'Crédito presumido de IPI traz benefícios na administração do caixa.'

Abel Simão Amaro, Adriana Stamato de Figueiredo *

Muito tem sido comentado a respeito das decisões do Supremo Tribunal Federal que autorizaram o crédito “presumido” de IPI sobre insumos desonerados do imposto. De fato, trata-se de uma matéria de amplo interesse dos contribuintes, a qual pretendemos abordar de forma sucinta, apresentando, em linhas gerais, nossas considerações.

Como é sabido, por expressa disposição constitucional, o IPI é um imposto sujeito ao princípio da não-cumulatividade, o que significa que, do valor de imposto devido em razão da saída do produto do estabelecimento industrial, será compensado o montante de imposto já cobrado nas operações anteriores, de forma que o tributo incida apenas sobre o valor agregado pelo respectivo contribuinte.

Ao contrário do que ocorre com o ICMS (Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços), a Constituição Federal não estabeleceu para o IPI, em relação ao direito ao creditamento do imposto, uma disciplina para as hipóteses em que se verifiquem a não-incidência ou a isenção. Isto significa que a vedação ao crédito nas aquisições de insumos desonerados implica a violação à natureza não-cumulativa do imposto. Em outras palavras, a não autorização do crédito torna o imposto cumulativo, contrariando a disciplina constitucional.

Mais do que isso, a vedação ao crédito nos casos de aquisições ocorridas com a desoneração do imposto acarreta a ineficácia e anulação do benefício concedido, que se tornará inócuo, na medida em que a operação seguinte será integralmente tributada, sem o abatimento dos créditos que seriam atribuídos ao contribuinte caso a matéria-prima não tivesse sido beneficiada.

Para exemplificar, tomemos o seguinte exemplo: uma matéria-prima isenta é adquirida por R$ 100,00 para utilização na industrialização de um produto, que é vendido por R$ 150,00. A rigor, o imposto deveria incidir somente sobre o valor que foi agregado pelo industrial àquela matéria-prima. No caso em tela, esse valor é de R$ 50,00. Porém, como a matéria-prima é isenta, sua aquisição não gerou ao industrial créditos passíveis de serem abatidos com o imposto devido na venda do produto industrializado. Assim, na saída do produto, o imposto será calculado sobre o preço praticado de R$ 150,00, o que faz com que o IPI incida também sobre o valor da matéria-prima, a qual, supostamente, seria isenta.

Pelo exemplo acima, fica claro como a vedação ao crédito importa na violação à não-cumulatividade do imposto, bem como conduz à própria ineficácia da regra isencional. Ou seja, o que ocorre nesses casos é que o imposto fica simplesmente postergado para a etapa seguinte: embora não seja cobrado quando da venda da matéria-prima, ele será cobrado do industrial que adquiriu a matéria-prima isenta para fabricação de um produto tributado. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às hipóteses de insumos tributados à alíquota zero.

Assim, para que ocorra, efetivamente, a desoneração do imposto, é necessário que este industrial tenha direito a um crédito (presumido, obviamente) sobre a aquisição dos referidos insumos.

No entanto, a legislação não autoriza tal crédito, o que faz com que os contribuintes tenham que ingressar com medidas judiciais para obter o reconhecimento a esse direito. Essa tese tornou-se especialmente interessante após as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, que asseguraram o direito ao crédito presumido sobre tais aquisições.

Com efeito, em recente decisão, o Pleno do Supremo Tribunal Federal não conheceu do Recurso Extraordinário nº 350.446/RS, mantendo a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que assegurava o direito ao crédito sobre matérias primas tributadas pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à alíquota zero, utilizadas na industrialização de produtos tributados. Posteriormente, o mesmo entendimento foi ratificado pela 2ª Turma, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 371.417/PR.

Além disso, desde 1998 o próprio Supremo Tribunal Federal vem aplicando o entendimento de que os insumos isentos dão direito ao crédito presumido de IPI, conforme restou asseverado no julgamento do RE 212.484-2.

Assim, no âmbito judicial, encontra-se praticamente pacificada a questão atinente ao direito ao crédito presumido do imposto, havendo, ainda, decisões favoráveis do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.

Na esfera administrativa, o Conselho de Contribuintes também já vem adotando tal entendimento há algum tempo, o que reforça os argumentos da tese em comento.

Com base nesses precedentes, os contribuintes de IPI que se encontrem em situação semelhante poderão pleitear compensação dos valores que não foram creditados nos últimos dez anos, relativos às aquisições de produtos isentos, não tributados, ou tributados à alíquota zero, bem como assegurar o creditamento do imposto nas aquisições ocorridas do ajuizamento da ação em diante.

Uma vez obtida a decisão judicial nesse sentido, tais valores deverão ser lançados na escrita fiscal do contribuinte, podendo, todavia, o saldo credor (isto é, o saldo que não puder ser aproveitado após o abatimento dos débitos de IPI) ser aproveitado na compensação com outros tributos e contribuições próprios, administrados pela Secretaria da Receita Federal.

Uma questão importante que convém comentar diz respeito à necessidade de discussão dessa matéria em âmbito judicial, uma vez que já existem precedentes do Conselho de Contribuintes.

Na nossa opinião, os contribuintes devem avaliar a conveniência de realizar a compensação sem prévia autorização judicial, tendo em vista que esse procedimento provavelmente irá ser objeto de questionamento por parte da Receita Federal, podendo culminar em uma autuação fiscal vultosa, dependendo do montante de operações da empresa.

Qualquer autuação, ainda que pequena, sempre traz consigo conseqüências poucos desejáveis aos contribuintes. Além disso, em alguns casos, o eventual contingenciamento dessa autuação poderá ter um impacto bastante significativo nas demonstrações financeiras.

Mais ainda: apesar dos precedentes do Conselho de Contribuintes, há sempre o risco de uma eventual autuação ser considerada procedente, o que irá acarretar para a empresa a necessidade de promover uma ação anulatória ou apresentar embargos à execução fiscal.

Por esses motivos, na maioria dos casos costuma ser mais recomendável a discussão na esfera judicial, a despeito da eventual morosidade e dos gastos incorridos imediatamente com a propositura da ação, que muitas vezes desestimulam os contribuintes a ingressar em Juízo.

Em resumo, pesados os pós e contras, entendemos que há uma boa oportunidade para as empresas que adquirem produtos isentos ou tributados à alíquota zero pleitearem créditos presumidos de IPI sobre tais aquisições, o que certamente irá trazer benefícios na administração do fluxo de caixa e na própria rentabilidade das empresas.

Abel Simão Amaro é sócio fundador do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados.
Adriana Stamato de Figueiredo é advogada associada do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados.

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