Cotas: um caso sério

Para tudo neste Brasil existe uma maneira de maquiar os problemas, que são graves, e não tomar atitudes para dar solução definitiva. Assim temos as votações secretas no Congresso Nacional, o tapa-buracos das nossas estradas, o salário mínimo, o “Jeca” espacial que foi plantar feijão no espaço, as cotas nas Universidades públicas, e por aí vai. É sobre estas, cotas, que recai o problema mais sério que o País enfrenta no momento apesar de não ser considerado como tal.

Entendam, não há como desenvolver-se sem um sistema educacional eficiente e produtivo desde a educação de base. Desenvolvimento socioeconômico só se consegue com uma educação qualificada. Não adianta lotar as universidades com alunos sem preparo e, com isso, comprometer a formação intelectual do seu povo. Disse-me, certa vez, o Ministro Cordeiro Guerra: “os estudantes entram e saem das universidades ao som das ferraduras”. Este dito foi observado durante a pesquisa da PUC-RJ sobre a “Reforma do Ensino Jurídico no Brasil”, coordenada pelo Dr. Joaquim Falcão, patrocinada pela Ford Fundation e da qual participei, como membro, quando estudante de Direito naquela universidade. De lá para cá, muito já se fez pelo ensino, mas foi pouco diante da evolução do mundo.

Estabelecer regime de cotas nas universidades públicas não deixa de ser uma atitude louvável. Dou meu voto favorável desde que por prazo determinado, como bem frisei no artigo anterior “Cotas e mais cotas”. Neste artigo, expus que as ações afirmativas, através das cotas, nos Estados Unidos se deu em razão de que existiam normas em determinados Estados que restringiam a possibilidade de crescimento dos negros americanos. A Suprema Corte americana não acatou as cotas. Elas vigoraram pela aceitação geral, mas “se alguém reclamasse, ganhava”(A.Menezes). Aqui no Brasil, nem a Carta Magna ou qualquer outra norma, não faz mínima menção que se possa considerar como discriminatória ou impeditiva de desenvolvimento social ou econômico de qualquer cidadão, seja branco, índio, mulato ou negro.

Não existe, penso, qualquer lugar no mundo civilizado em que foram suprimidos direitos para que minorias pudessem receber benefícios. Abrir espaços para os menos favorecidos não pode implicar em redução destes espaços aos mais preparados, sejam de que etnia forem. É a condição financeira, sabemos, que determina o grau de cultura, de educação formal. Neste ponto sim, se aplicam os princípios da igualdade material, a intervenção do Estado social. Dar a todos, oportunidades de acesso a cultura via crescimento econômico. Existem, culturalmente, atos de discriminação. Entretanto, atitudes contrárias em setores organizados, tais como o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, junto com o comércio, têm estabelecido cotas para negros e outras minorias. A legislação brasileira (Lei 8.231/91) já prevê a adoção de cotas para portadores de necessidades especiais. Pequenos ou apropriados treinamentos inserem os “cotistas” nas atividades que lhe são afetas.

Isto não é possível no meio acadêmico/científico. As cotas nas Universidades públicas estão muito acima de mera inserção social. Mexe com o cérebro da Nação. Como receber o estudante que vem do ensino básico, sem preparo ou o mínimo de conhecimento necessário e exigido na universidade, inseri-lo e fazê-lo evoluir no mundo acadêmico sem que, com isso, resulte em prejuízos aos demais componentes do universo discente mais bem preparados? Não sou racista e muito menos preconceituoso. No Brasil, 74% dos adultos são analfabetos funcionais. Justifica defender que, entre outros pontos, adotadas as cotas, a exigência de uma estrutura na universidade para atender esses alunos advindos da escola pública, tem que fazer parte do processo legal do estabelecimento delas, das cotas.

Raphael Curvo, Advogado

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