Crédito garantido por alienação fiduciária não se submete a recuperação judicial

Autores: Leonardo Fripp e Thiago Scartazzini Cidade (*)

 

A Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial (Lei 11.101/05) – viabiliza às sociedades empresárias a oportunidade de superar eventuais crises econômico-financeiras enfrentadas no desenvolvimento de suas atividades. Para tanto, alguns requisitos devem ser preenchidos, de forma que somente as empresas viáveis – do ponto de vista econômico – possam usufruir desse regramento especial.

O procedimento recuperacional na esfera judicial, para esta breve análise, importa em dois momentos de destaque: o deferimento do processamento da recuperação judicial e, por fim, a homologação do plano de recuperação judicial. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, suspendem-se todas as execuções movidas contra a recuperanda e impede-se a remoção de quaisquer bens essenciais ao funcionamento da empresa, consoante disposto nos artigos 6º e 49, parágrafo 3º.

Nesse contexto, os credores de um modo geral, embora existam exceções, submetem-se à suspensão das ações ajuizadas em desfavor da recuperanda, e, posteriormente, ao plano de recuperação eventualmente aprovado e homologado.

Por outro lado, a Lei 11.101/2005 assegura ao credor titular da posição de proprietário fiduciário a não submissão aos efeitos da recuperação judicial. Por muito tempo, a jurisprudência pátria reconheceu, como requisito de validade e constituição, o registro dos contratos garantidos por alienação fiduciária de bens móveis.

O entendimento até então reiterado por boa parte dos tribunais fundamenta-se na disposição do artigo 1.361[1], parágrafo 1º, do Código Civil, no sentido de que a propriedade fiduciária constitui-se com o registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor. Nesse contexto, eventual crédito garantido por alienação fiduciária submeter-se-ia à recuperação judicial quando o instrumento contratual não estivesse devidamente registrado.

Essa compreensão decorre de peculiar interpretação do aludido artigo 1.361, no sentido de que sua disposição incide sobre a alienação fiduciária de quaisquer bens, fungíveis ou não. Dessa forma, também se trata do registro, mais do que como uma forma de proteger terceiros pela publicidade, como um verdadeiro meio de constituição da alienação fiduciária.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme reiteradas decisões[2], entende que os créditos originários de contratos garantidos por cessão fiduciária sujeitam-se aos pedidos de recuperação judicial caso não haja o registro desses no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor. Justamente nesse sentido, o referido Tribunal editou o verbete sumular de número 60, segundo o qual a propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e documentos do domicílio do devedor.

A exemplo da súmula editada pela corte paulista, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[3] adota o mesmo entendimento (Agravos de Instrumento 70067500579 e 70063659205), mantendo sujeitos ao processo de soerguimento os créditos cujo instrumento não houver sido registrado.

Em sentido diametralmente contrário ao entendimento dos Tribunais de Justiça, a doutrina de Orlando Gomes já se posicionava, há tempos, no sentido de que a exigência de registro não é requisito de validade. Para as partes, não é sequer de eficácia, Nem se prende, senão mediata e indiretamente, à forma do negócio. Constitui, em verdade, imposição legal para o fim específico de valer contra terceiros[4].

Esse conflito de entendimentos entre o posicionamento das cortes estaduais e da doutrina pátria, todavia, finalmente chegou à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. O STJ, ao julgar os Recursos Especiais 1.412.529/SP[5] e 1.559.457/MT[6], firmou posicionamento no sentido de que a constituição da garantia fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e sobre títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação, independentemente do registro, sendo os créditos oriundos desses títulos excluídos dos efeitos da Recuperação Judicial.

Consoante entendimento do STJ, as disposições do Código Civil – que exigem o registro como requisito de validade contratual – limitam-se a disciplinar apenas a alienação fiduciária de bens móveis infungíveis. Consolida-se, ainda, o entendimento no sentido de que a consecução do registro afigura-se irrelevante. Quando muito, serviria para produzir efeitos em relação a terceiros mediante a publicidade dele decorrente.

Essa compreensão decorre, também, da aplicação do Direito de maneira a assegurar ao credor fiduciário o imediato exercício das prerrogativas que lhe confere a cessão fiduciária, independentemente do registro. Ademais, a Corte Superior ainda ressalta o descabimento de considerar-se constituída a obrigação principal ao mesmo tempo em que se considera pendente de formalização a indissociável garantia estabelecida no mesmo contrato.

Consolida-se, assim, no ordenamento jurídico pátrio, o efetivo sentido de diversas normas inerentes aos créditos garantidos por alienação fiduciária no âmbito da recuperação judicial. Diante do entendimento exposto pelo Superior Tribunal de Justiça, portanto, o crédito garantido por alienação fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial, independentemente de registro do instrumento contratual.

 

 

 

 

Autores: Leonardo Fripp é advogado do Carpena Advogados.

Thiago Scartazzini Cidade é advogado do Carpena Advogados.


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