por José Levi Mello do Amaral Júnior
O Congresso Nacional criou Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar denúncia de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a chamada CPMI dos Correios.
Deputado governista alegou que o requerimento de criação da CPMI em questão não aponta fato determinado a ser apurado, o que é requisito constitucional (Constituição, artigo 58, § 3º). O presidente do Congresso Nacional não acatou o argumento e o deputado referido recorreu à CCJ — Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.
Surgiu dúvida quanto à tramitação do parecer a ser apreciado pela CCJ da Câmara dos Deputados: se acaso aprovado parecer no sentido da inconstitucionalidade da CPMI, deverá o parecer: (1) ir à apreciação do Senado Federal; ou (2) estará extinta a CPMI apenas e tão-somente pela aprovação de parecer pela sua inconstitucionalidade no âmbito da Câmara?
Não há que ter dúvida: o parecer em questão necessariamente deverá ir à apreciação do Senado Federal.
A CPMI é instituto bicameral. É a própria Constituição, em seu artigo 58, § 3º, que permite sejam as comissões parlamentares de inquérito criadas em conjunto por ambas as Casas do Congresso Nacional (“…serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente…”).
Portanto, o destino de uma CPMI é, sempre, uma decisão bicameral nos termos das normas pertinentes (artigo 47 da Constituição combinado com o artigo 43 do Regimento Comum do Congresso Nacional).
A CPMI é criada pela coleta de assinaturas de um terço dos membros de cada uma das Casas (um terço porque há norma constitucional expressa neste sentido, o já referido artigo 58, § 3º).
No entanto, a impugnação somente poderá ser considerada acatada se acaso for aprovado parecer — deliberado em cada uma das Casas por maioria de votos presente a maioria absoluta dos respectivos membros (artigo 47 da Constituição) — reconhecendo a inconstitucionalidade da CPMI, observado o artigo 43 do Regimento Comum do Congresso Nacional. Logo, “o voto contrário de uma das Casas importará na rejeição da matéria” (artigo 43, § 1º, do Regimento Comum do Congresso Nacional). Note-se: tratando de deliberação bicameral, o parecer, na hipótese, comporta-se como um decreto legislativo.
Em outras palavras: a aprovação do parecer exigirá o voto concorde, coincidente, das duas Casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Se acaso o parecer for rejeitado, por ambas, ou por qualquer uma das Casas, o parecer — ou melhor, o recurso — deverá ser arquivado sem nenhum embaraço à CPMI.
Com efeito, CPMI é criatura de ambas as Casas do Congresso Nacional. A criação e o destino de uma CPMI dependem, necessariamente, da vontade de ambas as Casas parlamentares nos termos das normas constitucionais pertinentes.
Reforça o presente entendimento a intimidade que a CPMI guarda com o inciso X do artigo 49 da Constituição, enquanto instrumento de realização daquela competência exclusiva do Congresso Nacional (fiscalização e controle dos atos do Poder Executivo, aí incluídos os da administração indireta, como é o caso de atos de empresas públicas, a exemplo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Como se sabe, o Congresso Nacional exercita as suas competências exclusivas por meio de decreto legislativo, espécie normativa deliberada de modo bicameral (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 31ªedição, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 214 e 215). Desta forma, somente uma outra deliberação bicameral pode reverter decisão — bicameral — anterior de ambas as Casas.
Entendimento contrário implicaria negar característica básica e fundamental da separação dos poderes: somente a concordância, a coincidência de vontades de ambas as Casas parlamentares pode modificar ou reverter decisão bicameral anterior do Poder Legislativo (MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O espírito das leis, tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues, Brasília: UnB, 1995, p. 123). Registre-se: característica essa constante do Direito brasileiro, como atestam o artigo 65, in fine, da Constituição, e o artigo 43, § 1º, do Regimento Comum do Congresso Nacional.
Enfim, vale insistir, somente a concordância, a coincidência das vontades de ambas as Casas do Congresso Nacional poderá impedir seja instalada a CPMI que elas próprias decidiram anteriormente criar (e regularmente já criaram). De nada adiantará a aprovação de parecer pela inconstitucionalidade da CPMI no âmbito da Câmara dos Deputados se acaso ele não for apreciado — e aprovado — pelo Senado Federal. Aprovado o parecer na Câmara, mas rejeitado no Senado, estará consolidada a CPMI.
Fonte: Revista Consultor Jurídico