Autores: Marcelo Knopfelmacher e Fernando Mendes (*)
O Brasil passa por um momento histórico extremamente sensível e que terá reflexos definitivos para o modelo de país em que pretendemos viver no futuro.
A sociedade brasileira já deu sinais claros de que não aceita — e nem aceitará — mais a impunidade, os acordos de bastidores, a prevalência dos interesses privados de nossos dirigentes políticos sobre matérias de interesse público.
As instituições brasileiras têm funcionado regularmente e de modo independente e, não obstante a grave crise econômica e política por qual passa o país, vêm dando respostas adequadas aos problemas que lhe são apresentados.
Exemplo disso é que um modelo de corrupção que havia se entranhado no Estado brasileiro, como base de sustentação de um poder político, foi desmantelado e está sendo submetido à rigorosa atuação do sistema de Justiça brasileiro. Aqueles que desviaram recursos públicos, aqueles que se valeram dos cargos e funções que exerciam para obter proveito pessoal e consolidar uma forma de dominação política, estão hoje respondendo criminalmente pelos fatos praticados e serão julgados dentro do devido processo legal.
Contudo, quando a sociedade clama pelo fim da impunidade e pelo efetivo combate à corrupção como respostas necessárias e inadiáveis para que se possa passar o Brasil a limpo, alguns políticos, de maneira totalmente deslocada da realidade em que vivem, tomam uma direção contrária aos anseios populares e veem na responsabilização de juízes e promotores uma forma de minar o trabalho que o Poder Judiciário está fazendo.
A independência incomoda. Outra não pode ser a conclusão quando se lê a proposta que foi incluída no substitutivo ao Projeto de Lei 4.850, de 2016 e que pretende criar o chamado “crime de hermenêutica “ para punir juízes.
De fato. Ao pretender incluir na Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, o artigo 39 – 11 a tipificação, como crime de responsabilidade, a conduta do magistrado que “ condenar pessoa física ou jurídica sem os elementos essenciais à condenação, assim reconhecida por decisão judicial colegiada de segunda instância” o Parlamento está ferindo de morte elemento essencial para a existência do próprio Estado de Direito que é a independência judicial.
Se a atuação jurisdicional, baseada no livre convencimento motivado, vier a ser punida e não puder ser exercida com liberdade e independência, teremos um Judiciário enfraquecido, com juízes ameaçados por apenas terem exercido o papel que a Constituição Federal lhe destinou.
Isso não pode ser aceito nem tolerado. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, ao tomar conhecimento dessa proposta legislativa, declarou na Sessão Pública do CNJ realizada nesta terça-feira (29/11), que “os juízes brasileiros tonaram-se nos últimos tempo alvo de ataques, de tentativas de cerceamento de atuação constitucional e o que é pior, busca-se até mesmo criminalizar o agir do juiz brasileiro restabelecendo-se até o mesmo o que já foi apelidado de crime de hermenêutica no início da República e que ali foi repudiado”.
Evidentemente que abusos também não podem ser tolerados, mas, para tanto, já há todo o sistema recursal próprio para a reversão de decisões judiciais tidas por injustas e também há os órgãos de controle interno (Corregedorias) e externos (Conselho Nacional de Justiça) do Poder Judiciário.
Nesse sentido, nos parece que o momento não é adequado para se aumentar ainda mais a temperatura e disseminar um clima de punitivismo exacerbado. Transformar a judicatura em carreira de risco é o primeiro passo para o totalitarismo.
Por outro lado, as prerrogativas dos advogados são sagradas e devem ser observadas com rigor absoluto. Não há espaço para violação de prerrogativas profissionais seja de que lado for. O advogado e o direito de defesa são elementos absolutamente fundamentais para o processo. E é importante também mencionar que o peso da defesa é o mesmo da acusação, por mais que as notícias de jornal muitas vezes deem mais enfoque às punições do que às absolvições.
O momento clama por serenidade. Medidas decididas de afogadilho não fazem o bem que a sociedade espera, porque a resposta ao estado de coisas que se apresenta é muito mais ético e comportamental do que propriamente legislativo.
Temos de continuar repudiando e se colocando de maneira veemente contra qualquer tentativa do enfraquecimento do Poder Judiciário. A sociedade brasileira está alerta e pergunta: a quem isso interessa?
Autores: Marcelo Knopfelmacher é advogado e presidente do Conselho do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).
Fernando Mendes é juiz federal e presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp)