CPC impõe novos cuidados na procuração ad judicia de advogado sócio de banca

Autora:Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery (*)

 

O novo sistema processual, no CPC 2015, cria três novidades para a confecção de negócio de procuração ad judicia por instrumento público ou privado. Duas disposições que tratam de formalidades especiais para a lavratura do ato (CPC, artigo 105 §§ 2º e 3º) e uma que cuida especificamente de fixar a extensão eficacial dos poderes do advogado outorgado (CPC, artigo 105, § 4º). As novidades são as seguintes:

a) primeiro determina que da qualificação do Advogado conste perfeita identificação da capacidade postulatória do outorgado, como nome, endereço e número na Ordem dos Advogados do Brasil (CPC, artigo 105, § 2º);

b) depois, impõe ao tabelião, que lavrar a escritura, que identifique o Advogado que integra sociedade de advogados, fazendo constar da procuração o nome dessa sociedade, seu endereço e número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil (CPC, artigo 105, § 3º);

c) terceiro, prevê especificamente que os poderes conferidos ao Advogado pelo negócio de procuração têm eficácia para o processo em todas as suas fases, inclusive para o cumprimento de sentença (CPC 105 § 4º.).

Dessas novidades, três questões imediatamente aguardam resposta. Primeiramente, se cabe ao tabelião — na hipótese de outorga de poderes por instrumento público, antes de lavrar a escritura — averiguar a regularidade da inscrição do advogado e do registro da sociedade de advogados na Ordem dos Advogados do Brasil, podendo deixar de praticar o ato notarial se tiver conhecimento de fato notório que obste a regularidade do exercício da capacidade postulatória, conforme os ditames do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Em segundo lugar, impõe-se responder se o outorgante — ao conceder poderes ao advogado para o processo de conhecimento, sem “disposição expressa em sentido contrário” —, necessariamente, outorga poderes “inclusive para o cumprimento da sentença”. Ou seja, se a outorga de poderes, nessas condições, para a fase de conhecimento, é inexoravelmente eficaz para a fase subsequente do processo.

Em terceiro lugar, como deve ser feita a procuração outorgada com exclusividade a advogado que pertence a sociedade de advogados, quando todos os demais sócios não se apresentam também como outorgados.

À primeira pergunta pode-se afirmar, para a hipótese de outorga por instrumento público, que cabe ao notário recusar-se a lavrar escritura de negócio de procuração com outorga de poderes “ad judicia” se não se provar que o outorgado tem e, em que condições, capacidade postulatória atual, regularmente demonstrada.

À segunda questão, pondera-se — a partir da estrutura do negócio unilateral de procuração, que sempre comporta revogação dos poderes que o outorgante concedeu ao advogado e renúncia dos poderes outorgados ao advogado pelo outorgante — que em qualquer hipótese poderão os interessados revogar poderes conferidos por procuração ou renunciar a poderes obtidos por procuração, fatos que inabilitariam o advogado para quaisquer outros atos subsequentes do processo.

Nessas hipóteses ligadas à revogação expressa de poderes, entretanto, serão então cumpridos os ditames do CPC (artigo 111, parágrafo único; artigo 76, §§ 1º e  2º e seus incisos; e artigo 112 e §§), para que não se facilite a ocorrência de prática obstativa do curso procedimental por ato da parte a quem interessa  — eventualmente —  o atraso dos atos processuais.

Não é demais observar, também, que o fato de a procuração ad judicia ter sido outorgada por instrumento público não habilita o advogado livremente para a prática de quaisquer atos no processo, devendo ser observadas as exceções constante do CPC 105 caput, que podem, de toda a maneira, vir a ser moduladas conforme interesse das partes, como, por exemplo, eventualmente, outorgar poderes para levantamentos de valores até determinado teto, sem que com isso possam vir a ser descumpridas regras procedimentais emanadas para cumprimento de atos pelos cartórios judiciais, pelas respectivas corregedorias gerais, como é o caso de pedido de levantamento de valores depositados em juízo.

Quanto à terceira questão, abre-se um ponto novo para análise ética do exercício da atividade do advogado, que deve dar ciência à sociedade de que participa quanto à outorga de poderes para procurar em juízo, com exclusividade.

Não se pode deixar de considerar que os desdobramentos de eventual imputação civil ou penal ao advogado outorgado (que presta serviços de advocacia e por isso recebe poderes para postular em juízo ou fora dele) e à sociedade de que ele faz parte, deverão se submeter a rigoroso sistema de apuração probatória, pois (como se sabe) o advogado, como profissional liberal que é, responde civilmente pelos serviços que presta, pelo sistema da responsabilidade civil subjetiva (CDC, artigo 14, § 4º), mas a sociedade de advogados responde objetivamente pelos serviços que presta (CDC, artigo 14, caput).

O uso da estrutura organizacional da sociedade para a facilitação da prestação de serviço, com exclusividade, pelo advogado outorgado, pode gerar para a sociedade de advogados efeitos desdobrados, decorrentes da atuação exclusiva do profissional, ainda mais se a existência do vínculo do advogado com a sociedade de que participe não vier a constar da procuração e não for do conhecimento do outorgante ao tempo da outorga do mandato.

Igual cuidado devem ter advogados sócios de bancas distintas, que recebem poderes ad judicia em conjunto, mas com exclusividade relativamente aos que compõem as suas próprias sociedades de advocacia: ambas as sociedades devem ser mencionadas no instrumento de procuração e a desdobra de possibilidades de imputação civil e penal experimenta significativa abrangência.

 

 

 

 

Autora: Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery  é advogada e professora livre docente de Direito Civil (PUC-SP).


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