Por Thiago Bottino
Nesta quarta-feira (25/5) o Supremo Tribunal Federal inicia mais um julgamento polêmico. Desta vez, discute-se a constitucionalidade das cotas para negros em universidades públicas. A ação (ADPF 186) foi proposta pelo DEM com a finalidade de invalidar a decisão da Universidade de Brasília (UNB) de adotar o sistema de cotas para pessoas negras nas vagas do vestibular. Sem entrar nos detalhes do modelo adotado pela UNB, é importante discutir algumas questões que surgem quando se discute a política de ação afirmativa.
1) “Cotas para negros são erradas. Devemos usar apenas cotas sociais (para pessoas de baixa renda)”.
Cotas sociais e para negros têm finalidades distintas. Uma coisa é diminuir a desigualdade de oportunidades de estudo e de acesso à universidade e as cotas sociais servem para isso. Outra coisa, bem diferente, é reconhecer que historicamente os negros foram tratados de forma desigual e desfavorecida, de tal forma que pessoas negras têm dificuldade de aspirar ao exercício de papéis sociais relevantes. As cotas raciais são um meio de oferecer à população negra possibilidades de exercer papéis sociais relevantes (os quais, não raro, dependem do ensino superior e constituem carreiras mais lucrativas, gratificantes e importantes). Aqui, é fundamental construir estereótipos de negros bem sucedidos, sob pena de que o negro não se veja como capaz de contribuir para o desenvolvimento do país em papéis sociais de liderança e prestígio. Somente quando houver um número razoável de negros atuando como advogados, médicos, jornalistas, professores, economistas, executivos, e nas várias profissões relevantes na sociedade é que crianças e jovens negros passarão a pensar em si mesmos como indivíduos capazes de ter sucesso, como os outros, por meio do talento e da iniciativa.
2) “O uso de cotas raciais despertará manifestações de ódio racial extremado ou violento”
O argumento ad terrorem é destituído de base concreta. Ações afirmativas vêm sendo implementadas no Brasil com sucesso há dez anos sem que se registre nenhum incidente grave de racismo decorrentes desta implementação. E mais, cotas para negros terão o efeito justamente contrário. Atualmente, a consciência racial da nossa sociedade não se manifesta atualmente em nenhuma segregação legal imposta às pessoas negras, mas se manifesta na nossa indiferença à situação de pobreza, miséria e exclusão que atinge a população negra brasileira; nas nossas “piadas de preto”; na manutenção dos nossos estereótipos sobre negros; na nossa dificuldade em condenar alguém que tenha praticado o crime de racismo; e na permanência das pessoas negras nas classes inferiores da sociedade, exercendo papeis sociais marginais, subalternos e mal-remunerados. Isso é consequência do nosso passado escravocrata. Não podemos esquecer nosso passado, mas podemos construir um novo presente; o qual se tornará um passado no qual os negros tiveram papéis sociais importantes.
3) “Não é possível compensar pessoas que sofreram com a escravidão limitando o direito de pessoas que nada fizeram”.
Cotas não é uma “indenização” para descendentes de escravos. A adoção das cotas raciais relaciona-se menos com o país que fomos e muito mais com o país que queremos ser. Estamos olhando para um mecanismo que não é capaz de “compensar” cada um que sofreu pela escravidão, mas é capaz de transformar nosso país em um lugar onde todos se vejam como iguais – negros ou brancos. Ao tornar comum que pessoas negras ocupem posições de prestígio e poder na sociedade, a cor da pele deixará de ser o traço mais marcante e característico do indivíduo e crianças brancas e negras terão a mesma certeza de que podem ser o que quiserem, bastando que se esforcem para alcançar seus sonhos. Se houver cinco ministros negros no STF, ou 20 ministros negros no primeiro escalão ou ainda 200 deputados federais negros é que ser negro deixará de ser uma característica relevante.
As cotas raciais é uma proposta de solução temporária para um problema determinado. É importante deixar claro que a adoção desse mecanismo hoje não significa que ele irá durar para sempre. Ao contrário, com o tempo as cotas deixarão de ser necessárias. E se o STF declarar a constitucionalidade dessa medida, não está tornando esse mecanismo obrigatório nem eterno, mas permitindo que se façam avanços nessa área.
Thiago Bottino é Professor de Direito da FGV Direito Rio