'Criação de polícia do Senado Federal é inconstitucional.'

Antônio Carlos de Lima, Íris Cristina Ogêda Oliveira*

Através da Resolução nº 59 do Senado Federal, de 05/12/2002, foi criada a Polícia do Senado Federal. Em seu art. 2º, inciso IX, atribui as mesmas funções de investigação e de inquérito, que são atribuições típicas de polícia judiciária.Questiona-se a constitucionalidade deste inciso, vez que o inciso IV do § 1º, do art. 144 da Constituição Federal é taxativo ao estabelecer que é atribuído à polícia federal exercer as funções de polícia judiciária da União:

Art. 144 – § 1º – “A polícia federal, instituída por lei, como órgão permanente, organizado e mantido pela União, estruturado e mantido em carreira, destina-se a:

(…)

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (negritamos).

Será que uma simples resolução tem a capacidade de interferir nas atribuições da polícia federal, constitucionalmente estabelecidas?

A Resolução nº 59, de 05/12/2002, dispõe sobre o poder de polícia do Senado e, em seu artigo 2º, inciso IX, considera como atividades típicas da Polícia do Senado Federal “as de investigação e de inquérito”. Vislumbra-se, então, que esta malfadada resolução criou uma outra polícia judiciária exclusiva para o Senado Federal, afrontando o artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, da CF, invadindo a esfera de atribuições exclusivas da polícia federal, mostrando-se flagrantemente inconstitucional. Vejam o que consta na Resolução nº 59/02, em seu art. 2º, § 1º, inciso IX:

“§1º – São consideradas atividades típicas de Polícia do Senado Federal;

(…)

IX – as de investigação e de inquérito.” (negritamos).

Ora, uma resolução legislativa não pode ter o condão de suprimir uma norma constitucional. Segundo o Diretor-Geral do Senado Federal, tal Resolução regulamenta o artigo 52, inciso XIII, da Constituição Federal, o qual foi transcrito abaixo:

Art. 52 – “Compete privativamente ao Senado Federal:

(…)

XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para a fixação da respectiva remuneração observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.” (negritamos).

Verifica-se que houve um erro de interpretação por parte do Senado Federal quando ao termo “polícia” evidenciado acima. Este se refere ao poder de polícia, que é exercido por aquela Casa por meio de suas atribuições de natureza administrativa, dentre elas, a fiscalização do trânsito de pessoas nas suas dependências, revista, busca, apreensão e segurança dos parlamentares. Esse poder de polícia também é conferido a órgãos da administração pública, como os departamentos de vigilância sanitária e de fiscalização tributária, por exemplo. Conforme conceitua a Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, poder de polícia é a “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.” (Direito Administrativo, 13ª Edição, Atlas, p. 110).

Assim sendo, o conceito de “polícia” referido no art. 52, inciso XIII da CF não abarca o sentido de polícia judiciária, como entendeu o Senado, mas o sentido de polícia de manutenção da ordem pública naquela Casa.

É temerário aceitar-se passivamente a existência do inciso IX diante de algumas incógnitas: haveria alguma razão plausível para que o Senado Federal criasse uma polícia judiciária própria? Por que invadir as atribuições da polícia federal desta maneira? Estaria este órgão desempenhando mal suas funções a ponto de desassossegar os parlamentares?

Na esteira de incongruências, vem o § 2º do art. 2º da mencionada Resolução estabelecer que “As atividades típicas de polícia do Senado Federal serão exercidas exclusivamente por Analistas Legislativos, Área de Polícia e Segurança, e por Técnicos Legislativos, Área de Polícia, Segurança e Transporte, desde que lotados em efetivo exercício na Sub-Secretaria de Segurança Legislativa”. Este restará também prejudicado caso permaneça o inciso IX do § 1º do art. 2º, pois por meio dele, está-se transferindo atribuições exclusivas de delegado de polícia federal a pessoas não investidas em cargos da carreira policial.

Outra anomalia jurídica é o art. 4º da desafortunada Resolução: “Na hipótese de ocorrência de infração penal nas dependências sob a responsabilidade do Senado Federal, instaurar-se-á o competente inquérito policial presidido por servidor no exercício de atividade típica de polícia, bacharel em Direito”. Vejam: inquérito policial instaurado por servidor “em exercício de atividade típica de polícia”. Onde fica o princípio da autoridade no inquérito policial, segundo o qual este só pode ser iniciado por autoridade competente? (leia-se, no contexto, delegado de polícia federal).

Alerta-se que o inciso IX do § 1º do art. 2º da Resolução nº 59/02 deve imediatamente ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de verem-se invertidas atribuições constitucionais, suprimidas garantias individuais e violados princípios basilares da administração, mormente os da legalidade, impessoalidade e moralidade. A sociedade agradece e o Estado de Direito permanece.

Antônio Carlos de Lima é professor de Direito na Unip e Fasam
Íris Cristina Ogêda Oliveira é bacharel em Direito pela UFG

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