja avaliado o número de mensagens e conteúdo antes da aplicação de qualquer sansão disciplinar etc…

No entanto, em setembro de 2017 o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em sua última instância e em decisão não unânime, resolveu rediscutir a matéria e trouxe a baila a questão em julgamento conhecido como Barbulescu versus Romênia  afirmando que a privacidade dos trabalhadores não pode ser reduzida a zero e que o chat (corporativo) colocado pela empresa a disposição do engenheiro romeno não pode ser monitorado indiscriminadamente e, além da obrigação das empresas de cientificar os funcionários quanto ao monitoramento, estas não devem também acessar o conteúdo das mensagens mesmo que aquela chat seja corporativo e o empregado tenha utilizado, em alguns momento, para fins particulares.

Com isso concluiu o tribunal supranacional que o artigo 8ª da Convenção Europeia de Direitos Humanos deve ser aplicado ainda que as comunicações feitas pelo empregado sejam particulares e realizadas em ferramentas tecnológicas de propriedade do empregador, no horário e local de trabalho devendo com isso serem respeitadas a vida privada e o sigilo de correspondência dos envolvidos.

Por isso que, há duas décadas, advertimos que é preciso que haja um melhor aprofundamento sobre estas questões advindas do mundo virtual pois, no caso em comento, colocamos em xeque direitos fundamentais como a honra, a imagem, propriedade, privacidade, inviolabilidade de correspondência dentre outros e não podemos nos conformar que ao confrontar estes direitos teríamos uma solução fácil que pacificaria todas as questões envolvendo o monitoramento correio eletrônico do empregado pelo empregador.

Vale ressaltar que nossa legislação foi entabulada por séculos em situações físicas e não foram preparadas para o que chamo de “informatização do direito”. Institutos seculares e estudos profícuos muitas vezes sequer servem de base para a solução que na maioria das situações depende de conceitos e práticas totalmente novas desvinculadas de qualquer tipo de direito ou norma vigente o que nos levou, à época, até mesmo a cogitar que deveríamos criar uma espécie de Direito das Tecnologias da Informação como um ramo específico e autônomo do direito para estudar o assunto.

Por fim resta a nós alertar a comunidade jurídica que muitos desafios ainda estão por vir e que necessitamos levar estas questões de forma mais intensa para os bancos escolares através de cadeiras especificas e obrigatórias nas universidades, congressos e conferências tendo em vista que este tema dentre outros correlatos precisam de estudos mais consistentes para assegurar tanto os profissionais de direito como os atores sociais a terem mais garantias no momento da utilização dos meios tecnológicos colocados a disposição pelo empregador para empregado no ambiente de trabalho levando assim, a sociedade a uma maior segurança jurídica.

 

 

 

 

Autor:  Mário Paiva é advogado. Foi conselheiro da OAB e presidiu a comissão de Direito da Informática da OAB-PA, é assessor da Organização Mundial de Direito e Informática e membro do Instituto Brasileiro de Direito da Informática (IBDI) e do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE).


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